Nenhum ser humano é ilegal. Exigimos a regularização. Quem vai colher os pés de alface? Os que não têm registro, os que não tem registro.” A frase era gritada por 50 imigrantes que invadiram no sábado 31 de março a sede do Defensor del Pueblo, em Madri, o correspondente no Brasil ao Conselho de Cidadania e Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Homens furiosos, vindos do Marrocos, da China, do Equador, que saíram às ruas para protestar contra a Lei de Estrangeiros implementada em 23 de janeiro deste ano na Espanha. A polêmica legislação proíbe os imigrantes de fazer parte de qualquer sindicato, de receber assistência legal gratuita, de se organizar, de protestar e, principalmente, de fazer greve. Por isso, não é para menos que se alastraram pelo país, com apoio de setores da sociedade civil, protestos raivosos contra a iniciativa do governo espanhol. Em fevereiro, mais de dez mil pessoas saíram às ruas de Madri e uma marcha com cerca de três mil tomou conta de Valência. Os trabalhadores sem papéis, como são chamados os imigrantes ilegais, também fizeram greve de fome unidos aos partidos de esquerda, às organizações de direitos humanos, exigindo do governo trabalho e visto permanente. Neste ano, cerca de 30 mil pessoas correm o risco de ser expulsas do território espanhol. A Espanha anunciou seu Programa Global de Regulamentação e Coordenação dos Estrangeiros e Imigrantes (Plano Greco) para tentar resolver um drama que envolve todo o planeta. “É uma tentativa de resolver o problema da imigração ilegal. Mas dar os mesmos direitos para imigrantes ilegais e legais é impensável”, disse o premiê espanhol José María Aznar. Segundo o promotor Fernando Olivan, “o governo espanhol teria mesmo que mudar a lei, mas agora está matando moscas com canhão.”

Busca de trabalho – Com a globalização e o crescente desemprego que causa incertezas na economia dos países do Terceiro Mundo, ficou inevitável que surgisse no mundo uma nova onda de imigração. Onda que começa a provocar sobrolhos pensativos nos líderes ocidentais. De acordo com a pesquisa deste ano da Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse grande fluxo migratório ocorre principalmente em função de busca de postos de trabalho. Estima-se que no ano passado chegaram aos países da União Européia cerca de 816 mil imigrantes, quase 100 mil a mais do que em 1999. No Velho Continente calcula-se que haja mais de cinco milhões de imigrantes ilegais. Só no ano passado, 450 mil estrangeiros pediram asilo em 25 países europeus. “No curto prazo, o mercado livre estimula a imigração para os países industrializados porque aumenta o desemprego em determinados setores dos países mais pobres”, diz o relatório da OIT. O próprio premiê Aznar admitiu a necessidade da Espanha de receber trabalhadores imigrantes, mas mesmo assim aprovou a famigerada lei que endurece a entrada deles no país. Uma lei que já está sendo refutada pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). “Essa lei é contra os tratados internacionais para a proteção dos direitos universais e individuais da pessoa. Por essa razão, um grupo socialista no Parlamento Europeu acaba de apelar à Corte Constitucional pedindo a inconstitucionalidade de alguns de seus artigos”, disse a ISTOÉ a deputada socialista espanhola Ana Terron.

No relatório da ONU sobre populações elaborado pelo francês Joseph Grinblat estima-se que, devido à projeção de um acentuado declínio populacional da Europa, o continente necessitará de 160 milhões de imigrantes até o ano 2025 para garantir o suprimento de mão-de-obra. Na maior parte da Europa ocidental diminui o índice de natalidade e esses países acabam reconhecendo que, sem imigração, não será possível, por exemplo, prover fundos para aposentadoria dos europeus. Na Dinamarca, até o final deste ano, nove mil trabalhadores da área de construção civil vão se aposentar e os candidatos a substituí-los são os imigrantes do Leste Europeu. “A ONU recomenda uma política em que os países europeus revejam a questão da imigração. No curto prazo, pode parecer que a imigração é um problema, mas no longo prazo ela é um benefício”, disse a ISTOÉ o relator Glinblat .

