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Apesar de fazer a cabeça de jovens brasileiros há pelo menos um ano e meio, o funk ostentação só virou pauta nacional no mês passado, mais exatamente no dia 7, quando MC Daleste, expoente do movimento, foi assassinado com dois tiros enquanto fazia um show em Campinas. Antes dele, cinco MCs, um DJ e um empresário também tiveram suas vidas tiradas. Nenhum dos casos foi esclarecido pela polícia.

O boato que corre é que Daleste teria “se envolvido com a mulher errada”. Um crime passional, portanto. Na visão dos caras da foto, porém, os disparos foram motivados por “inveja, recalque”.

“Tá patrão.”Esse é o nome de um dos maiores sucessos de MC Guimê (de camiseta regata na foto), que, aos 20 anos de idade, ganha cachês estimados em algumas centenas de milhares de reais por mês cantando sobre marcas de roupa, carros importados e mulheres. É o funk ostentação, estilo do qual ele, MC Lon (de camiseta branca) e MC Rodolfinho são os principais expoentes. Os artistas estampam uma das capas da edição de agosto da “Trip”, que discutirá o mais novo paradoxo brasileiro: a onda da valorização do compartilhamento e do consumo consciente de um lado e o deslumbramento com o acesso aos bens materiais, a posse e a acumulação do outro. As informações extraídas da reportagem principal e a foto, inéditas, são antecipadas aos leitores de IstoÉ com exclusividade pela coluna.

Muitos dos artistas do estilo nem sequer têm um álbum lançado. É no YouTube que as músicas são veiculadas, acompanhadas de clipes que invariavelmente seguem a mesma fórmula: bebidas, mulheres pouco vestidas, carros, motos e ouro, muito ouro. Dos dez vídeos mais assistidos por brasileiros no site, quatro são clipes de funk ostentação. “Plaquê de 100” (plaquê são bolos de dinheiro), hit de MC Guimê, contava 29 milhões de visualizações até o fechamento desta coluna; “Novinha vem que tem”, de MC Lon, batia a casa dos 25 milhões.

MC Guimê, Guilherme Dantas no RG, cresceu nas quebradas de Osasco, município paulista, sem a mãe, que abandonou a família cedo. Aos 15, já rimava. Frequentava os shows de MC Lon, que começou a chamá-lo para cantar. Depois, diz, ensinou ao amigo a arte da autopromoção: “Ele me ajudou a entrar no funk e eu ajudei ele a entrar na mídia”. Durante a entrevista, não desgrudou do iPhone 5 branco. Ele mesmo cuida de sua página no Facebook, seguida por mais de 500 mil fãs. Começou cantando sobre a vida que queria viver. Hoje, canta sobre a vida que vive. Seu patrimônio inclui duas casas, dois apartamentos, dois carros e uma moto. Em coisa de um ano, tatuou o corpo quase inteiro.

Para Lon, “dinheiro está aí para gastar. Vou guardar para quê? Vai que acontece o que rolou com o Daleste…”, justifica. Em um show no Love Story, inferninho paulistano, o MC subiu no palco e jogou R$ 10 mil para a galera. “Acredita que os engravatados ficaram ofendidos? Gritaram que não precisavam de esmola.”

E finaliza:“A gente quer ostentar cada vez mais. Queremos chegar onde os gringos do rap chegaram. Nóis canta ostentação porque pode. É como se fosse a celebração de uma vitória”.

Numa espécie de versão musical do programa de televisão “Mulheres ricas”, a molecada do funk ostentação, mesmo debaixo de ameaças e do medo de morrer, celebra o fato de ter conseguido acessar o que desde criança associava a sucesso, vitória e aceitação. De outro lado, outras correntes musicais conquistam periferias e asfalto com letras que denunciam o sofrimento e a indignação dos que vivem das sobras no Brasil. Nas ruas, a classe média em peso grita seu basta à gestão mentirosa, inoperante e corrompida que comanda o Brasil há décadas. Desigualdade.

Sons diferentes que emanam das ondas da pororoca moral brasileira.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente