Roma foi a primeira cidade do mundo a ultrapassar a soma de um milhão de habitantes. Esta marca histórica aconteceu em meados do século III d.C., depois de décadas de paz, com a prosperidade do Império Romano movida a toque de caixa por uma economia em alta. E a imigração foi o combustível dessas duas situações. A maioria dos que moravam nesta megalópole era composta de gente nascida em outras partes e de seus filhos. “Períodos de explosões econômicas costumam provocar grandes migrações, que por sua vez sustentam o crescimento produtivo”, explica o professor Max Curry, da Universidade de Princeton. Essa equação vem se repetindo na História e serve para explicar também os dados do censo americano do ano 2000. Pegue-se Nova York como exemplo: pela primeira vez, a população da cidade avançou para além dos oito milhões de habitantes, sendo que as pessoas de raízes hispânicas, também pela primeira vez, superaram os afro-americanos na condição de principal minoria da comunidade. E o que acontece no centro do império americano repete-se, em maior ou menor escala, em outros quadrantes de seu território. Em Nova Jersey, por exemplo, os latino-americanos devem superar numericamente os negros. Em todo o país, 20% dos estudantes de primeiro e segundo graus são estrangeiros ou filhos de imigrantes. Em Nevada, um quinto dos trabalhadores de frigoríficos – a maior indústria do Estado – estão no país ilegalmente. “Essas e muitas outras curiosidades de almanaque demográfico aconteceram depois do estouro da economia americana nos anos 90. Fez-se muito dinheiro e as pessoas, como sempre, vieram atrás. Foi assim que este país nasceu. E sua fisionomia no século XXI será moldada por este rico material genético que lhe foi transplantado na virada do milênio”, diz o professor Curry.

Novo biotipo – Num trabalho baseado na informação de que, em 1998, 25 milhões de pessoas que habitam os Estados Unidos tinham nascido fora do país, um artista gráfico montou o biotipo do americano do futuro. As porcentagens de habitantes de cada grupo étnico foram fornecidas a um programa gráfico de computador, que transformou estes dados como DNA de um arquétipo do cidadão do novo século. O resultado foi um retrato bastante diferente do que se imagina ser um americano. Os cabelos loiros e olhos claros, por exemplo, deram lugar a melenas castanhas e olhos escuros, num rosto acentuadamente moreno.

Peguem-se as relações de trabalho como elemento simbólico dessa mudança. Os grandes sindicatos sempre foram a favor do combate ao emprego de mão-de-obra não-documentada nas empresas. Ou seja: cadeia e deportação para os imigrantes ilegais e multas pesadas a seus empregadores. Mas, em 1998, a poderosa central sindical AFL-CIO retirou seu apoio a essa política. Além disso, passou a defender os direitos de trabalhadores ilegais no país. Fala John Sweeney, presidente da AFL-CIO: “Os corajosos trabalhadores que lutam por seus direitos não devem ser punidos e deportados por suas justas reivindicações.” Das palavras à ação: em setembro de 1998, o Immigration National Service (INS), o serviço de imigração dos Estados Unidos, lançou no Estado de Nebrasca a chamada Operação Vanguarda. A meta era passar a peneira nos frigoríficos locais para colher os trabalhadores não-documentados. Os agentes do governo recolheram os arquivos de todas as empresas e anunciaram que iriam conduzir entrevistas com 4.762 trabalhadores suspeitos de serem imigrantes ilegais. Antes que isso acontecesse, os que estavam na lista fugiram. As empresas imediatamente sofreram uma terrível escassez de mão-de-obra e o fluxo de produção caiu a níveis catastróficos. Os pecuaristas anunciaram perdas de US$ 20 milhões e passaram a fazer pressões. Os sindicatos entraram na briga ao lado dos empresários. Os políticos atacaram furiosamente o INS e abateram a tal Operação Vanguarda. O governador Mike Johanns endossou uma anistia aos não-documentados e os 4.762 trabalhadores voltaram. Desta vez acompanhados de mais 500 novos colegas.