O médico Paulo Olmos fala dos acertos e das dificuldades nos tratamentos para ter filhos e critica os exageros da fertilização em laboratório

Nos últimos cinco anos, duplicou o número de casais com problemas de infertilidade que batem à porta das clínicas de medicina reprodutiva para tornar realidade o sonho de gerar um filho. A estimativa da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida é de que, até o final deste ano, cinco mil mulheres tenham se submetido aos tratamentos de infertilidade em consultórios particulares e em hospitais públicos. Cerca de 60% têm chances de concluir a maratona, que pode durar meses ou anos, com um bebê no colo.
Muitos casais, entretanto, interrompem o tratamento quando as primeiras tentativas não dão certo, sem fôlego para repetir a dose. Na opinião do especialista Paulo Olmos, chefe do setor de Reprodução Humana do Hospital Brigadeiro, em São Paulo, as chances de abandono do tratamento e de sucesso estão estreitamente relacionadas com a escolha do método, que varia de acordo com o diagnóstico. Há situações, por exemplo, em que bastaria “afinar a orquestra” hormonal da mulher. Às voltas com a edição final de um livro destinado a dividir seus conhecimentos com médicos de outras especialidades e pacientes (com lançamento previsto para o final deste ano pela Cultura Editores Associados), Olmos promete esclarecer mitos e verdades da reprodução humana. Nesta entrevista a ISTOÉ, ele defende que muitos casos de esterilidade poderiam ser resolvidos com métodos mais simples, sem a necessidade de recorrer à tecnologia aplicada na fertilização in vitro, uma técnica que une o óvulo e o espermatozóide no laboratório para depois transferir o embrião resultante desse encontro para o útero. “Não se pode vender ilusões. Os pacientes devem ser esclarecidos sobre as suas chances reais e poupados de técnicas mais agressivas quando houver outras soluções eficazes”, diz.

ISTOÉ – Quando se fala em reprodução humana, pensa-se em bebê de proveta. Por que esse método se difundiu?
Paulo Olmos

O desenvolvimento da fertilização in vitro, técnica que gera os chamados bebês de proveta, foi um grande avanço. É excelente, mas hoje existe uso exagerado desse método. Ele pode não ser a primeira opção. Só deve ser recomendado depois de um bom diagnóstico para que seja possível aproveitar suas chances reais de sucesso. Além da popularização deste tratamento, existe uma parcela de responsabilidade da imprensa. Alguns pacientes chegam com a impressão de que vão sair do consultório com um bebê no colo. O médico não deve atender o paciente como alguém num pronto-socorro. Se ele vender a idéia de que em pouco tempo o tratamento dará certo, o casal cria uma expectativa muito grande. E a partir do momento que a fertilização in vitro não dá resultado, a chance de abandono do tratamento é enorme.

ISTOÉ – Quando se deve optar pela fertilização in vitro?
Paulo Olmos

Esse método tem indicação precisa para mulheres acima de 35 anos e com problemas de infertilidade há mais de cinco anos. Também é aconselhado nos casos em que as trompas estão comprometidas, sem chance de serem recuperadas. É recomendável em alguns casos de endometriose (alteração na camada que reveste o útero). Eu me sinto mais seguro em fazer a fertilização in vitro quando conheço as condições do organismo da mulher. Antes de construir um prédio, é preciso estudar a área para planejar os alicerces. Não se deve superdimensionar.

 

ISTOÉ – Há uma indicação excessiva da fertilização in vitro?
Paulo Olmos

Acho que sim. Trata-se de um método desgastante e de alta eficácia, mas durante um período breve. Na primeira tentativa, ela oferece 25% de chances de sucesso. Isso pode fascinar quem deseja solução rápida. No entanto, as pessoas tendem a se decepcionar diante do fracasso. Se há possibilidade de escolher um tratamento mais suave, como a inseminação (introdução do sêmen no útero com o auxílio de um catéter), o paciente tem mais probabilidade de ter filhos porque continua tentando por mais tempo. Quando é feito um diagnóstico adequado e um tratamento correto, há, inclusive, a possibilidade de o problema ser resolvido para sempre, e o casal não precisar mais voltar a uma clínica de esterelidade se quiser ter outros filhos.