O reconhecimento de que a Europa irá precisar da mão-de-obra de estrangeiros é senso comum entre os governantes do continente. “Nós precisamos de imigrantes”, afirmou o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, ao anunciar o plano de receber 20 mil imigrantes especializados em computação. A Europa necessita de dois tipos de mão-de-obra: a especializada, como a dos indianos craques em informática que foram morar na Alemanha, ou a dos que realizam trabalhos que os europeus não querem mais fazer, como os lavradores equatorianos que entram em levas para trabalhar na agricultura da Espanha. Em janeiro deste ano, os espanhóis se chocaram com a imagem dos 12 caixões de equatorianos que morreram num acidente com uma caminhonete e um trem. Os imigrantes ilegais trabalhavam em uma fazenda de um espanhol condenado por exploração. Em outras palavras, por um regime de escravidão.

Bode expiatório – Estudo feito pelo governo britânico aponta que os imigrantes contribuem diretamente para o crescimento da economia do Reino Unido. Mas a chegada deles está longe de ser popular num continente onde há cerca de 15 milhões de desempregados. Os imigrantes legais ou ilegais acabam se tornando o bode expiatório para os problemas de muitas nações. Além de serem vistos como competidores indesejáveis nos mercados nacionais, eles são acusados de aumentar o índice de criminalidade. Em algumas ocasiões, sua presença é usada para angariar votos de canditatos xenófobos. Assim aconteceu, por exemplo, com o ultradireitista Jörg Haider, da Áustria. Segundo pesquisa do Instituto da Juventude da Espanha, realizada entre outubro e novembro de 1999, 30% dos jovens espanhóis acreditam que a imigração crescente será “prejudicial à raça”. Outros 24% afirmam que haverá efeitos negativos quanto à “moral e aos costumes” do país.

Outra explicação para o aumento do fluxo migratório é que a imigração ilegal é hoje um grande negócio. Numa conferência realizada na Sicília em dezembro passado, o diretor executivo do Departamento da ONU de Controle de Drogas e Prevenção ao Crime, Pino Alarcchi, declarou que os traficantes de pessoas lucram US$ 7 bilhões por ano apenas com a prostituição. Em um relatório conjunto, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e seu colega da Itália, Giuliano Amato, escreveram que “o tráfico de seres humanos é o tipo de crime rentável que mais cresce hoje”. Os traficantes se deram conta de que dá muito mais dinheiro traficar humanos do que, por exemplo, drogas. E o alvo das máfias (italiana, russa, japonesa e chinesa) são mulheres e menores de idade. “Hoje o tráfico de imigrantes é a maior violação contra os direitos humanos”, disse Alarcchi. Na Itália, por exemplo, 23% dos imigrantes que chegaram em 2000 são menores de idade. No ano passado, a polícia francesa desmontou um esquema mafioso que trazia jovens surdos-mudos da Rússia, Ucrânia e Moldova para mendigar nas ruas. Com a mendicância, os traficantes ganhavam cerca de US$ 310 mil mensais. “Essas atividades são, na maior parte, conduzidas por uma rede internacional que produz modernas formas de escravidão depois que esses imigrantes chegam na Europa”, diz a deputada socialista Ana Terron.

Tráfico – Na década de 90, o Estreito de Gibraltar, que liga os países da África do Norte ao Velho Continente, virou um canal para o grande tráfico de pequenas embarcações de pessoas em busca de uma oportunidade melhor. Apenas em dezembro de 2000, 15 mil tentaram atravessar o estreito, mas nem todos conseguiram vencer as águas e a polícia espanhola mensalmente recolhe corpos nas praias do Sul do país. “Há evidências de que os traficantes jogam mulheres e crianças, que em sua maioria não sabe nadar, no Mar Adriático para que a patrulha marítima não os prenda”, afirmaram Blair e Amato.

Até o final deste ano, o Parlamento Europeu debruça-se sobre o tema da imigração ilegal e deverá apresentar alternativas para lidar com essa torrente de estrangeiros no continente. O presidente da Uião Européia, Romano Prodi, afirmou em Estocolmo, no dia 23 de março, que a Europa necessita urgentemente reduzir as restrições à mobilidade de mão-de-obra na Europa. França e Espanha já concedem licenças temporárias de trabalho aos imigrantes.

O Velho Continente, que teve suas populações espalhadas durante séculos por todo o mundo, fez com que as antigas colônias tivessem que se adaptar às suas tradições e costumes. Agora, a mãe vê seus filhos voltarem para casa à procura de abrigo.