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Na década de 1980, um político eleito pelo voto popular recebia um salário equivalente ao de um engenheiro, dispunha de três ou quatro assessores e recebia uma pequena ajuda de custo para pagar as contas do gabinete. Pegar carona em aviões da FAB só mesmo em missões oficiais. Quem quisesse mais regalia deveria pagar do próprio bolso. Assim, um integrante do Congresso Nacional custava ao erário, incluídos aí seus vencimentos, 25 mil cruzeiros, o equivalente a 33 salários mínimos ou US$ 2 mil. Já não era pouco para a época. De lá para a cá, as mordomias só aumentaram. O resultado dessa escalada de privilégios é que hoje um parlamentar recebe, entre benefícios e salários, quase R$ 140 mil, o que corresponde a 203 salários mínimos ou US$ 62 mil.

As benesses desfrutadas atualmente pelos integrantes do Legislativo foram sendo ampliadas pelos próprios parlamentares a partir, principalmente, do fim da década de 1990, por meio da edição de centenas de atos das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado. Em 1997, os deputados aproveitaram a brecha na lei e oficializaram a figura do secretário parlamentar. Sem vínculo com o departamento de recursos humanos da Câmara, os deputados passaram a contratar até 25 pessoas para prestar serviços ao gabinete. Para fazer as nomeações, eles contam hoje com R$ 78 mil mensais para distribuir em salários. Em 2001, os parlamentares ganharam orçamento próprio para administrar – a chamada verba indenizatória. O benefício começou com uma caixinha de R$ 7 mil para pagar despesas de escritório, apesar de Câmara e Senado já fornecerem o básico de infraestrutura de trabalho. O valor foi crescendo e, quando estava em R$ 15 mil, o Congresso decidiu reunir, em 2009, todos os benefícios, no chamado “cotão”, que chega hoje a R$ 38 mil mensais. É a verdadeira Bolsa Parlamentar.

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O auxílio-moradia concedido hoje aos parlamentares também foi ficando mais generoso aos poucos. O ato de número 15 de abril de 1979, editado pela Mesa da Câmara, era taxativo: “O auxílio-moradia constitui complementação equivalente a diárias simples em hotéis classificados três-estrelas.” Considerando esse padrão, um contrato mensal num hotel três-estrelas hoje sairia, em média, por R$ 2 mil. Mas o auxílio-moradia pago hoje aos parlamentares é quase o dobro: R$ 3,8 mil.

O subsídio é concedido àqueles que não são agraciados com apartamentos funcionais. Esses imóveis, que eram simples e austeros há 30 anos, hoje são moradias de luxo, equipados com hidromassagem e mobiliados nas principais grifes de arquitetura da capital. A Câmara investiu R$ 600 mil em cada uma das 432 unidades de 240 metros quadrados. Manter cada apartamento custa à mesma Câmara R$ 2,2 mil mensais, incluindo lavanderia para higienização de cortinas e jardinagem da área externa.

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Fixar residência em Brasília era a necessidade de legisladores que, em tese, trabalhariam a maior parte do tempo na capital federal. Por isso, a antiga administração da Câmara não investia grandes recursos em passagens aéreas para os representantes públicos. Até a década de 1980, os deputados ganhavam apenas quatro passagens, ida e volta, de março a dezembro, no decorrer do ano legislativo. Durante o período de recesso, eram concedidas outras duas “pernas” com destino limitado à capital de origem do parlamentar a Brasília. E para evitar o que hoje ganhou o nome de “farra das passagens”, o bilhete só era reembolsado após a viagem do parlamentar. Atualmente, um deputado de Roraima, por exemplo, dispõe de R$ 23 mil para gastar com passagem. Um parlamentar de São Paulo, de R$ 12 mil.

 

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Não bastasse o acréscimo dos privilégios, os vencimentos também cresceram na mesma proporção. Com a prerrogativa de definir os próprios aumentos de salário, os parlamentares criaram índices econômicos próprios, à revelia da inflação oficial. Em 1986, por exemplo, o subsídio fixo de um deputado correspondia a 15 salários mínimos. Dez anos depois, o salário parlamentar era 26 vezes maior do que o piso pago ao trabalhador brasileiro. Mas foi uma ousada manobra, feita no ano de 2010, que ampliou ainda mais os rendimentos dos deputados e senadores. Os parlamentares se autoconcederam reajuste de mais de 60%, equiparando os vencimentos ao teto do Supremo Tribunal Federal (STF) à época, e passaram a custar ao erário 39 salários mínimos. Pressionado pela opinião pública, o Congresso foi obrigado recentemente a reduzir algumas regalias que causavam escândalo. No ano passado, os indignos 14º e 15º salários foram derrubados. Contudo, essas medidas consideradas “de austeridade” por suas excelências foram apenas uma maneira de ludibriar os eleitores. Assim que os dois subsídios acabaram, os parlamentares correram para aumentar os valores do auxílio-moradia e determinar que os ressarcimentos com despesa médica não terão limites de valores. Ficou tudo na mesma.


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