Estudantes do ensino médio de alguns colégios de elite em São Paulo já não ocupam mais o seu tempo livre somente com a televisão, a internet ou o videogame. Hoje, muitos passam suas tardes envolvidos com trabalhos voluntários para a comunidade em favelas da periferia ou sedes de entidades assistenciais. Influenciadas por uma onda politicamente correta, essas escolas oferecem opções de ação social para os alunos dispostos a trocar o treino de vôlei, por exemplo, por uma visita a asilos. Além de fortalecer conceitos de cidadania nos jovens, as escolas buscam tornar seus alunos mais responsáveis, capazes de ajudar a população menos favorecida e de se sensibilizarem com as dificuldades encontradas em bairros pobres e carentes. Radicalizando um pouco essa tendência, colégios paulistanos como o Bialik e o Santa Cruz tiveram a ousadia de transformar o serviço voluntário em disciplina obrigatória e instituíram a matéria Ética e Cidadania em seus currículos.

Desde 1998, os 60 alunos da primeira série do ensino médio do colégio Bialik passaram a atuar com três instituições de interesse social. A escola entende que a obrigatoriedade da disciplina é o primeiro passo para que o aluno conheça esse tipo de trabalho, segundo a orientadora pedagógica Joana Procópio de Carvalho. “Estamos plantando uma semente. Nosso aluno é induzido a vivenciar uma experiência como essa para que torne a fazê-la de maneira voluntária”, argumenta Joana. Nas tardes de quarta-feira, Natalia Rabinovich e Dina Vainzof, ambas com 15 anos, e Betty Cattan, 14, dirigem-se à favela Paraisópolis, no Morumbi (zona sul de São Paulo), onde trabalham em parceria com médicos do Hospital Albert Einstein. Neste semestre, elas irão coletar informações de casa em casa sobre higiene, vacinação e doenças mais frequentes. “Escolhi o trabalho na favela por ser uma realidade distante de mim”, conta Betty. No colégio Santa Cruz, os quase 250 alunos do segundo ano devem cumprir um “estágio participativo” de pelo menos 24 horas durante um semestre, desde 1999. Dezoito instituições recebem a contribuição dos estagiários. Os alunos têm a opção de fazer um trabalho de pesquisa, sem sair da escola. O sucesso da experiência, porém, é visível na própria escolha dos estudantes: mais de 90% preferem ir para a rua a ficar em frente do computador. Os jovens Eduardo Katayama e Roberto Zuccolo, 16 anos, e Sérgio Omati, 15, podem ser encontrados todas as tardes de sexta-feira numa oficina de trabalhos manuais e artísticos da Shalom Liga Israelita do Brasil, em Moema (zona sul). Ali, eles ajudam cerca de 60 deficientes mentais a ocupar o seu tempo pintando, confeccionando velas ou colocando giz de cera em pequenas caixas. Assim, contribuem para o fortalecimento da auto-estima dos deficientes. “Eu nunca havia feito trabalho voluntário e, talvez, jamais o fizesse se não fosse obrigatório no colégio”, reconhece Zuccolo.

Esse depoimento sincero ilustra exatamente o que os opositores ferrenhos da obrigatoriedade do trabalho solidário querem evitar. A importância do voluntariado está, entre outras coisas, justamente no fato de ser opcional, acredita Eduardo da Silva, diretor pedagógico do colégio paulistano Nossa Senhora das Graças. “É função da escola oferecer o maior número possível de atividades voltadas para o social. Assim como cabe ao aluno ajudar quem precisa por interesse próprio, não porque o professor mandou”, acrescenta Silva, um dos idealizadores dos mais de seis projetos oferecidos pela escola à comunidade. Eventos artísticos e científicos, aulas sobre higiene bucal e palestras sobre aids e outras doenças sexualmente transmissíveis são apenas parte do menu engajado proposto pela escola. “Com isso, incentivamos nossos alunos a ajudar a sociedade de forma prazerosa, escolhendo a atividade com a qual mais se identificam”, conclui o diretor.

Satisfação – Esse prazer sugerido por Silva parece ser o principal motivo pelo qual brilham os olhos da estudante Luciana Seleme, 17 anos, quando fala sobre o seu trabalho voluntário. Ela estuda na terceira série do ensino médio do colégio Lourenço Castanho, também de São Paulo, e já é professora. Há três anos, a instituição oferece um curso supletivo de ensino fundamental e médio para pessoas carentes. E quem ensina são os próprios alunos, sem receber salário ou se preocupar com a nota no boletim. “É emocionante ver as pessoas olhando nos nossos olhos e vibrando com a simples oportunidade de aprender”, comenta Luciana. O secretário de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação, Ruy Berger Filho, aprova a iniciativa de tornar Ética e Cidadania uma disciplina curricular, desde que as instituições de ensino ofereçam a infra-estrutura adequada para transportar o aluno até o local de trabalho e se responsabilizem por ele. “É óbvio que a intervenção social jamais deve ser imposta. Mas, se o aluno pode escolher qual instituição ajudar, o projeto é excelente”, avalia. Com o apoio oficial, a proposta agora ganha ainda mais força.
 


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