O suntuoso edifício do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, no Ibirapuera, bairro nobre da cidade, é cercado de grades e protegido por forte segurança. Para entrar, não basta se identificar. É preciso ter autorização de algum funcionário e responder a uma bateria de perguntas. Tanto zelo chega a dar a impressão de que dentro do prédio de gosto duvidoso há muita coisa escondida. Responsável pela fiscalização, controle e julgamento dos gastos municipais, o TCM está na mira dos vereadores de São Paulo. Em tempos de vacas magras na prefeitura, ele é dono de um valioso pedaço do orçamento – R$ 91,5 milhões em 2000 – e sustenta 850 funcionários, dos quais 656 estão na ativa e cinco são conselheiros. Os salários incluem os mais altos vencimentos do município. ISTOÉ teve acesso à folha de pagamento fornecida pelo próprio TCM à CPI da Câmara Municipal que investiga irregularidades no tribunal desde março. Os documentos revelam que o TCM faz uma verdadeira farra com o dinheiro público, distribuindo entre seus funcionários – muitos deles, fantasmas – gratificações salariais e aposentadorias forjadas que engordam os contracheques de quem está na ativa. Um dos demonstrativos, obtido por ISTOÉ, mostra a fartura: a ex-assistente técnica Maria Inês Rodrigues, exonerada do cargo em comissão em fevereiro, recebeu, no último mês de dezembro nada menos que R$ 39,9 mil, incluindo o décimo terceiro salário. Para se ter uma idéia do esbanjamento, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, recebe cerca de R$ 6 mil por mês. Dispendioso e de utilidade e eficiência discutíveis – apenas São Paulo e Rio de Janeiro mantêm tribunais de contas municipais –, o TCM corre o risco de ter que fechar as portas.

Apesar do nome, o tribunal não tem nenhuma relação com o Poder Judiciário. Isso não impede que os conselheiros e centenas de assessores sem concurso tenham status, salários e benefícios de juízes e procuradores. Impressionam as gratificações na folha de pagamento, que aumentam o salário em mais de dez vezes. Um dos inúmeros casos estranhos é o da chamada Gratificação Especial de Assessoramento, a GEA, que, por lei, deveria beneficiar exclusivamente os procuradores municipais. Mas o TCM, por meio de uma resolução aprovada pela Câmara em 1996, dominada por Paulo Maluf (PPB), instituiu a GEA como benefício. A ex-assistente técnica Maria Inês, por exemplo, tinha um salário-base de R$ 1,5 mil e recebeu, em outubro, mais R$ 9,7 mil, referente à GEA. Além disso, todos os funcionários são presenteados com uma “gratificação de gabinete”, teoricamente destinada aos que trabalham, como o próprio nome diz, nos gabinetes. No tribunal, ela foi estendida a todos os servidores, inclusive aos jardineiros e motoristas, cujas tarefas estão longe das salas fechadas.

O TCM é um centro de barganha política. Os principais cargos são preenchidos por indicações do Legislativo e da prefeitura. Entre seus conselheiros estão ex-vereadores, amigos e filiados a partidos, como o PMDB, ao qual pertence o atual presidente, Edson Simões. As indicações e cargos são um prato cheio para trocas de favores entre os Poderes. Tido historicamente como reduto malufista, o conselho foi rígido e minucioso o suficiente para reprovar as contas da gestão Luiza Erundina (1989-1992). O que não aconteceu com as contas de Paulo Maluf (1993-1996), alvos de denúncias de superfaturamento.

Pêlo em ovo – Um ex-funcionário disse a ISTOÉ que, durante a gestão Erundina, os técnicos eram orientados a “procurar pêlo em ovo”. Já nas contas de Maluf e Pitta, os conselheiros ignoravam os pareceres desfavoráveis. O vereador Gilson Barreto (PSDB), presidente da CPI do TCM, confirmou a informação: “Técnicos emitiram pareceres em 1996 recusando as contas do Maluf. Os conselheiros aprovaram tudo mesmo assim”, diz. O fato de o TCM-SP agir politicamente não é exatamente o que se quer esconder. Sabe-se que 92% dos recursos que recebe são gastos com pessoal. Vereadores já haviam pedido a folha de pagamento ao órgão duas vezes e não obtiveram resposta. O documento só chegou à Câmara depois de muita negociação. A papelada foi acompanhada de um ofício assinado por Edson Simões, que ameaçava processar Barreto caso o conteúdo fosse divulgado.

Lei de Gérson – Ameaçados de processo estão agora dois funcionários que mentiram na CPI. A secretária de administração Dinorá Xavier Vicentini declarou, na segunda-feira 26, receber “mais ou menos R$ 13 mil brutos”, mas a folha exibe um salário bruto de R$ 17,8 mil. Além disso, Dinorá também recebe como funcionária aposentada do próprio Tribunal, onde ainda trabalha. Somados salário e aposentadoria, ela tem um contracheque de R$ 29,1 mil. João Alberto Guedes, diretor-geral, também mentiu em depoimento. Declarou receber “R$ 9 ou R$ 10 mil” e a folha atesta um salário de R$ 12,4 mil. A diferença não assusta, mas é intrigante o fato de Dinorá ser subordinada a Guedes e receber um salário maior. “Tem gente ganhando mais que o chefe, há funcionários fantasmas e nepotismo. Há muito a ser explicado”, diz o vereador Vicente Cândido (PT), relator da CPI. A justificativa do TCM para o nepotismo remete à Lei de Gérson: “Conforme a imprensa registra, o nepotismo no Brasil existe desde a área federal até a municipal. Logo, o TCM não esteve incólume”, explica a assessoria de imprensa do órgão, por fax, a ISTOÉ.

Uma série de manobras judiciais engordou os rendimentos dos cargos em comissão e dos conselheiros. Em 1994, uma lei municipal acrescentou aos salários do TCM gratificações dos funcionários da Câmara. Resultado: o total orçado para o órgão passou de R$ 4,3 milhões (1994) para R$ 91,5 milhões (2000). Em março de 1998, o ex-presidente do TCM Walter Abrahão assinou uma portaria criando a “aposentadoria provisória”. Murilo Magalhães Castro e Álvaro Queiróz Franco, autônomos aposentados pelo INSS há mais de dez anos, foram admitidos como assessores do Tribunal e pediram transferência do tempo de serviço relativo à aposentadoria do INSS para o TCM, a fim de engordar seus proventos. O pedido foi negado. Mas, enquanto aguardava o “deslinde da questão junto ao INSS”, conforme foi publicado no Diário Oficial, o Tribunal passou a pagar dois salários a Murilo e Álvaro: a aposentadoria provisória pelo TCM, inventada por Abrahão, e os salários normais da ativa. A farra com o dinheiro público também envolve a creche que atende os filhos dos funcionários, onde há 41 servidores para cuidar de 65 crianças. Cada uma custa ao município R$ 2,2 mil por mês. Entre petistas e tucanos da Câmara, a idéia de acabar com o TCM é consenso. Mas não será fácil. Há três projetos de lei que pedem a extinção, mas nenhum deles foi votado ainda.