Local das mais badaladas e luxuosas festas da corte brasiliense, a Mansão Elenita abriu suas portas em 23 de março de 1997 para uma dupla comemoração. Com direito a orquestra e a presença de grandes empresários do mundo da informática, o economista Sérgio de Otero Ribeiro festejou seus 54 anos e apresentou oficialmente à sociedade sua nova mulher, Rosane Rodrigues Batista. A própria Rosane cuidou de arrecadar fundos para bancar a festança: procurou empresários que tinham contratos com o Serpro, a principal empresa de processamento de dados do governo federal, e cobrou contribuições de R$ 20 mil alegando despesas de R$ 100 mil. O aniversariante Otero é presidente do Serpro desde 1994 e foi nomeado graças à influência do parceiro Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência da República. Como EJ, Otero sempre foi funcionário público e, a exemplo do padrinho, também melhorou muito de vida nos últimos anos. O ex-ministro Eduardo Jorge declarou ao Imposto de Renda que dobrou seu patrimônio líquido no ano passado. A evolução patrimonial de Otero, porém, não consta em seu nome nos registros do Fisco.

Sempre no ar – O presidente do Serpro é proprietário, por exemplo, de um Seneca bimotor de seis lugares, prefixo PT-EMT, avaliado em R$ 200 mil e recentemente reformado. O avião está em nome da RRB Serviços de Informática Ltda., empresa da mulher, Rosane, conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo federal, mas quem vive cortando os ares de Brasília a bordo da aeronave é o próprio Otero. Ao mesmo tempo que acompanham as agruras do amigo Eduardo Jorge, Sérgio Otero e Rosane estão contratando engenheiros e arquitetos para construir uma mansão, que terá inclusive elevador, numa área exclusiva e nobre de Brasília, próxima ao Iate Clube. O terreno vale R$ 600 mil, e também não está registrado no nome do casal, mas sim da Prolan Soluções Integradas, empresa que tem Rosane em sua filial brasiliense e milionários contratos com o Serpro. Ao contrário de Eduardo Jorge, acusado de praticar tráfico de influência nas sombras, Rosane sempre foi uma lobista escancarada. Chegou a ganhar no Serpro o apelido de primeira-dama por cobrar, inclusive de diretores da estatal, o atendimento de pleitos de seus clientes privados.

Além da desenvoltura da mulher, Sérgio Otero é acusado de aceitar vantagens de um dos maiores fornecedores do Serpro, a gigante da informática IBM. Ex-diretor de investimentos do fundo de pensões do Serpro e atual ouvidor-geral da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará, Paulo Roberto Braun revelou a ISTOÉ (leia entrevista à pág. 29) ter ouvido do próprio presidente do Serpro que a IBM estava bancando suas viagens a passeio no Exterior e ajudando seu filho Dalmo Ribeiro a montar uma sofisticada academia de ginástica em Brasília. Braun conta ainda que abortou uma negociata que estava sendo armada entre a turma de Otero e um empresário. Mais uma vez, Otero não quis falar a ISTOÉ.

Os procuradores da República já estão de olho na dupla Eduardo Jorge/Sérgio Otero em outro caso suspeito. Dez dias depois da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, a turma de Otero propôs e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, assinou a portaria 273 que, de maneira inusitada, tirou do Serpro e entregou à iniciativa privada os serviços de informática em quase toda a administração direta e indireta – e até no Congresso. Com a desculpa de cortar despesas e enxugar a máquina, o Serpro abriu mão, por exemplo, de negócios superiores a R$ 7 milhões com o Ministério da Agricultura e R$ 5 milhões com o da Saúde. O que chamou a atenção dos procuradores foi o contrato, sem licitação, assinado entre o Ministério da Justiça e a Montreal Informática, em janeiro de 1999.

