Com certeza, a maioria das mulheres pensa que é praticamente impossível um único homem reunir todas as virtudes requisitadas pela vida. Pois a alegre e determinada Darlene Linhares, à sua maneira simples, soube muito bem esculpir as qualidades masculinas de que necessitava. Não num só homem, evidentemente, mas em três. No seu conto de fadas humilde de dar dó, e nada estéril, astutamente a moça percebeu que em vez de qualquer bate-boca ou chororô insuportáveis o bom senso era o melhor caminho. A história de Darlene, a personagem de Regina Casé no filme Eu tu eles – estréia nacional na sexta-feira 18 –, foi baseada em fato real. É uma idéia que ganhou corpo depois de o diretor Andrucha Waddington assistir e ler uma reportagem sobre uma mulher singular, figura típica da pobreza desesperançada do interior do Ceará, que, desafiando a ficção do livro e filme Dona Flor e seus dois maridos, durante anos viveu em plena harmonia, debaixo do mesmo teto, com seus três homens. Todos sabendo das intenções de cada um, mas aquiescentes diante dos caprichos femininos bem arquitetados.

Com dois prêmios internacionais de razoável importância, Eu tu eles foi saudado como o novo Central do Brasil, pelo ineditismo de sua história e pela força do elenco. Infelizmente está há anos-luz de tal comparação. Talvez até o próprio Walter Salles, diretor do premiadíssimo filme com Fernanda Montenegro no papel principal, concorde que vai demorar muito para surgir algum trabalho no cinema nacional que se equipare em beleza, intensidade e técnica a Central do Brasil. Mesmo assim, o segundo longa-metragem de Andrucha Waddington, um talentoso diretor da badalada Conspiração Filmes – conglomerado de diretores e produtores de cinema e tevê –, cativa pela sua simplicidade e boas interpretações. Darlene, por exemplo, elimina aquele estereótipo para lá de cansativo de Regina Casé por ela mesma, papel que não se furta em desempenhar. Eu tu eles a redimiu com o público e mostrou uma atriz em compreensão perfeita de seu personagem. Lima Duarte (como Osias Linhares) e Stênio Garcia (como Zezinho) quase nunca decepcionam. E Luiz Carlos Vasconcelos vestiu seu Ciro com a delicadeza e sensualidade necessárias, sem sombra de excessos. Vale ressaltar aqui a mão delicada de Waddington. Ele aprimorou situações numa ficção que tem todos os toques do drama nordestino, mas conserva o viés de comédia discreta. Num universo no qual os excluídos do conforto e da dignidade só têm a tristeza como horizonte, nada como uma sutil sacanagem para dar mais cor à existência.