Debruçado no balcão de um aviário em Paranaguá, cidade do litoral paranaense, o dono do estabelecimento diz que é fácil conseguir um papagaio-de-cara-roxa: “Os índios pegam para você no mato por R$ 25, R$ 30.” Mas isso é ilegal e seria mais seguro comprar o animal longe dos olhos do Ibama, aconselha. Na casa de uma senhora que quer se desfazer de um, “vai sair por uns R$ 300. Eu mesmo arrumei para ela e hoje ele canta até ‘atirei um pau no gato’.” O homem sugere transportar o papagaio no porta-malas de um carro: “Pode dar cachaça que o bichinho dorme e viaja quieto.” Alguns minutos depois, um comerciante de produtos para animais entra no aviário e oferece: “Está querendo o ‘da cara roxa’? Tenho um por R$ 850, com registro. Você passa com ele em qualquer aeroporto. Não é ilegal.” A cena caracteriza um crime inafiançável: o tráfico de animais silvestres. Um papagio-de-cara-roxa, espécie em extinção, pode valer US$ 25 mil no Exterior. O esquema de comércio ilegal de animais é o terceiro mais rentável do mundo, só perdendo para os de tráficos de drogas e de armas. As transações movimentam cerca de US$ 10 bilhões por ano no mundo e aceleram o extermínio de inúmeras espécies. O Brasil participa com US$ 1 bilhão. Um exemplar da fauna brasileira pode valer US$ 75 mil na Europa. É o caso das araras-azuis-de-lear, que a Polícia Federal foi buscar em Cingapura, no dia 23 de março.

Calcula-se que a comercialização ilegal provoque o desaparecimento de 12 milhões de espécimes no Brasil. Em cada dez animais capturados, apenas um sobrevive, segundo a ONG Rede Nacional Contra o Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Muitas espécies, principalmente de aves, tornaram-se raras em consequência do tráfico. Da população de papagaios-de-cara-roxa, no Paraná, restam cerca de quatro mil exemplares. O caso das araras-azuis-de-lear, na Bahia, é mais grave, hoje restam cerca de 160. Quanto mais raro, mais o animal vale no mercado. Quando uma espécie ingressa na lista de extinção, traficantes comemoram. E, quanto mais comercializado, maiores são as chances de entrar para a lista. Longe do hábitat a sobrevivência é mais difícil. Os animais são transportados em condições precárias e sofrem todo tipo de agressão. Em novembro passado, um filhote de onça foi apreendido no Piauí com a pata decepada por uma armadilha. As presas também tinham sido arrancadas.

Acabar com o tráfico depende, principalmente, do Instituto Brasileiro Meio Ambiente (Ibama), responsável pela fiscalização. Mas as superintendências do órgão nos rincões do País têm infra-estrutura precária e parcos recursos. A maioria das poucas apreensões é resultado de denúncias. O superintendente do Ibama no litoral do Paraná, Lício Domit, reclama: “Faltam fiscais. A área para vigiar é muito grande. É mais fácil a Polícia Rodoviária pegar os traficantes na estrada”, diz. Domit acredita que, no Sul, a principal rota seja de Foz do Iguaçu para o Paraguai e depois para o Hemisfério Norte, principalmente. “Atravessam a ponte e, uma vez no Paraguai, ninguém mais pega”, diz. O Nordeste, onde a fiscalização é ainda menor, é o mais atingido. Os alvos principais são as cidades de Petrolina (PE), Juazeiro (BA) e Floriano (PI).

Conscientização – Para ganhar o mundo, os traficantes embarcam, normalmente, nos aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo rumo à Europa, Ásia e Estados Unidos. Sabendo disso, o Ibama lançou um plano de combate ao tráfico, em 15 de março, que reunirá a PF, a Interpol, os Correios, o Ministério Público Federal e ONGs ecológicas. Mas o coordenador da Renctas, Dener Giovanini, acha que o governo está longe de resolver o problema e alerta para uma questão pouco divulgada: “Quem compra ilegalmente não sabe que doenças está levando para casa junto com o bicho. O resultado é a difusão das moléstias no mundo.”

A fiscalização governamental é insuficiente, mas muitas espécies brasileiras sobrevivem pela ação de centenas de ONGs. É o caso do papagaio-de-cara-roxa, cuja preservação dos últimos exemplares conta com a colaboração da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), entidade que tem sede em Curitiba e desenvolve o Projeto Papagaio. Em Paranaguá e nas ilhas Rasa e das Peças, no litoral paranaense, a SPVS monitora os filhotes para controlar a população. “A idéia é saber tudo sobre ele para refinar a estratégia de conservação”, diz Tiaraju Fialho, biólogo da SPVS. “Encaminhamos denúncias ao Ibama, mas a melhor saída é conscientizar as pessoas”, diz. Sem saber os males que causam mantendo animais silvestres em cativeiro, muitos moradores de Paranaguá possuem papagaios-de-cara-roxa em casa. A cabeleireira Hilda da Rosa cria “Mateus” há cinco anos e diz que “não lembra” como a ave chegou às suas mãos: “Acho que meu marido ganhou de presente de alguém”, diz. Ela teme que o animal seja apreendido. Giovanini, da Renctas, acredita que é hábito do brasileiro criar animais silvestres em casa. “As pessoas são desinformadas e acham normal ter um papagaio, por exemplo”, diz.

“Vamos trabalhar com as comunidades que coletam os animais, através de campanhas e programas de geração de renda”, prometeu o presidente do Ibama, Hamilton Casara. Enquanto isso, ONGs assumem essas tarefas, promovendo campanhas de educação ambiental. No Pantanal, o Projeto Arara-azul colaborou decisivamente para diminuir o tráfico. “A captura em grande escala acabou. Fizemos a população entender que deixar a arara-azul no seu canto é melhor para todo mundo. Ela embeleza a região e atrai turistas”, diz a bióloga Neiva Guedes, criadora do projeto. A meta da SPVS no Paraná é atingir o mesmo objetivo, ministrando cursos nas escolas municipais. Crianças de primeira à quarta séries estão aprendendo que capturar o papagaio-de-cara-roxa na mata não é bonito. “Os alunos até falam de parentes e conhecidos que têm papagaios. Elas achavam que é um animal doméstico”, conta a professora Fabíola Soares, da Escola Gabriel de Lara.

Pobreza – Toda conscientização
é bem-vinda. Mas para o diretor
da ONG carioca Instituto Ecológico Aqualung, Marcelo Szpilman,
o tráfico é alimentado não só pela ignorância, mas, principalmente, pela pobreza. “Não se pode exigir que o cidadão miserável entenda o mal que comete vendendo estes bichos.
Ele vai argumentar, com razão, que tem um filho com fome”, diz. “Só se conseguirá bons resultados oferecendo perspectivas de vida melhor para a população”, completa.