No final da tarde da segunda-feira 3, o chefe da Procuradoria da República no Espírito Santo, Ronaldo de Meira Vasconcelos Albo, participava de uma reunião com a juíza Patrícia Neves e o promotor Gilberto Toscano na Vara da Juventude e da Infância de Vila Velha quando recebeu um telefonema estranhíssimo. Do outro lado da linha, o advogado Dório Antunes – sócio da irmã e ex-superassessora Solange Antunes e do ministro da Defesa, Élcio Álvares – tinha uma notícia urgente. “Estou falando do gabinete do ministro da Defesa e quero lhe informar que uma pessoa contou ao delegado Cláudio Guerra que foi contratada por R$ 60 mil para matar o delegado Vicente Badenes. Nós não gostamos do Badenes, mas, se ele morrer agora, o ministro está acabado.” Dório acrescentou que sabia quem era o pistoleiro contratado, mas se negou a revelar seu nome. Um bina, aparelho que identifica a origem das ligações, confirmou a procedência da chamada. Prêmio Nacional dos Direitos Humanos em 1996, o delegado Badenes é autor de organogramas que ligam o ministro da Defesa com o crime organizado no Espírito Santo. Apesar disso, Élcio nada comunicou a seu colega da Justiça, José Carlos Dias, que poderia tomar providências para proteger a vida do delegado ameaçado.

Essa omissão não é a única coisa estranha nessa história escabrosa. De acordo com a versão contada por Dório Antunes, sua fonte foi o ex-delegado Cláudio Guerra, seu cliente, amigo e compadre. Guerra tem uma quilométrica ficha criminal que registra acusações e condenações por formação de quadrilha, homicídios, roubos de armas do Exército e tráfico de drogas. Promotores e policiais capixabas avaliam que Dório, ao se negar a revelar os nomes do pistoleiro e de quem encomendou o assassinato, pouco ajuda a evitar o atentado, mas conseguiu um excelente álibi se o crime for efetivamente concretizado. Perplexo com tudo isso, o procurador Ronaldo Albo tratou de informar Badenes e o superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, delegado Armando Possas. Um grupo de policiais civis que espontaneamente dá proteção a Badenes resolveu reforçar sua segurança. Acuada pelas investigações promovidas pela CPI do Narcotráfico, a bandidagem capixaba está cada vez mais nervosa.

Bolo em FHC – Com a cabeça a prêmio no Palácio do Planalto, o ministro da Defesa também não está nada tranquilo. Na manhã do dia 31 de janeiro, sem nenhuma justificativa ao presidente Fernando Henrique Cardoso, Élcio não compareceu à festa de lançamento da chama do conhecimento brasileiro na Escola Naval, no Rio de Janeiro. Apesar de ter sido o autor do convite para o réveil-lon no Forte Copacabana, o ministro também não deu as caras na festa promovida pela Embratel e pela prefeitura do Rio. Preferiu permanecer recluso em Vitória, onde a madrugada foi bastante quente. Por volta de uma hora da manhã do dia 1º, um incêndio criminoso torrou dezenas de processos no Fórum da Vara Criminal da capital capixaba. Nas prateleiras do fórum estavam guardados vários processos sobre o crime organizado no Estado de Élcio. Um deles é a apuração do assassinato em julho do ano passado de João Luiz da Silva, indiciado pela Polícia Federal na Operação Marselha que desmantelou uma quadrilha chefiada por Cláudio Guerra que roubava carros no Rio de Janeiro e no Espírito Santo para trocá-los por cocaína na Bolívia. De defensor de João Luiz, Dório Antunes virou advogado do ex-tenente Paulo Jorge dos Santos, um pistoleiro e traficante acusado no inquérito policial de ter participado da chacina em que morreu João Luiz. Responsável pela apuração do caso, o delegado Aéliston Santos acusa o sócio de Élcio de coagir testemunhas para que não reconhecessem Paulo Jorge. A CPI do Narcotráfico indiciou o presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, deputado José Carlos Gratz (PFL), como mandante do assassinato de João Luiz. Os incendiários, porém, se deram mal. Como é comum sumirem ou serem queimados processos contra o crime organizado capixaba, o Ministério Público e a Polícia Federal haviam tomado suas precauções. Anteciparam-se à bandidagem e tiraram cópias da papelada, inclusive a que trata da morte de João Luiz.

