Raramente em sua história, a praça Nossa Senhora das Mercedes, no centro histórico da cidade de Porto Nacional, no Estado de Tocantins, esteve tão lotada como na calorenta noite do sábado 22. Em meio a uma escuridão quase total, cerca de 15 mil pessoas se espremeram entre árvores, muros ou sentaram no asfalto para assistir à projeção ao ar livre de No coração dos deuses, uma aventura juvenil dirigida pelo cineasta Geraldo Moraes, estrelada por Antonio Fagundes, orçada em R$ 2,3 milhões. Centenas daquelas pessoas atuaram no filme como figurantes, ao lado de 50 índios krahôs que também presenciaram à sessão. Apesar do dia inusitado na vida de Porto Nacional, o silêncio era absoluto e respeitoso, só quebrado por três vezes. A primeira, quando reconheceram na tela a fachada do maior orgulho da cidade, que, no momento, estava exatamente atrás deles – a da portentosa Igreja de Nossa Senhora das Mercedes, cuja construção iniciada pelos escravos só foi concluída no início do século. Depois, riram ao ver o ator Roberto Bonfim ameaçando um dos bandidos com uma arma inusitada, nada menos que a cobra Sofia, uma salamanta de dez anos, três quilos e 2,60 m de comprimento que recentemente gerou 32 espertos filhotinhos. Por fim, provocaram burburinho quando a atriz portuguesa Rosa Castro, que interpreta a corajosa índia Tauana, revelou sua plástica impecável numa cena de sexo.

De resto, aquelas pessoas que raramente vão ao cinema ficaram como que hipnotizadas, acompanhando a saga do grupo de aventureiros que por um truque do tempo se desloca dos dias de hoje para o século XVII, época em que bandeirantes cortavam o País à procura de ouro. Todos buscavam o tesouro dos Martírios, espécie de Eldorado brasileiro, cuja área repleta de pedras de formações pontiagudas e inscrições ancestrais só foi descoberta nos anos 70. Sob o pano de fundo histórico, No coração dos deuses – cuja estréia nacional está prevista para julho – acrescentou com humor um tom de fábula delirante de onde saltam figuras mitológicas como o curupira. A combinação agradou ao público.

Platéia das suas próprias atuações, os krahôs aprovaram a experiência inédita, mas naquele dia só pensavam em retornar à sua aldeia. Francisco Krahô não parava de resmungar. "O filme é bom, mas quero ir embora." Como são pouco aculturados, os krahôs não têm muita sociabilidade. Também não são ingênuos. Durante as filmagens eles mostraram que sabem fazer reivindicações. Certo dia ameaçaram não "brincar mais" – expressão usada por Geraldo Moares – caso ele não providenciasse um tal de pau podre. Quando soube que se tratava de maconha, o diretor se assustou. "Não mexo com isso, não posso conseguir nada." A desculpa não foi aceita e os índios não tiveram dúvida em apontar um dos técnicos do filme que poderia abastecê-los. As filmagens continuaram.