Na cabeça – Pela bagatela de R$ 22,3 milhões por ano, a Montreal passou a cuidar do Registro Nacional de Veículos (Renavan) e do Registro Nacional de Carteiras de Habilitação (Renach). Para executar o trabalho, subcontratou a empresa TCPJ, formada pelos ex-funcionários do Serpro que antes faziam o mesmo serviço e, naquela época, deixaram a estatal na onda de um Programa de Demissão Voluntária (PDV). “Eles não registraram o sistema nem no Serpro. Guardaram tudo na cabeça”, estranhou o procurador da República Guilherme Schelb, em depoimento, na quinta-feira 10, à subcomissão do Senado que investiga a participação de Eduardo Jorge na maracutaia do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Quase dois mil funcionários do Serpro aderiram ao PDV e os procuradores querem saber quantos continuaram fazendo o mesmo trabalho só que por empresas privadas. Um levantamento feito pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Dados mostra que aconteceu uma situação muito semelhante na privatização da Dataprev, a empresa que presta serviços para a Previdência Social. Lá, quem na época dava as cartas eram diretores apadrinhados de Eduardo Jorge. Outra estatal que pode ser investigada pelo Ministério Público é a Datamec, empresa ligada à Caixa Econômica Federal.
A desconfiança do Ministério Público é de que casos como esse tenham se multiplicado na Esplanada dos Ministérios. Reforça essa suspeita de sociedade entre EJ e Otero o fato de o próprio ex-ministro ter ido em fevereiro deste ano ao Ministério da Justiça fazer lobby em favor da Montreal. “Eu suponho que ele tinha algum interesse, público ou privado, pela Montreal”, concluiu o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Antônio Augusto Anastasia, em depoimento ao Ministério Público.

Colaborou Leonel Rocha (DF)

O longo braço da montreal

A empresa Montreal Informática, cliente do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira, ganhou uma licitação feita pela Prefeitura de São José dos Campos (SP), do PSDB, para prestação de serviços de gerenciamento e emissão de multas de trânsito graças a favorecimentos. Segundo denúncias, isso foi possível com artifícios criados pela prefeitura para favorecê-la. Um dos documentos que justificavam a capacitação técnica da empresa está sob suspeita. A Montreal apresentou uma proposta de R$ 2,9 milhões para realizar o serviço, ou seja: R$ 69 mil ao mês. A prefeitura, no entanto, pagava pelo trabalho R$ 8,9 mil mensais para a empresa Data City. “A licitação foi totalmente dirigida. O processo foi conduzido do início ao fim para que vencesse quem eles queriam”, acusa a vereadora Amélia Naomi (PT), de São José dos Campos.
A Montreal começou a atuar na emissão de multas em São Paulo em 1998 e teria sido beneficiada também por outra prefeitura tucana: a de Taboão da Serra. Também há suspeitas de transferência de tecnologia de órgãos públicos para empresas privadas através de servidores especializados, a exemplo do que teria ocorrido com o Serpro presidida por Sérgio Otero, amigo e apadrinhado de EJ. Esses servidores teriam sido arregimentados pela Montreal. Para vencer a licitação em São José dos Campos, a Montreal apresentou um atestado de capacidade técnica e experiência com gerenciamento de software sobre legislação de trânsito fornecido pela Prefeitura de Taboão da Serra. Só que a Montreal firmou esse contrato de “cooperação técnica” com a administração de Taboão no dia 1º de setembro de 1998 – “em caráter experimental, precário e não oneroso” – e oito dias depois já era recomendada como uma empresa experiente na atividade. De acordo com Amélia, os serviços citados no atestado da Prefeitura de Taboão seriam feitos pela Prodesp – empresa de processamento de dados do governo paulista. O gerente de licitações da Data City, Paulo Eduardo Luquetti, disse que sua empresa foi considerada inabilitada de forma injusta. “Atendemos todas as exigências, mas ele alegaram que não tínhamos prova de capital social e de regularização fazendária.” As assessorias de comunicação das prefeituras de Taboão da Serra e São José dos Campos informaram que não foi constatada nenhuma irregularidade nos contratos de cooperação e na licitação, respectivamente.

Gilberto Nascimento

Favorecimento e mordomia

O advogado Paulo Roberto Medeiros Braun, ouvidor da OAB no Ceará, conhece como poucos as entranhas do Serpro, onde trabalhou 27 anos. Foi superintendente em quatro Estados. Mas foi como diretor de investimentos do Instituto Serpro de Seguridade Social (Serpros), onde ficou um ano, que afirma ter testemunhado tráfico de influência praticado pelo presidente do Serpro, Sérgio Otero, e por José Luiz Pingarilho Neto, diretor-superintendente do Serpros. Braun diz que Pingarilho, com a conivência de Otero, tentou favorecer o grupo de um empresário. Ele conta ter ouvido do próprio Otero que suas despesas pessoais eram bancadas pela IBM, um dos maiores fornecedores do Serpro.

