Santos, cidade litorânea de aproximadamente 420 mil habitantes, se orgulha de ser o município com melhor qualidade de vida no Estado de São Paulo. Nos últimos dois meses, porém, os santistas têm convivido com um vírus misterioso que já matou sete pessoas de forma dramática e rápida. Ninguém sabe quem, quando, onde e por que o vírus irá atacar. Sua última vítima foi o garoto Leonardo da Silva, 11 anos, morador do Campo Grande, um bairro de classe média. Na manhã do dia 1º de maio, ele participou de uma campanha de vacinação contra a febre amarela. No dia 4, reclamou de dores no braço e estava com 38,5 graus de febre. "O médico disse que era uma reação à vacina e receitou um antitérmico, mas não resolveu", lembra Creuza da Silva, mãe do menino. Dois dias depois, Leonardo fez exame de urina, raios X dos pulmões e exames de sangue. Todos eles deram negativo. No domingo 9, Leonardo ficou amarelo, começou a ter vômitos e diarréia. Foi levado à Santa Casa e morreu na manhã do dia seguinte, com hemorragia interna generalizada.

"Foi horrível", disse Creuza. "Ele sangrava por todos os lugares. Ficou com o corpo todinho roxo." Como a cidade tem sido vitimada por uma gigantesca epidemia de dengue pelo terceiro ano consecutivo, o caso de Leonardo despertou a atenção da Secretaria Municipal da Saúde. "Poderíamos estar diante da dengue hemorrágica, o que seria péssimo, pois a história registra casos com centenas de mortes. Felizmente, os exames acusaram que o menino não havia contraído dengue", explica o secretário de Saúde, Edmon Atik. A explicação, porém, não tranquiliza os santistas. É preciso descobrir por que o garoto morreu. "Estamos fazendo todos os estudos possíveis. Enviamos material para vários laboratórios, inclusive para o Centro de Controle de Doenças de Atlanta e para o Hospital do Exército de Washington, nos EUA, mas ainda não temos uma resposta", diz o secretário.

Dor e sangramento – Na quarta-feira 26, técnicos da prefeitura, da Secretaria da Saúde do Estado, do Ministério da Saúde, do Instituto Adolfo Lutz e do Hospital Emílio Ribas se reuniram para finalizar os entendimentos para a elaboração de um protocolo a fim de analisar casos como o de Leonardo. O garoto foi a terceira vítima conhecida do vírus assassino, apenas neste ano. Na manhã de 15 de abril, Aparecida Pereira, 33 anos, funcionária de duas creches, chegou à Santa Casa com mal-estar generalizado. Morreu cinco horas depois com hemorragia interna. "Ela gritava de dor e saía sangue para todo o lado. Ficou toda vermelha e inchada", lembra a mãe, Anair Pereira. "Uma enfermeira me disse que o sangue vinha por todos os orifícios do corpo, até por baixo das unhas."

O vírus misterioso atacou Aparecida de forma ainda mais fulminante do que o fez com o menino Leonardo. "Ela estava bem. No dia anterior fomos ao mercado. Ela trabalhou pela manhã e no final da tarde. Estava tudo normal", diz Anair. Por volta das 4 horas, Aparecida reclamou que sentia frio. Tomou um leite quente e foi se deitar, mas acabou vomitando. Teve diarréia e às 9 horas foi para a Santa Casa. Desmaiou ao entrar no elevador e foi para a UTI. "No começo falaram que poderia ter sido dengue hemorrágica, mas os exames deram negativo", afirma Anair. De fato, todos os exames de Aparecida, inclusive os que foram feitos após a necropsia, deram negativo, apesar de cerca de 30 crianças da creche onde a moça trabalhava terem tido dengue. Vários tecidos de Aparecida foram enviados para os Estados Unidos, mas até a semana passada nenhum resultado havia chegado.

No Brasil, as vítimas do vírus assassino fizeram exames para detectar dengue, leptospirose, meningite, febre amarela, hantavírus e até o ebola, todas infecções que apresentam quadro de hemorragia interna, mas os resultados foram negativos. No dia 1º de maio, a dona de casa Maria Estela Gaspar, de 53 anos, morreu de forma semelhante a Leonardo e Aparecida. Em comum, além de morarem em bairros de classe média, Leonardo, Aparecida e Maria Estela tinham tomado a vacina contra a febre amarela antes de morrer. "Os especialistas concluíram que isso não significa absolutamente nada", atesta o secretário Atik. O argumento apresentado pelos técnicos para convencer o secretário é bastante aceitável. Se fosse algum problema com a vacina, outros casos deveriam ter ocorrido. "A família toda tomou a vacina no mesmo dia e no mesmo lugar", diz Creuza, a mãe de Leonardo. "Apenas minha sobrinha, 14 anos, sentiu um pequeno enjôo, mas não precisou nem tomar remédio." Anair, a mãe de Aparecida, também tomou a vacina, mas num lugar diferente da filha. Mesmo assim, ela descarta a possibilidade de alguma reação. "A Aparecida tomou a vacina na creche, junto com as crianças e felizmente nenhuma delas teve nada de anormal", diz.

Caso antigo – O secretário Atik assegura que todos os esforços para identificar o vírus que vem aterrorizando os santistas estão sendo feitos, inclusive um "detalhado estudo" para levantar todos os passos dados pelas três vítimas. "Precisamos encontrar os pontos em comum nesses casos para iniciarmos algum estudo mais dirigido", afirma o diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Vasco Carvalho de Lima. Até a semana passada, as famílias de Leonardo, Aparecida e Maria Estela não haviam sido procuradas por nenhuma autoridade. A reclamação das três famílias é de que esses estudos já deveriam estar avançados. Afinal, o vírus misterioso é um antigo desafio para os santistas. No ano passado, pelo menos quatro pessoas foram vítimas dele, entre janeiro e março, e até hoje ninguém conseguiu encontrar as razões. "No ano passado, as pessoas comentaram alguma coisa, mas não chegaram a nenhuma conclusão e não se falou mais no assunto. Quem sabe se os estudos fossem mais sérios minha filha não estaria viva agora", lamenta dona Anair. A lamentação tem motivos justos. O caso da epidemia de dengue ilustra bem essa situação. Desde 1997, o número de santistas vítimas do Aedes aegypti é crescente. Todos os anos as campanhas são intensas, mas a cidade parece estar perdendo a briga para o mosquito. Nos meses mais frios a tendência é de diminuição do inseto. Como o número de casos despenca, as campanhas são praticamente esquecidas. No verão seguinte o mosquito volta ainda mais forte.

Técnicos da Secretaria da Saúde do Estado disseram a ISTOÉ que a solução para o mistério pode estar no próprio mosquito transmissor da dengue. Eles acreditam que as mortes ainda sem explicação possam ter sido causadas por alguma mutação do vírus da dengue ainda não identificada pelos exames. Na terça-feira 25, o professor Almério Gomes, entomologista da USP, colheu milhares de amostras do Aedes aegypti, transmissor da dengue, para estudá-las em maiores detalhes. "Queremos saber qual o sorotipo do vírus desses mosquitos. Mas só deveremos ter respostas no final de junho", diz o professor.