Já faz algum tempo que o eleitorado peruano tem se revelado uma caixinha de surpresas. Em 1985, o advogado Alan Gabriel Ludwig García Pérez, 35 anos, se tornava o mais jovem presidente do Peru ao se eleger com 45,7% dos votos. Era a primeira vez que a Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra), o tradicional partido reformista peruano, chegava ao poder depois de várias tentativas abortadas pelos militares. Mas o governo de Alan García foi um desastre. Na eleição seguinte, em 1990, os peruanos rejeitaram o consagrado escritor Mario Vargas Llosa e escolheram para dirigir o país um completo outsider político, o então desconhecido engenheiro descendente de japoneses Alberto Fujimori. Foram dez anos de estabilidade econômica e corrupção institucionalizada garantidas por uma ditadura disfarçada. As eleições presidenciais de abril do ano passado, escandalosamente fraudadas por Fujimori, revelariam outra novidade: Alejandro Toledo, conhecido como El Cholo por sua ascendência indígena. Esse ex-engraxate que virou estudante de Stanford foi o candidato das oposições e teve um papel decisivo para minar a legitimidade do fujimorismo ao mobilizar multidões contra a fraude e ao se recusar a participar do segundo turno. Sem concorrência, Fujimori foi reeleito, mas renunciou pouco depois por causa de escândalos de seu homem-forte Vladimiro Montesinos. Quando se acreditava que El Cholo seria eleito presidente no primeiro turno das novas eleições, convocadas para o domingo 8, os peruanos surpreenderam novamente. O ex-presidente Alan García, exilado na Colômbia até o ano passado, acusado de corrupção e tido como um pária político no Peru, conseguiu 26% dos votos, garantindo o direito de disputar o segundo turno com Toledo, que teve 36,5%. A “promessa” dessa eleição, Lourdes Flores, a primeira mulher a disputar a Presidência do país, que estava em segundo lugar durante a campanha, ficou com 23,9%. “O curioso é que, nesta eleição, Alan García é que apareceu como a grande novidade”, afirmou o analista político Carlos Tapia.

A reação dos mercados não se fez esperar. Na segunda-feira 9, a Bolsa de Lima fechou com uma queda de 2,43%, a maior do ano, e os bônus Brady, os títulos da dívida externa que medem o risco do país, perderam 1,75% de seu valor. Não era para menos. Durante os seus cinco anos de mandato, montado numa retórica populista, García deixou a comunidade empresarial e os investidores estrangeiros de cabelos em pé. Primeiro, anunciou que limitaria o pagamento da dívida externa a 10% da receita das exportações. O FMI fechou a torneira dos empréstimos externos ao Peru. O governo concedeu aumentos aos funcionários públicos sem ter recursos e créditos a camponeses a juros de 0%, o que levou o Banco Agrícola à falência. Mas o pior viria em 1987: para quebrar a espinha dorsal do empresariado que o boicotava, García tentou estatizar o sistema bancário. O presidente acabou quebrando a própria cara. A medida provocou protestos e fez a inflação chegar a 7.200% ao ano, obrigando o governo a voltar atrás. Como se não bastasse, a violência terrorista dos grupos Sendero Luminoso e Túpac Amaru atingiu um grau nunca visto. O presidente, conhecido como “cavalo louco” por seus arroubos messiânicos, deixou o Palácio de Pizarro desmoralizado. Em 1992, quando Fujimori deu o “autogolpe”, o ex-presidente se exilou na Colômbia. A ironia da história é que Alan García apoiara Fujimori nas eleições de 1990 contra seu desafeto Vargas Llosa, líder da campanha contra a estatização dos bancos.

Dois eleitorados – Mas os tempos são outros. Nem Alan García nem muito menos Alejandro Toledo desconhecem o fato de que, na atual conjuntura internacional da globalização, “os organismos financeiros internacionais entregam a partitura pronta para ser executada”, como assinalou o jornal argentino Clarín. O que significa que, quem quer que seja eleito no segundo turno, marcado para 20 de maio, terá que levar em conta o cenário montado pelo destituído presidente Alberto Fujimori: privatizações, corte de gastos públicos e inflação controlada. Para o analista político espanhol Alfredo Barnachea, todo político tem duas clientelas simultâneas. “Uma, visível, é o eleitorado, e outra, minoritária, é o grupo de pessoas que maneja os grandes fundos internacionais de investimento. A primeira vota a cada cinco anos, a segunda vota todos os dias e pode fazê-lo a cada segundo com um teclado, movendo capitais de um lugar ao outro. Esse movimento limita a ação dos governos e, se um político não sabe, aprende em segundos.” García parece concordar com esse diagnóstico. Já se especula que, se eleito, convidará economistas liberais para integrar seu governo, como Hernando de Soto, do Instituto Liberdade e Democracia e ex-assessor de Fujimori. O nacionalista Victor Haya de la Torre, fundador da Apra, morto em 1979, deve estar se revirando no túmulo.