A sedutora Salvador do Farol da Barra e da multidão dançante que sai atras do trio elétrico no Carnaval é só alegria. Um pouco mais distante da orla, a cidade do axé está longe da folia. Confinada em grandes áreas de miséria, a Salvador que não aparece nos roteiros turísticos tem altas taxas de desemprego, violência e baixa qualidade de vida. A capital baiana é uma expressão cabal da concentração de renda no País. Os indicadores econômicos divulgados nos últimos dias mostram que o prefeito Antônio Imbassahy (PFL) está longe de combater a pobreza e a miséria. Com o objetivo de elaborar um índice de preços com abrangência nacional, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) pesquisou o rendimento dos brasileiros em 12 principais capitais do País. Durante o ano passado, o salário médio do trabalhador soteropolitano ficou em R$ 220. O valor é o mais baixo do grupo, quatro vezes menor que o de Brasília, o mais bem colocado, e 20% menor que o registrado em Goiânia, o penúltimo da lista. De acordo com a FGV, 80% dos trabalhadores de Salvador recebem de um a oito salários mínimos, uma das piores distribuições de renda da pesquisa. Para completar, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgou números que colocam em xeque a qualidade da administração do grupo carlista, que há pouco mais de dez anos controla o governo do Estado e há quatro, o da capital. “A Salvador turística é bonita e bem tratada, mas os pobres das mais de 600 favelas vivem em situação dramática, sem amparo de uma política social”, diz o sociólogo Gey Espinheira, professor da Universidade Federal da Bahia e especialista no estudo das desigualdades sociais.

Os dados condensados pelos técnicos das Nações Unidas revelam que, em comparação com outras capitais do País, os indicadores sociais de Salvador andam a passo de tartaruga. A dona-de-casa Maria Rosa dos Santos é uma das vítimas dessa marcha lenta. Ela mora há 30 anos na Plataforma, uma das favelas na região do subúrbio ferroviário, onde 500 mil pessoas carentes se espremem. Maria Rosa tem sete filhos: três estão desempregados e um vive de bicos. A mais nova, Alice, tem 16 anos e ainda cursa a 4ª série, mas não tem ido à aula por falta de professor. A média salarial da família é de R$ 50 mensais por pessoa. A casa não tem banheiro e o esgoto ainda é a céu aberto. “Aqui falta tudo. O governo não olha pra gente”, diz ela. O trabalho da ONU, um denso estudo da evolução dos índices de qualidade de vida, confirma o caso de Maria Rosa. Os técnicos examinaram quase três dezenas de indicadores sociais como o salário, taxa de desemprego, concentração de renda, mortalidade infantil, taxas de analfabetismo e número de casas com água e esgoto. Em seguida, compararam as taxas registradas nos quatro primeiros anos da década de 80 com as do período de 1995 a 1999. O resultado foi surpreendente. Fortaleza, uma das capitais mais pobres do Nordeste, avançou 16,8% nos seus indicadores sociais. Foi a melhor performance, superando São Paulo, a segunda colocada da lista, com uma evolução de 13,9%. Recife, outra nordestina pobre, conseguiu uma evolução de 10,7%. Salvador ficou em 11º lugar, com 8,3%, a metade da administração da capital cearense.

Por que os dirigentes do grupo de ACM oferecem à população carente condições de vida duas vezes piores do que os da capital cearense? O prefeito da cidade, Antônio Imbassahy, tem dito que os resultados da sua administração “demoram a aparecer”, mas o professor Gey Espinheira tem outra explicação: “Em Salvador, não há política social. Existem programinhas respaldados em linhas de crédito do governo federal.” A prefeitura prefere grandes obras em vez de investir no combate ao desemprego. Hoje, os esforços carlistas concentram-se no Bahia Azul, uma megaobra de saneamento financiada com dinheiro externo que pretende beneficiar grande parte dos bairros pobres da cidade. O projeto é tocado pelas construtoras Odebrecht e OAS, da família do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Enquanto isso, no indicador que mede disponibilidade e qualidade de emprego, Salvador ocupa a segunda pior posição. Há 20 anos, estava entre as cinco melhores.