ISTOÉ – Aumentaram as chances de um casal estéril gerar filhos com auxílio dos tratamentos?
Paulo Olmos

Sim. Hoje, de todos os casais que entram em clínicas, 60% conseguem ter filho. Mas essas chances de sucesso precisam ser muito bem explicadas ao paciente. Já são pequenas as possibilidades de um casal engravidar naturalmente. A média é de 17% a 18% de gravidez por ciclo fértil. É importante lembrar que só se considera a possibilidade de infertilidade depois de um ano de tentativas sem êxito.

ISTOÉ – A escolha de métodos mais simples facilita a permanência dos casais no tratamento?
Paulo Olmos

Acredito que sim. Quanto mais adequado para cada casal, maior poderá ser a adesão e, por essa razão, maiores serão as possibilidades de gravidez. Quanto maior for a expectativa do paciente, mais ele imagina que vai dar certo. Quando ele entra na clínica, o médico é um deus. E, depois que não deu certo, vira o diabo.
 

ISTOÉ – Por que as pessoas desistem dos tratamentos?
Paulo Olmos

Um trabalho americano mostrou que a dor psíquica de não engravidar é menor do que a dor de engravidar e perder o bebê. Muitas vezes, quando o casal sofre uma decepção, não quer continuar. O abandono é um problema muito sério. Muitas pessoas desistem porque os médicos não conseguem explicar os métodos ou dar o amparo psicológico necessário ao casal. Quando uma pessoa chega dizendo que só vai tentar uma vez porque tem pressa, está aí um candidato à desistência. O tempo de tratamento, com frequência maior do que o esperado, também desanima muita gente. Mas é importante persistir.
 

ISTOÉ – Os pacientes mudam de médico?
Paulo Olmos

Uma estratégia para tratamento da infertilidade não deve mudar. Ficar mudando de estratégia não aumenta as chances de reprodução. Se a mulher não está engravidando não posso mudar rapidamente o medicamento dela. Uma estratégia de tratamento boa e adequada deve ser mantida durante seis ou sete meses. É necessário aguardar um período para que o corpo reaja ao impacto dos tratamentos e recupere a fertilidade.

ISTOÉ – E quando as pessoas se cansam de esperar e querem um método mais rápido?
Paulo Olmos

Se eu preciso de 100 pilares para sustentar uma construção, não é necessário construir 200. Utilizar tratamentos mais sofisticados tecnologicamente não aumenta as chances de engravidar. Vamos supor que uma mulher não ovule. Valeria a pena submetê-la à fertilização in vitro? Ela teria cerca de 25% de chances de engravidar num primeiro mês. Mas num prazo mais longo, esse método não tem uma eficácia tão alta. De 100 casais, 25% têm sucesso. Os outros 75% não conseguem na primeira vez. Se o problema for ovulatório, a mulher pode ainda ter um efeito residual dos medicamentos que estimulam a ovulação e engravidar. Mas isso deixa claro também que, se bastava acertar a ovulação, ela poderia ser poupada da fertilização in vitro, porque o custo emocional desses tratamentos é alto.

ISTOÉ – Quanto custa um bebê de proveta?
Paulo Olmos

Em média, cerca de R$ 10 mil por tentativa. Só em remédios, gasta-se aproximadamente R$ 3 mil. A inseminação artificial custa cerca de R$ 3 mil.

ISTOÉ – É comum ouvir casos de mulheres que fizeram algum tratamento para ter filhos, desistiram, adotaram uma criança e depois engravidaram.
Paulo Olmos

Outro mito é que essas mulheres que abandonaram os tratamentos para ter filhos engravidam depois de comprar um cachorro, por exemplo. Normalmente essas mulheres tinham problemas de ovulação, trataram e abandonaram o tratamento porque não conseguiram ter filhos nesse período. Mas houve modificações no seu organismo por causa dos medicamentos que tomaram para regular o eixo hormonal e a ovulação. É como uma orquestra tocando. Se uma parte dos músicos “atravessa” o ritmo, o melhor é parar e começar de novo. Aí todos os músicos acertam o compasso. Comparando ao corpo, se o eixo hormonal está desregulado, dá-se um breque nele e, quando volta a funcionar, está sincronizado. Pelo menos, por um determinado período. Existe um estudo feito em 1995 comparando pessoas que abandonaram o tratamento e adotaram filhos e outras que não adotaram. Nos dois casos, a taxa de gravidez foi semelhante.

