Os povos indígenas costumam passar de geração em geração histórias do heroísmo de seus ancestrais. São aventuras perdidas no tempo, relatos que inspiram e fazem os membros da tribo sentirem orgulho de suas origens. Mas para os índios makahs – uma pequena tribo de duas mil pessoas estabelecida há séculos num canto remoto do Estado de Washington, EUA – histórias, apenas, não estavam bastando. Eles resolveram restabelecer uma tradição milenar do seu povo, que estava extinta desde a década de 20. Os makahs voltaram a caçar baleias. Depois de uma longa batalha para conseguir a autorização de caça, uma dura disputa contra grupos de proteção de animais e, finalmente, o treinamento para capturar a criatura gigantesca, membros da tribo abateram uma grande baleia cinzenta, de nove metros de comprimento e 35 toneladas. O feito ocorreu há duas semanas e, desde então, a tribo está em festa. "A pesca da baleia cinzenta é uma coisa religiosa para nós, é como um encontro com os nossos ancestrais", disse a ISTOÉ por telefone o cacique Ben Johnson Jr., 60 anos, que carrega o nome anglo-saxão como herança da antiga política americana de "civilizar os selvagens". "A caçada vai unir de novo a nossa nação", acredita o cacique.

O retorno à velha tradição foi um processo lento e árduo. A baleia sempre esteve presente nas histórias, nas canções e no artesanato da tribo. A vontade de recuperar o costume ancestral ganhou corpo há quatro anos, quando os makahs exigiram do governo o cumprimento de um tratado assinado entre eles em 1855. Em troca da soberania nas terras indígenas, o governo americano garantiu que os makahs manteriam o direito de caçar baleias. Após o contato com o homem branco, os makahs foram quase dizimados por epidemias de varíola e sarampo. Em 1910, dos cerca de três mil índios da tribo, sobraram 360. As baleias cinzentas também ficaram escassas, devido à pesca industrial dos brancos, e os índios pararam de caçá-las, muito antes que sua pesca fosse proibida, nos anos 70.

 

Reaprendendo Em 1997, os makahs, com o apoio do governo federal, conseguiram junto à Comissão Internacional de Pesca à Baleia o que tanto desejavam: uma permissão para caçar 20 baleias cinzentas num período de cinco anos. Só então, eles se deram conta de um detalhe fundamental. Ninguém mais sabia pescar o cetáceo. Isso porque, ao contrário de muitas tribos brasileiras, os makahs não levam mais o estilo de vida de seus avós. As cabanas foram trocadas por trailers ou pequenas casas. A pesca, principal atividade econômica, está muito difícil e, hoje, quase todos os índios são funcionários públicos. O desemprego chega a 60%. É nesse sentido que a volta à caça às baleias pode trazer a motivação necessária para a superação das dificuldades, segundo o cacique Ben Johnson Jr.. "Os jovens estão se inspirando no exemplo de bravura dos nossos caçadores", diz ele.

O governo deu aos índios US$ 330 mil para conduzir o projeto. A tribo escolheu Wayne Johnson, um ex-produtor de redes de pesca artesanais, para comandar o grupo de caça. Profissionais variados, de professores a marceneiros, compuseram o resto da turma. Todos índios, é claro. Eles viajaram para o Alasca e o Canadá para aprender algumas técnicas com esquimós, que caçam baleias até hoje. De volta à reserva, fizeram uma canoa de 13 metros de comprimento, esculpida a partir de um tronco de cedro. Com oito remadores, fizeram incursões diárias de mais de 30 quilômetros nas águas frias do Oceano Pacífico. Foi tudo bem planejado. Por exigência da Comissão de Pesca à Baleia, o animal deveria ser morto de maneira rápida e indolor. Para isso, um veterinário da Universidade de Maryland, também especialista em balística, adaptou para a caçada um rifle "ponto 50", da Primeira Guerra Mundial, uma arma antitanque. Wayne Johnson ficaria responsável por atirar no cérebro da baleia depois da arpoagem.

Tudo pronto, só faltava contornar os defensores de as baleias, organizados em 350 ONGs, de 27 países, que se opuseram ferozmente à caçada apesar de as baleias cinzentas não correrem mais risco de extinção. A ONG americana Sea Shepard Conservation Society chegou a planejar o uso de um minissubmarino disfarçado de orca para afugentar as baleias cinzentas da região. Mas com a ajuda da guarda costeira, que manteve as dezenas de embarcações de protesto afastadas, os makahs saíram para a caçada. Depois de uma semana no mar, o grupo avistou sua presa às 6h55 da segunda-feira 17. "A baleia emergiu logo à frente da canoa, entregando-nos sua vida por livre vontade", disse Darrell Markishtum, um dos caçadores. O arpoeiro Theron Parker cravou o arpão de aço e, segundos depois, Wayne acertou dois tiros no mamífero. Ele então sacou seu celular e avisou a aldeia. Nem precisava. Todos estavam acompanhando a caçada através das imagens de tevê transmitidas ao vivo de um helicóptero.

 

Chiclete A tribo ficou em polvorosa. A baleia foi rebocada até a praia de Neah Bay, o principal vilarejo, e cortada. Ali, na areia, os índios pegavam pedaços de gordura. "Eu já estou mascando isso há quatro horas", disse, orgulhoso, Bruce González. A gordura fresca vira uma espécie de chiclete salgado, mas a carne é muito saborosa, podendo ser cozida, grelhada ou defumada. Festas e rituais tomaram conta da aldeia nos dias seguintes, sempre acompanhados de carne de baleia. Houve até um desfile pela rua principal do vilarejo com os caçadores marchando, a canoa sendo carregada e o cacique Ben Johnson Jr. a bordo de um Fusca preto, que ganhou recentemente num bingo. "Este dia vai entrar na história como um dos grandes dias dos makahs", declarou o cacique. Nessas últimas semanas, a tribo protagonizou uma aventura que, certamente, será contada e recontada várias vezes, para servir de inspiração para as futuras gerações e para eles próprios.