ISTOÉ – Existe tráfico de influência dentro do Serpro?
Paulo Braun
– Não tenho dúvida que sim. No Serpro e no fundo de pensão, envolvendo o presidente, Sérgio Otero, e o superintendente do Serpros, Luiz Pingarilho, influenciados por forças políticas externas.
ISTOÉ – Que forças políticas externas?
Braun
– Todo mundo sabe que Otero é o homem forte indicado por Eduardo Jorge. Otero se gabava em dizer que resolvia as coisas ouvindo o Eduardo Jorge. Todos continuam nos seus cargos até hoje. Menos eu.
ISTOÉ – Por que o sr. saiu?
Braun
– Porque não aguentava mais as perseguições. Quando fui diretor de investimentos do Serpros, o instituto resolveu investir em shoppings e recebemos propostas. O proprietário de um shopping pediu que o Serpros investisse US$ 25 milhões para sua expansão. Como em todos os casos, fizemos exame de viabilidade econômico-financeira e esse shopping ficou em último lugar. Passei um fax para o proprietário comunicando que a proposta não tinha sido aceita. Alguns dias depois (15 de janeiro de 1996), ele telefonou para o meu gabinete no Rio me xingando. Disse que tinha conversado antes com o Pingarilho, que informara que tudo ia passar. Larguei o telefone, fui ao gabinete do Pingarilho e ele negou. Voltei ao telefone e disse ao empresário que Pingarilho afirmou que não lhe conhecia. Ele se irritou e disse: ‘É um filho da puta, acertou comigo na minha casa em Brasília.’ Respondi, então, que se tratava de uma denúncia grave e que abriria uma sindicância. Ela foi aberta, mas terminou em pizza.
ISTOÉ – O presidente do Serpro participou desse acerto?
Braun
– Como o superintendente é pau-mandado do Sérgio Otero, não tenho dúvida que tudo foi acertado entre eles. Fui até chamado ao gabinete do Otero em Brasília (18 de janeiro), que me pediu que retirasse o pedido de sindicância. Não aceitei.
ISTOÉ – Alguém presenciou isso?
Braun
– Os diretores Carlos Luiz (Moreira da Silva), de Administração, o Nabuco Barcelos, do Comercial e o Wolney (Mendes Martins), superintendente. Otero tentou me expulsar do gabinete. Disse que não sairia, que tinha 30 anos de casa enquanto ele era um indicado do Eduardo Jorge e ainda afirmei: ‘Você é um corrupto, está envolvido com a IBM.’ Algum tempo depois (4 de março), me exonerou do cargo. Voltei para o Serpro como um advogado sem causa e, depois, saí no PDV. Mas consegui abortar o negócio do shopping. Fiquei sabendo que ganhou o Crystal Plaza, de Curitiba.
ISTOÉ – Que envolvimento é esse de Otero com a IBM?
Braun
– Duas semanas antes do bate-boca, estive no gabinete dele em Brasília. Na minha frente, atendeu um telefonema de um tal Portugal, possivelmente José Henrique Portugal, atual diretor de negócios do Serpro. Otero disse: ‘Pô, a IBM vai patrocinar minha ida às Olimpíadas de Atlanta. Vou eu, minha esposa, os meninos.’ Disse ainda que a IBM estava ajudando na construção de uma academia de ginástica para o filho (Dalmo Ribeiro, que hoje tem quatro academias em Brasília). Ele também usava passagens para o Exterior dadas pela IBM.
ISTOÉ – Antes de falar com ISTOÉ, o sr. contou esses fatos para alguém?
Braun
– Muitos políticos sabem. O Ciro Gomes sabe por tabela. Contei tudo para a dona Marli, ex-sogra dele e mãe da Patrícia (Gomes). Também contei para o senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE). Ele me mandou ficar calado.