CIÊNCIA Nos laboratórios, os cientistas criam os modelos de novas moléculas a serem testadas

Muita coisa mudou na área de medicamentos nos últimos anos. Hoje, médicos e pesquisadores da indústria farmacêutica sabem que oferecer remédios que só tratem sintomas ou que combatam a causa sem precisão deixaram de ser suficientes. Os pacientes necessitam de produtos que atuem diretamente sobre o alvo desejado, sejam fáceis de ser administrados e tenham efeito mais prolongado para que o número de doses possa se tornar cada vez menor, entre outras características. Dessa maneira, o consumidor recebe uma medicação mais eficaz especificamente contra a enfermidade que apresenta, sofre menos com os efeitos colaterais e, por causa disso, consegue seguir com mais propriedade as recomendações médicas em relação ao tratamento. Sua adesão aumenta significativamente, assim como suas chances de sucesso contra a doença.

Conscientes dessa necessidade, as companhias farmacêuticas pautam o desenvolvimento de seus produtos dentro desse novo modelo. Felizmente, elas contam com as informações resultantes do fantástico avanço experimentado pela ciência ao longo dos últimos anos no que diz respeito ao maior conhecimento do corpo humano. Sistemas importantes associados ao funcionamento do coração, da diabete, do cérebro e dos processos inflamatórios – só para citar alguns – foram decifrados recentemente, proporcionando à indústria uma farta matéria-prima com a qual trabalhar. Abastecidos por esses dados, fica mais fácil saber onde, como e quando atuar.

O resultado desse movimento é uma oferta cada vez maior de produtos que respondem às demandas dos pacientes. Um dos primeiros representantes destes novos modelos de medicações foram os chamados remédios combinados. São medicamentos que associam em uma única pílula dois ou mais princípios ativos. Um dos exemplos é o Caduet, da Pfizer. Além de ajudar no controle do colesterol – devido à ação do composto ativo atorvastina –, ele funciona como anti-hipertensivo. Aumentar o conforto do paciente também é um alvo cada vez mais perseguido. Para isso, buscam-se novas formas de apresentação, como a do Trimedal Tosse. Trata-se do primeiro no Brasil no formato de fitas finíssimas que dissolvem instantaneamente na boca. Segundo a Novartis, fabricante da novidade, cada filme contém a dose exata do medicamento, dispensando medidor. Além disso, pode ser ingerido a qualquer hora e em qualquer lugar e tem ação rápida – até 15 minutos depois da ingestão já se observa o alívio da tosse, de acordo com o laboratório.

Muito se tem pesquisado ainda para a criação de drogas que apresentem sistemas de liberação diferenciados, permitindo a ingestão de menos doses e o controle contínuo da doença. Uma das áreas em que essas características são mais desejadas é a da saúde mental. Em muitos casos, os pacientes não têm condições de tomar corretamente os remédios, o que pode atrapalhar no controle dos sintomas. Por isso, quanto mais durar o efeito da medicação, melhor. A novidade nesta área é o Invega, da Janssen- Cilag, indicado contra a esquizofrenia. O medicamento tem liberação prolongada, o que possibilita sua concentração constante em um período de 24 horas. Dessa forma, há mínimas variações de picos ou quedas nos níveis das substâncias ativas no sangue. “Além disso, ele não é metabolizado pelo fígado. É excretado praticamente inalterado pelos rins. Por isso, tem potencial reduzido para causar alguma interação medicamentosa”, afirma o psiquiatra Mário Louzã, coordenador do Projeto Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Nesse gênero, está em estudo o Spheramine, do laboratório Bayer Schering Pharma. Trata-se de uma terapia celular contra o mal de Parkinson. Ela consiste no implante de microcápsulas no cérebro por meio de neurocirurgia. Estas microcápsulas contêm células humanas multiplicadas em laboratório que, quando implantadas no cérebro, liberam gradativamente doses de dopamina na região afetada pela doença. No Parkinson, há uma produção deficiente de dopamina. A medicação promete fornecer uma fonte contínua da substância, aliviando os sintomas.

