Se há algo que parece imutável no cenário político brasileiro é a reputação do governador cearense Tasso Jereissati (PSDB). Desde seu primeiro mandato, iniciado em 1986, ele alardeia que conseguiu deflagrar o progresso social no Estado através do desenvolvimento industrial. Divulgou à exaustão informações segundo as quais os pobres foram os maiores contemplados com a onda desenvolvimentista – a mortalidade infantil teria caído 60%. Essa fama é o seu maior trunfo na disputa pela indicação dos tucanos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma olhada atenta nos indicadores socioeconômicos do Ceará, no entanto, revela que esse êxito não passa de uma obra de ficção. Um estudo feito pelo deputado estadual Eudoro Santana (PSB), ex-secretário de Agricultura de Tasso, mostra que em 12 anos da administração do tucano – incluindo a gestão de seu afilhado político, Ciro Gomes –, a situação do Estado piorou.

“A indústria cresceu menos e a agricultura decresceu”, afirma Santana. Nos índices sociais, o Estado está mal. Dados oficiais mostram que há uma forte concentração de renda, a expectativa de vida é a segunda pior do Nordeste e a mortalidade infantil decaiu menos que na Bahia e Pernambuco. Além disso, uma análise do Banco Mundial critica a política de industrialização de Tasso e informa que os resultados sociais se mostram inexpressivos.

As informações do estudo de Santana foram colhidas na Sudene, no Instituto de Planejamento do Ceará e no IBGE. Comparam os períodos de 1974 a 1986 (época em que os chamados coronéis mandavam no Estado) e de 1986 a 1998 (a “Era Tasso”). Em muitas áreas, a gestão do tucano apresenta desempenho inferior ao das antigas oligarquias. Sob o chicote dos “coronéis”, a taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto do setor industrial foi de 13,46%, enquanto nas gestões de Tasso e Ciro o crescimento foi de apenas 4,15%. No segmento agropecuário, o resultado foi ainda pior. O coronelato fez com que o PIB do setor subisse 1,47% e com os tucanos a agropecuária cearense registrou o índice de -6,32%. “Isso é um absurdo, já que a agricultura emprega 40% da mão-de-obra do Estado”, critica o deputado.

Concentração – Pelos parâmetros de desenvolvimento social, os resultados são muito diferentes do que o marketing de Tasso quer fazer acreditar. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Ceará é o quinto lugar entre os nove Estados do Nordeste. Pelo Índice Gini, o Estado tem a quarta maior concentração de renda da região. Além disso, o Ceará é o segundo pior em expectativa de vida entre os Estados nordestinos. Para completar, o governo cearense ficou em penúltimo lugar entre os que conseguiram reduzir a taxa de analfabetismo na região entre 1991 e 1997. “Infelizmente, sob nenhum ponto de vista o Ceará é o primeiro no Nordeste”, lamenta Santana. Ele afirma que “A mídia de Tasso criou uma imagem virtual do Estado.”

A política desenvolvimentista do governador tucano foi criticada também em um estudo do Banco Mundial (Bird), encomendado pelo próprio governo cearense e divulgado no ano passado. O documento, que tem o título Estudo Macroeconômico do Ceará, conclui que “as políticas de incentivo à indústria são moderadamente caras e têm introduzido algumas distorções no desenvolvimento econômico do Estado”. Os técnicos do Bird reconhecem que esse esforço tem feito com que o Estado cresça, mas “esse crescimento tem sido obtido, em alguns casos, por meio de investimentos ineficientes e insustentáveis”. O resultado é que, apesar de utilizar muito capital, essas políticas “têm limitado o emprego e os seus efeitos em termos de redução da pobreza”. A análise do Bird constata também que os gastos públicos com itens como educação básica, infra-estrutura e segurança equivalem a apenas um terço do orçamento do Estado e o restante é diluído em “atividades menores”. Entre as soluções para os problemas do Ceará, os técnicos da entidade sugerem que o governo negocie com outros Estados para dar fim aos programas de incentivos fiscais, justamente uma das locomotivas da administração de Tasso.

Mas, se os índices socioeconômicos são tão ruins, como Tasso mantém a fama de excelente governador, que o credencia até mesmo à sucessão presidencial? O sucesso de Tasso pode ser creditado em boa parte ao marketing. Além disso, usa a seu bel-prazer as estatísticas. Quando aliados do governador afirmam que o PIB do Ceará está crescendo e chegando perto dos índices de Pernambuco e da Bahia, evitam estrategicamente informar que, na verdade, o PIB dos dois Estados tem decaído sensivelmente. Outro fator favorável a Tasso é o grande desenvolvimento que a cidade de Fortaleza tem experimentado nos últimos anos. “Afinal de contas, 85% dos investimentos públicos foram feitos na área metropolitana”, afirma o economista cearense José de Freitas. “O que há é uma grande concentração de renda.” Como cartão-postal, a capital cumpre um papel importante. Mas, à medida que o visitante se embrenha no interior, descobre que o Estado continua marcado pela miséria. Procurado por ISTOÉ através da assessoria de Comunicação para comentar os estudos do deputado e do Bird, o governador cearense não deu retorno. Preferiu não explicar por que o Estado se mantém tão pobre e mal administrado como sempre foi, desde os coronéis. Ou talvez pior.