Numa época em que casos de corrupção integram o cotidiano do Congresso, parece até folclórico relembrar o desvio de uma urna marajoara e a distribuição, entre amigos do peito, de automóveis adquiridos com dinheiro público. Esses escândalos estiveram, porém, entre os mais rumorosos da trajetória de Adhemar de Barros, cujos correligionários foram os primeiros a adotar o lema “rouba mas faz”. Herdeiro do ex-governador, o empresário Adhemar de Barros Filho credita as denúncias feitas contra o pai a articulações de adversários políticos, em especial o ex-presidente Jânio Quadros. Sem demonstrar ressentimento, Barros Filho discorre sobre os escândalos ao mesmo tempo que antecipa detalhes da doação do acervo do ex-governador ao Arquivo do Estado de São Paulo. Com a iniciativa da família, cerca de 30 mil fotografias e 600 séries de documentos vão se transformar em patrimônio público a partir da próxima semana, quando se comemora o centenário do nascimento de Adhemar.

Em relação à urna, peça do artesanato indígena destinada ao Museu do Ipiranga, Barros Filho garante que Adhemar acabara esquecendo a obra em casa ao voltar de uma viagem a Belém do Pará. “Foi uma piada”, garante. “Logo disseram que a urna fora roubada, mas ela estava prestes a ser encaminhada ao museu, onde está até hoje.” O outro escândalo, envolvendo dez automóveis Chevrolet e um Oldsmobile, modelo Clube Sedan de Luxo, acabou obrigando Adhemar a permanecer no Exterior durante seis meses, para escapar de ser preso no Brasil. Na época, ele havia sido condenado pela Justiça por ter destinado a si próprio o Oldsmobile e ter distribuído entre amigos outros dez carros comprados com recursos públicos. “No Supremo Tribunal Federal, ele foi absolvido por nove a zero”, lembra Barros Filho.

Com a disponibilização do acervo do ex-governador ao público, esses e outros episódios da história contemporânea poderão ser conferidos a partir de documentos cujo acesso era restrito. Abrigado em um prédio de 16 mil metros quadrados, o Arquivo do Estado já recebeu vários acervos em doação, entre eles o do ex-presidente da República Washington Luís (1926-1930). A Presidência, aliás, era o grande sonho de Adhemar. Ele concorreu duas vezes, em 1955 e 1960, mas acabou derrotado nas urnas. Em compensação, durante mais de três décadas ele esteve no primeiro plano da política nacional, tendo sido deputado federal, interventor em São Paulo durante o Estado Novo (1937-1945), duas vezes governador do Estado e ainda prefeito da capital.

Populista e amante de grandes obras, Adhemar conviveu com políticos das mais diversas matizes ideológicas, do presidente trabalhista Getúlio Vargas ao líder comunista Luís Carlos Prestes. Um dos articuladores civis do golpe militar de 1964, acabou cassado pelo presidente-general Humberto de Alencar Castello Branco. “No fundo, fizemos a revolução contra nós mesmos”, havia constatado amargamente meses antes da cassação. Casado desde 1927 com Leonor Mendes, nos últimos anos de vida Adhemar viveu uma intensa relação com a viúva Ana Benchimol Capriglioni, conhecida nos meios políticos pelo codinome de Dr. Rui. “Ela foi um caso do velho Adhemar, parte de seu último governo”, reconhece Barros Filho. “Quando ele e minha mãe se exilaram na França, ela também o acompanhou.” Em março de 1969, Adhemar morreu em Paris. A fama de sua fortuna era tamanha que, quatro meses depois, um grupo guerrilheiro promoveu um assalto cinematográfico a um cofre com US$ 2,5 milhões, que se encontrava em poder da família de Ana Capriglioni.


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