Os noticiários econômicos vêm enfatizando indicadores positivos: a produção industrial de junho foi “a maior da história” e o crescimento do PIB do 1º semestre, “o melhor desta década”. Mas a deterioração da imagem do governo é evidente e muitos brasileiros sentem sua vida piorar. Existe algum erro de percepção, mas por parte de quem?

Os indicadores positivos de produção e PIB não são má notícia, mas também não tão extraordinários quanto os superlativos podem sugerir. Se tivéssemos um crescimento sustentado, o último dado de produção industrial ter sido o melhor da história não seria notícia. Na verdade, o índice apenas superou ligeiramente o patamar anterior à retração resultante das repercussões da crise asiática de 1997, da crise russa de 1998 e da maxidesvalorização do ano passado e, se o crescimento do PIB foi relativamente alto, isso se deve ao fato de o primeiro semestre de 1999 ter sido tão ruim para a indústria.

Por outro lado, a queda dos salários médios reais, resultante da mesma crise, mal começou a dar sinais de que poderá se reverter. Naturalmente, como a produção já está em recuperação há algum tempo e os salários ainda não, os lucros encontram-se em ascensão; empresários e governo, embora ainda não estejam rindo à toa, têm razões para sorrir. Luiz Carlos Delben Leite, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), diz sentir-se confiante para investir. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, acredita no início de um novo ciclo de crescimento; o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que a economia pode crescer 5% ou mais em 2001. Mas não se pode culpar a maioria por acreditar que as manchetes otimistas não lhe dizem respeito, principalmente se o gritante aumento das tarifas públicas, dos medicamentos e dos combustíveis abafa qualquer sinal de recuperação dos ganhos salariais.

Marcando passo – O tal recorde de produção industrial é sintoma de como a economia tem marcado passo. Nos últimos 13 anos, o crescimento médio da produção industrial foi de apenas 0,3% ao ano, graças à mineração. Se falamos de produção manufatureira, a mais importante em termos de geração de emprego, ainda estamos aquém de 1987 ou de 1997.

Só que, em 13 anos, a produtividade dobrou, isto é, basta metade do número de trabalhadores para produzir a mesma coisa. Como o volume da produção ficou praticamente na mesma, o emprego industrial caiu pela metade quando a população urbana cresceu 35%. Resultado: caiu três vezes o número de empregos industriais por família urbana.
Outros setores cresceram, mas geraram empregos mais precários, mal remunerados e em número insuficiente, pois o total de pessoas procurando emprego cresce não só porque aumenta a população em idade ativa, como também porque a mudança das estruturas familiares, a piora do rendimento dos chefes de família e a deterioração das pensões e aposentadorias exigem cada vez mais que esposas, filhos em idade de estudar e idosos procurem emprego, sem encontrá-lo. O desemprego cresce mais brutalmente entre os jovens e empurra parte deles para a criminalidade, processo que se agrava não só com a alta do desemprego, como também com a sua permanência.
Dentro do ziguezague que tem sido a política econômica, estamos em meio a um “zague” ascendente que, se continuar, pode trazer algum alívio à maioria. A desvalorização aliviou a indústria brasileira sufocada pela concorrência das importações e deteve o crescimento do desemprego com menos inflação do que se esperava. Junto com a relativa calmaria internacional, isso convenceu o Banco Central a baixar um pouco seus juros e colocar mais dinheiro em circulação. O que é bom: mesmo que nos aguardem novas tempestades nos próximos meses, não adianta obrigar a economia a prender a respiração até lá – temos mais chance de sobreviver se oxigenarmos os pulmões antes do próximo mergulho. Isso se traduz em ampliar um pouco o crédito ao consumidor e vender um pouco mais bens duráveis – apesar de o presidente do Citibank no Brasil avisar que os juros ao consumidor não cairão enquanto as instituições estrangeiras que compraram bancos “quebrados” no Brasil não conseguirem torná-los lucrativos, o que ele acha que levará dois anos se tudo correr bem.

Frágil – Mas a embrionária recuperação é frágil. Para atrair aplicações financeiras do Exterior, manter uma taxa de câmbio artificialmente baixa, absorver créditos podres de bancos falidos, financiar privatizações e manter uma má estrutura de arrecadação e aplicação de recursos, a política econômica do governo gerou uma dívida não só enorme, como concentrada no curto prazo. Qualquer abalo na credibilidade do governo pode levar os credores a imediatamente desfazer-se das dívidas ou exigir juros muito mais altos, forçando o governo a novamente comprometer as metas de redução da dívida pública e abortar qualquer sinal de recuperação. Na hora do aperto, a âncora do Real é o bolso vazio do brasileiro.

Esse perigo não é de desprezar. O banco central dos EUA vem elevando taxas de juros para promover a famosa “aterrissagem suave” da economia americana, mas é cedo para dizer se vai ter sucesso: até agora o avião nem sequer começou a perder altura. Quando o aumento dos juros fizer efeito, talvez seja maior que o pretendido, causando uma freada violenta do consumo – uma recessão, em vez de simples desaceleração. Ora, se Washington espirra, os países cuja recuperação se baseia em exportações para os EUA – incluindo grande parte da Ásia e América Latina – pegam pneumonia dupla. Viria um novo abalo do comércio internacional e uma nova rodada de crises cambiais com suas costumeiras repercussões no Brasil.