ISTOÉ – Como os brasileiros se comportam durante o tratamento quando a causa da infertilidade é masculina?
Paulo Olmos

Em geral, os latino-americanos têm muita dificuldade de aceitar que a causa da infertilidade do casal é masculina. Numa avaliação de 250 pacientes no Hospital Brigadeiro, em São Paulo, onde o tratamento é gratuito, registramos 12% de encerramento do tratamento antes do seu início porque o homem não fez o espermograma (exame de avaliação quantitativa e qualitativa do sêmen). Os homens tendem a achar que a responsabilidade é das mulheres.

ISTOÉ – O casamento pode sair abalado de um tratamento sem sucesso?
Paulo Olmos

Difícil saber. Em geral, o casal em tratamento vive um período de maior aproximação e solidariedade. Mas há mais coisas entre um homem e uma mulher do que podemos supor. Tive alguns casos que terminaram com a separação do casal. Por exemplo, uma mulher que atendi em 1984 e depois voltou com outro marido, querendo se tratar novamente. Às vezes, parece que há algo subjacente ao problema da infertilidade, como um casamento fragilizado. Mexer na fertilidade mobiliza emoções complexas. Cada um tem as suas culpas, as suas relações de causa e efeito. Por exemplo, a mulher que fez um aborto no passado muitas vezes se sente responsável. É um tipo de purgatório.

ISTOÉ – Qual é a contribuição do aborto para os casos de infertilidade?
Paulo Olmos

Quanto mais baixo o nível socioeconômico da população, maior é o numero de complicações causadas pelo aborto. No Hospital Brigadeiro, verificamos muitos casos de infecções, por exemplo, que lesam estruturas do aparelho reprodutivo. Quanto mais mal feito o aborto, maiores as chances de complicações posteriores. O fato de ser bem feito também não exclui as chances de problemas, mas elas diminuem.
 

ISTOÉ – O Conselho Federal de Medicina permite a transferência de, no máximo, quatro embriões. Os médicos respeitam essa recomendação?
Paulo Olmos

Nos casos de inseminação artificial, se a mulher tiver mais de três folículos (estrutura presente no ovário que contém um óvulo) do mesmo tamanho, o especialista pode suspender o procedimento, porque há boas chances de haver uma gestação múltipla. Dependendo do organismo e da idade, isso pode aumentar as chances de nascimento prematuro do bebê, bem como de outras complicações. Mais comentado é o problema da transferência de embrião nos casos de fertilização in vitro. Há várias discussões sobre isso. Você pode tentar diminuir a dose de hormônios estimulantes do ovário para ter menos óvulos e, no final, menos embriões para implantar no útero ou congelar. Mas não se pode controlar com precisão as respostas do organismo humano. Se eu colocar quatro embriões numa mulher de 18 anos, pode ser que ela desenvolva os quatro. Mas se for introduzida a mesma quantidade de embriões numa paciente de 43 anos, pode ser que nenhum deles vingue. Acho que deveria haver uma tabela de acordo com a idade e uma comissão de ética para decidir sobre os casos mais delicados. Eu pediria a punição do médico que implanta quatro embriões numa mulher de 18 anos.

ISTOÉ – Casais homossexuais podem recorrer, no Brasil, à medicina reprodutiva para ter filhos?
Paulo Olmos

Não há restrições na legislação e a decisão de fazer ou não o tratamento é uma opção do especialista. Nos casos que envolvem a necessidade de barriga de aluguel, deve haver parentesco de até segundo grau com a pessoa que empresta o seu útero.

ISTOÉ – Pode-se escolher as características genéticas do bebê?
Paulo Olmos

O procedimento correto, nos casos em que o casal recorre à doação de óvulos ou de sêmen, é escolher doadores com características físicas semelhantes. Quanto ao sexo, não acho válido um casal sem problemas de fertilidade tentar um tratamento só para escolher se quer menino ou menina. Por outro lado, acho pertinente essa possibilidade nos casos em que se procura a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, como a hemofilia.

ISTOÉ – Quando o casal deve desistir dos tratamentos?
Paulo Olmos

No momento em que o médico fechar o prognóstico (parecer do médico sobre o desfecho do tratamento). Se o médico não fizer isso, é porque ainda existe uma chance, que pode ser de apenas 2%. Depois que o casal for informado, a decisão é dos dois. Não é admissível o especialista vender a idéia de um procedimento infalível.