Para citar uma recente campanha publicitária, ser protagonista não é nada. Ser bom ator é tudo. Uma cena roubada aqui, um capítulo inteiro ali, e os personagens Amapola e Venâncio passaram de coadjuvantes a uma das melhores razões para assistir à novela global das oito Porto dos Milagres. A perua desvairada – que age sob o sol da Bahia como se estivesse no ar condicionado de algum shopping de Miami – e seu afetado e devoto mordomo não faziam parte do núcleo principal nem apareceriam todos os dias. Venâncio não figurava sequer na sinopse original. Mas Zezé Polessa e Tadeu Melo aproveitam tão bem o texto que alfineta certa camada deslumbrada da população brasileira que o público não só aprovou como foi contemplado com a criação de uma das duplas de personagens mais divertidas da história da novela brasileira. O aval não vem apenas dos telespectadores. Ricardo Linhares, co-autor de Porto dos Milagres ao lado de Aguinaldo Silva, é taxativo. “As pessoas torcem para ter cena em que os dois apareçam”, atesta ele.

Trabalhando juntos pela primeira vez, o encontro não poderia ter sido melhor. Nova-rica, Amapola sonha acordada com a simples possibilidade de poder brilhar com seus brocados em qualquer festa provinciana. Até para um encontro secretíssimo com a pérfida Adma (Cássia Kiss), ela imagina e executa uma produção digna dos filmes de Hitchcock. Veste-se de preto, chapéu e véu incluídos, e sai cantando pneus no seu conversível, cozinhando no calor nordestino. Sempre prestativo e embevecido com as performances da patroa, Venâncio a chama de deusa e a cobre de elogios na mesma proporção do número das calorias das guloseimas engordativas oferecidas por ele. Os dois atores demonstram uma sintonia tão fina, que há anos parecem atuar juntos. Mas eles vêm de caminhos distintos, embora com pontos comuns, como o início no teatro, de onde não saíram até hoje. Ela está em cartaz em São Paulo com Os monólogos da vagina e ele integra o elenco de Lisbela e o prisioneiro, com estréia prevista para maio no Teatro Hilton, também na capital paulista, após meses de casa cheia no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, fazem o público se entortar de rir.

A dupla parece mesmo que nasceu para o ofício, apesar de nem sempre ter tido a certeza da opção. Melo, por exemplo, queria estudar psicologia. O interesse pelo teatro, porém, logo se manifestou na adolescência. Adorava ver as pessoas à sua volta, enquanto contava histórias na escola, em Fortaleza, sua terra natal. Em 1986, aos 20 anos, partiu sozinho para o Rio de Janeiro. Na opinião dele queria estar onde tudo acontecia. E, claro, terminou no Tablado de Maria Clara Machado, a escola-teatro que se tornou passagem e referência para qualquer ator ou atriz fora da idade de ter frequentado os palcos do TBC ou do Oficina, dois importantes pólos teatrais das décadas de 50 e 60, situados em São Paulo.

Para custear suas aulas, Melo fazia pequenos bonecos de epóxi e bolas de gude. Depois foram muitas peças infantis e produções amadoras com as quais se divertia muito, mas ganhava pouco. “Quando fiz 30 anos, passei por uma crise. Sentia o tempo passando e as coisas não aconteciam”, lembra. Seguiu tentando e, em pouco tempo, estava no elenco da comédia Deus, de Woody Allen, com Murilo Benício à frente. Na sequência, participou de novelas e de vários comerciais. Os trabalhos o apresentaram ao grande público, ao qual ainda não está acostumado.

Zezé Polessa já convive com a fama há mais tempo, desde que decidiu trocar a carreira de médica especializada em infectologia pela de atriz. À época da sua opção, começou a frequentar o templo esotérico que visita semanalmente e onde se iniciou em religiões indianas, meditação e baralho cigano. “Não tem um caráter religioso. Fazemos energização por pessoas que nos pedem”, explica. A busca espiritual veio acompanhada de uma mudança no visual. Aos 47 anos, Zezé está mais bonita do que nunca e com uma forma invejável, sem recorrer a nenhuma plástica. “Eu era muito largada quando jovem. Usava umas roupas enormes, tinha filho pequeno, não tinha tempo de me cuidar”, lembra-se, falando de João, hoje com 19 anos, do casamento com o ator Daniel Dantas. “E era viciada em ginástica, passava horas da semana naquela esteira. Parecia um hamster”, brinca. Em São Paulo, trocou as noitadas por relaxantes banhos de ofurô e por visitas a parques e museus.

Num ano no qual dedica-se totalmente à comédia, Zezé faz rir até quando é para ser azeda como no trailer do esperado Bufo & Spallanzani, previsto para estrear em junho. No filme de Flávio Tambelini, ela é Zilda, mulher chatíssima do protagonista vivido por José Mayer. Mesmo assim, basta a atriz aparecer na tela, arregalar os olhos e soltar uma frase venenosa que a platéia vem abaixo. Para ela, no entanto, não basta contar piada. É preciso haver uma história por trás da personagem não necessariamente cômica. Zezé Polessa e Tadeu Melo sabem. Ser um bom ator é tudo.