No seu livro de memórias Há males que vêm para bem, lançado em 1985, o ator inglês sir Alec Guinness – morto no sábado 5, aos 86 anos, de causa não revelada – traz à tona um dado curioso da sua alentada biografia. Certa noite, num restaurante de Los Angeles, em 1955, conheceu o mítico James Dean, ocasião em que este lhe apresentou com orgulho seu fabuloso Porsche prateado a quem chamava de “minha garota”. Num de seus repentes premonitórios, Guinness viu o jovem ator morto e lhe pediu que esquecesse o carro. James Dean não deu ouvidos. Exatamente uma semana depois, Dean morreria estraçalhado entre as ferragens do Porsche. Por este caso de coincidência assombrosa, Alec Guinness autodenominava-se um místico que, desiludido com a igreja anglicana, sucessivamente tentou o marxismo, o hinduísmo, até, finalmente, aquietar-se nos dogmas do catolicismo. Tímido e inseguro, em geral considerava os atores “sacos de maneirismos e vaidades, uma colcha de retalhos que dificilmente chega a formar um homem completo”.

Apesar do sobrenome pomposo, Guinness – que desde 1938 foi casado com Merula Salaman e era pai do também ator Matthew – não tinha nada a ver com a deliciosa cerveja irlandesa ou com o famoso livro dos recordes. Bastardo, veio pobre ao mundo e jamais concretizou o sonho de conhecer seu pai biológico. Em compensação, nasceu para brilhar nas telas e nos palcos. Em um de seus mais de 40 filmes, As oito vítimas (1949), interpretou todos os personagens do título, morrendo oito vezes em 106 minutos. Sua fama e prestígio aconteceram depois de criar uma galeria impagável como o inesquecível coronel Nicholson, de A ponte do rio Kwai (1957), filme que lhe rendeu o Oscar de melhor ator e o de melhor diretor para David Lean. Com o mesmo cineasta viria a filmar, entre outros, Lawrence da Arábia (1962), Dr. Jivago e Passagem para a Índia (1984). As novas gerações, contudo, o conheceram na pele do sábio Jedi, Obi Wan-Kenobi, de Guerra nas estrelas, de 1977, episódio no qual trabalhou sem cobrar cachê para o diretor George Lucas, em troca de 2,5% dos lucros. À época, foi considerado um mau negócio, mas o tempo constatou a sagacidade do ator. A trilogia inicial de Guerra nas estrelas da qual ele participou rendeu US$ 1,5 bilhão. Mais tarde, cansado da tietagem dos fãs da série, cuja correspondência jogava fora sem abrir, sugeriu ao diretor que matasse o personagem. Nada mais adequado para quem mantinha o status de ator de estirpe, comparável à do também grandioso Laurence Olivier. Para se ter uma idéia da sua versatilidade, nos anos 60 o crítico inglês Kenneth Tynan afirmou: “Se Alec Guinness cometesse um crime e fosse procurado segundo a descrição das testemunhas, provocaria a maior onda de prisões equivocadas.” Pudera, ele era “o homem das mil caras”.