Embora tenha feito muitos inimigos ao longo de sua carreira, Pauline Kael é hoje reconhecida como alguém que revolucionou o conceito da crítica de cinema. Independente, iconoclasta e avessa a modismos, ela concilia paixão e clareza em seus textos, que sempre se lêem com prazer, por mais que se discorde deles. Durante um quarto de século escrevendo na revista The New Yorker, Pauline ajudou com suas idéias a formar mais de uma geração de cineastas, críticos e, principalmente, cinéfilos. O anúncio de sua aposentadoria, em 1991, provocou uma comoção nacional nos Estados Unidos. Criando Kane e outros ensaios (Record, 344 págs., R$ 35) é o livro que reúne seus textos mais longos, os que ultrapassavam os limites e as pretensões da crítica habitual. Logo no primeiro ensaio, Pauline Kael já mostra a que veio, demolindo Hiroshima meu amor, de Alain Resnais. Também merecem destaque o perfil de Cary Grant, que explica o que torna certos atores “tão eficientes em alguns papéis, e tão ridículos em outros”, e o ensaio Lixo, arte e cinema, que discute as funções da crítica.

O ensaio que dá título ao livro foi publicado em 1971, inicialmente como prefácio a uma edição do roteiro daquele que costuma ser apontado como o filme mais importante de todos os tempos – Cidadão Kane. Rendeu pano para manga. Contrária à pregação do chamado cinema de autor e ao endeusamento dos diretores, Pauline se dedica a exaltar a figura de Herman Mankiewicz, roteirista de Cidadão Kane, em detrimento de Orson Welles. Naturalmente, o vaidoso diretor não gostou nada, publicando uma longa e irada resposta no jornal The Times, de Londres. Mais do que pelo valor da tese da co-autoria de Kane, discutível, o texto é primoroso como crônica do mundo hollywoodiano nas décadas de 30 e 40.