Nessa mesma linha de remédios cada vez mais eficazes e “inteligentes” estão surgindo opções que atuam somente quando é necessário. É o contrário daqueles que permanecem mais tempo no organismo, como no caso da esquizofrenia. Eles entram em ação no momento certo, quando realmente é preciso haver uma intervenção. Em doenças como a diabete, na qual picos ou quedas de glicose podem ser extremamente perigosos, este tipo de ação se encaixa perfeitamente. Recém-lançado no País, o Byetta, do laboratório Eli Lilly, age dessa maneira. A medicação funciona quando o paciente se alimenta e o açúcar no sangue se eleva. Mas, quando a taxa de glicose volta aos níveis normais, ela pára de atuar. Outro que também tem ação no tempo que se deseja é a vacina meningocócica conjugada grupo C, produzida pela Baxter e comercializada por aqui com o nome de Neisvac C. De acordo com o fabricante, a vacina apresenta uma alta resposta imunológica já na primeira dose. E, após a aplicação de duas doses, a resposta em produção de anticorpos é até quatro vezes maior do que em relação às outras vacinas.

Na verdade, o que se observa hoje é que as drogas têm agido cada vez mais precisamente sobre os alvos realmente importantes. A vantagem é que, dessa maneira, elas potencializam sua ação e poupam os tecidos sadios. Muitas destas drogas mais precisas podem ser vistas no tratamento do câncer, no qual o que se quer é matar apenas a célula doente. Entre as medicações do gênero recém-lançadas estão o Tykerb, da Glaxo Smith-Kline, para tumor de mama. E está para chegar o Tasigna, da Novartis, para leucemia mielóide crônica. Contra o tabagismo, a opção mais moderna é o Champix, da Pfizer, que atua especificamente no local onde a nicotina age no cérebro. Por causa disso, a medicação diminui a vontade de fumar e a crise de abstinência associada à cessação do tabagismo.

Para que remédios como esses sejam produzidos, há uma impressionante tecnologia por trás. Uma das mais utilizadas é a que recombina o DNA. A vacina Gardasil, da Merck Sharp & Dhome, contra o vírus HPV, causador do câncer de colo de útero, foi feita com o método. Com a engenharia genética, usou-se apenas uma proteína, da capa do vírus, que não contém o DNA do microorganismo, tornando a vacina segura. Outro exemplo feito a partir da técnica é o Enbrel, da Wyeth, indicado no tratamento de diversas doenças inflamatórias. “A biologia molecular permitiu a fusão de duas proteínas que atuam na regulação da ação pró-inflamatória do agente causador da artrite reumatóide e da psoríase”, explicou Robson Lima, gerente médico do laboratório. Forma de atuação parecida tem o Remicade, distribuído no Brasil pela Mantecorp. O remédio é um tipo de proteína que reconhece, conecta-se e bloqueia a ação do TNF, substância importante no processo inflamatório de doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide.

Como se vê, nos laboratórios há uma efervescência em busca das melhores soluções. Na Roche, uma das líderes mundiais na área de medicamentos biológicos, o ano de 2008 iniciou- se com 27 estudos em andamento e outros sete em planejamento só na divisão de pesquisa internacional. Todo o empenho leva também à produção de remédios mais personalizados. Eles ficarão cada vez mais acessíveis a partir dos conhecimentos resultantes da farmacogenética, área da ciência que estuda a variabilidade da resposta a drogas decorrente da varivariação genética. “Ela permite entender as diferenças entre as pessoas e os subtipos de doenças, o que pode ser importante para o sucesso do tratamento”, afirma Klaus Lindpaintner, diretor mundial de farmacogenética da Roche. Segundo ele, um dos exemplos de medicação do gênero é o Herceptin, contra o câncer de mama. “Descobriu-se que cerca de um terço desses tumores são malignos devido a uma modificação genética das células tumorais, que leva à fabricação excessiva do hormônio Her2”, diz o cientista. “Essas informações possibilitaram uma nova forma de tratamento: um anticorpo presente no Herceptin que elimina esse efeito do Her2”, explica.