Ameaças – Esse não foi o único revés de Gratz. Na mesma segunda-feira em que Dório Antunes telefonava para Ronaldo Albo a fim de falar sobre o contrato para o assassinato de Badenes, o procurador-geral da Justiça capixaba, José Adalberto Dassi, denunciou o presidente da Assembléia por corrupção ativa ao Tribunal de Justiça. De acordo com o processo, o deputado pagou propina ao delegado Aristides Ferreira Lima para liberar máquinas de videobingo do Bingo do Canto. Gratz tem um bom motivo para confiar que será absolvido pelo tribunal: cinco dos 22 desembargadores são citados no relatório “Poder Judiciário – Magistrados e Scuderie Le Cocq – Crime Organizado”, elaborado pela Procuradoria da República e base para investigações do Ministério da Justiça e da CPI do Narcotráfico. Na terça-feira 4, foi a vez de o prefeito de Cariacica, Cabo Dejair Camata (PFL), cair na rede da Justiça. O Tribunal de Contas do Espírito Santo condenou Camata pelo desvio de R$ 9 milhões e pediu ao governador José Ignácio para decretar intervenção em Cariacica. Camata, decidido, advertiu: “Ninguém me afasta dessa prefeitura sem motivo. Só saio daqui no caixão.” José Ignácio ainda não se manifestou. Gratz diz ter um dossiê contra o governador e ameaça usá-lo caso Ignácio fique contra seus aliados. Não será a primeira vez que o presidente da Assembléia usa sua influência para tirar o parceiro Camata de uma fria. Há um ano e meio, Cabo Camata conseguiu, com a ajuda de Gratz, Solange Antunes e de Élcio Álvares, se livrar de uma prisão em flagrante por porte de armas contrabandeadas e privativas das Forças Armadas. Quem lhe concedeu o habeas-corpus foi o desembargador Geraldo Correia Lima, ex-sócio de Élcio, que também teve seus sigilos bancário, fiscal e telefônico quebrados pela CPI do Narcotráfico.

Uma liminar concedida em dezembro pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Veloso, suspendeu devassa semelhante nas contas e nas ligações telefônicas dos irmãos Antunes, atuais sócios de Élcio num escritório de advocacia em Vitória. Quando voltar a funcionar em fevereiro, a CPI aprovará novamente a quebra dos sigilos de Solange e Dório.

Na mira – Mas a ex-superassessora do ministro da Defesa pode ter suas contas abertas antes mesmo disso. Na quinta-feira 6, o Ministério Público Federal abriu em Brasília um inquérito para apurar a acumulação ilegal de funções e salários na Prefeitura de Serra e no Ministério da Defesa por parte de Solange Antunes. A Procuradoria vai acionar a Polícia Federal e pedir à Justiça para promover uma devassa nas contas de Solange. Ela pode ser condenada por improbidade administrativa e ainda responder a um processo criminal por ter prestado declarações falsas à prefeitura e ao Ministério. Por ter pleno conhecimento da situação funcional de Solange e mesmo assim tê-la nomeado sua assessora especial, o ministro da Defesa também poderá ser investigado e processado pela Procuradoria da República.

A CPI e a PF estão investigando uma relação de juízes e desembargadores no Espírito Santo citados no relatório “Poder Judiciário – Magistrados e Scuderie Le Cocq – Crime Organizado”, elaborado pela Procuradoria-Geral da República. São eles:
 

  • Wellington da Costa City – presidente do Tribunal de Justiça
     
  • Geraldo Correia Lima – desembargador e ex-sócio de Élcio Álvares
     
  • José Eduardo Grandi Ribeiro – desembargador
     
  • Paulo Nicola Copolillo – desembargador
     
  • Osly da Silva Ferreira – desembargador
     
  • Miltro José Dalcamin – juiz
     
  • Luiz Edmundo Moraes Costa – juiz
     
  • Otto José Rodrigues – juiz
     
  • João Batista Fraga – juiz
     
  • Alinaldo Faria de Souza – juiz
     
  • Carlos Rios do Amaral – juiz