Quando um desconhecido bate à porta de uma família descendente de libaneses e se apresenta como um parente distante, é sempre bem-vindo, sentando-se à mesa com os anfitriões para saborear a boa culinária árabe. Contudo, a visita é ainda mais agradável se o desconhecido traz a tiracolo a notícia de uma herança a ser resgatada na terra natal. São essas surpresas que um libanês de profissão inusitada, o caça-fortunas George Toufic Mehanna, 32 anos, residente em Campinas, vem trazendo para seus parentes e outros descendentes de libaneses que imigraram para o Brasil desde o século passado. De passagem pelo País para visitar parentes em 1993, Mehanna soube por um primo da existência de uma herança do avô. Para resgatá-la, mobilizou os outros herdeiros espalhados pelo Brasil e pelo Líbano e começou a sentir na pele as dificuldades que enfrentaria para desfrutar de sua fortuna, 44 terrenos, no total de 150 mil metros quadrados. Os bens seriam divididos entre 33 herdeiros. Embora ainda não tenha conseguido tomar posse de seu quinhão dessa herança, Mehanna acumulou know-how que emprega hoje para ajudar outros herdeiros na mesma situação – e lhe rende entre 10% e 25% dos valores resgatados.

"Os descendentes perderam o contato com os familiares no Líbano", diz Mehanna, que já recuperou as fortunas de oito descendentes de libaneses no Brasil. "O empreendimento é trabalhoso, mas compensador", ele admite. A lei libanesa não permite que o governo se aproprie de patrimônios abandonados por emigrados ou por falta de pagamento de impostos. Portanto, desde 1936, o Líbano vem regularizando e registrando todos os imóveis e terras de cidadãos que deixaram o país, em nome de seus herdeiros, mesmo que estabelecidos em outros continentes. "O governo do Líbano insiste no direito às heranças, que permanecem intactas até que um dia alguém as reclame. Por esse motivo, 80% dos descendentes têm chances de ter bens", afirma Mehanna.

O sobrenome libanês é o ponto de partida para a caça à fortuna. Ele permite reconstituir a árvore genealógica do herdeiro, para verificação da possível existência de patrimônio. O nome da cidade de origem da família, certidões de nascimento ou de óbito dos pais e avós agilizam o rastreamento. Muitos casos são verdadeiros quebra-cabeças, dificultados por erros na grafia dos nomes, nos documentos de desembarque no Brasil há muitas décadas. Provar que nomes diversos referem-se às mesmas famílias é um desafio. "O herdeiro tem de provar que pertence à família em questão", explica o caça-fortunas. Isso aconteceu, por exemplo, com descendentes da família Abou Halca, cujo nome foi grafado como Abohalla, Aborrala e Abohala. O Registro Geral do Líbano reconhece os sobrenomes, desde que receba da Justiça brasileira uma ordem judicial. Em outros casos, a dificuldade é que as mulheres assumem os sobrenomes dos maridos, conforme a lei civil libanesa. Além disso, os descendentes de imigrantes substituíram o árabe pelo português, dificultando a comunicação entre os herdeiros e seus parentes no Líbano. Mehanna, que fala inglês, francês, português, espanhol e árabe, atua como intérprete nas negociações.

Mesmo depois de três pedidos de ajuda ao consulado do Líbano, Elza Antunes, libanesa que mora com o marido numa casarão no centro de São Paulo, não conseguiu saber se tinha herança. O caminho é árido. Procurações e certidões de nascimento e de óbito de familiares, traduzidas e juramentadas (a um custo médio de US$ 50 por documento), devem ser encaminhadas aos cartórios do Líbano, ao Consulado Geral do Líbano e ao Ministério das Relações Exteriores. O consulado cobra taxas altas para levantamento de possíveis heranças nos cinco Estados libaneses – Vale do Bekaa, Monte Líbano, Estado do Norte, Estado do Sul e Beirute – e o levantamento pode demorar até dois anos. Prestes a desistir, soube do trabalho de Mehanna e o contratou. Em dez dias, Elza descobriu que partilharia com dez primos um terreno de 240 metros quadrados em Beirute, avaliado em US$ 100 mil, que pertenceu a sua avó, Rosa Abou Halca.

Para vender ou comprar alguma coisa no Líbano é preciso que todos os herdeiros aprovem. E como é difícil reuni-los, Mehanna vai até eles, cruzando cidades e países para coletar assinaturas. Foi o que ele fez para as cunhadas Maria José Saliba Mohana, 67 anos, que vive em Marabá (PA) e Mayrma de Faria Mohana, 61, residente em São Paulo, viúvas de dois irmãos. De posse de seus documentos, Maria José, também de ascendência libanesa, achou que resolveria sua partilha e viajou para o Líbano em 1970. "Fui maltratada, porque não falava árabe", ela conta. Desanimadas, as cunhadas pediram ajuda a Mehanna e, em menos de 30 dias, souberam da boa nova: tinham um quinhão na partilha de 62 terrenos, um total de 12 mil metros quadrados na cidade de Forzol, deixados pelo sogro e avaliados em US$ 400 mil. A herança exigiu do caça-fortunas viagens ao Ceará, ao Pará, a São Paulo, ao Rio de Janeiro e aos Estados Unidos, onde residiam herdeiros. "Estou muito satisfeita", concede a lacônica Mayrma, que divide um apartamento com o irmão na dilapidada avenida São João, centro de São Paulo. "O dinheiro vai me ajudar a custear os estudos de minhas duas filhas", comemora Maria José. Além de heranças, Mehanna intermedeia negócios. Mohnsen Mourad, 40 anos, nascido na cidade libanesa de Balbek e morador de São Paulo, soube que parentes sem herdeiros haviam posto à venda um terreno na cidade de Ksuruan. Mourad interessou-se e comprou, com a ajuda de Mehanna. "Quando me aposentar, quero voltar para o Líbano", sonha.

Mehanna alerta os interessados em se lançar a investigações desse tipo: "Nunca assinem procurações antes de pedir o levantamento da herança." Segundo ele, há algumas décadas, muitos libaneses foram ludibriados por parentes que, de posse de suas assinaturas, venderam os bens e nunca mais voltaram. Instalado numa casa ampla e bem mobiliada num bairro nobre de Campinas, que serve também de escritório, Mehanna não pretende se mudar tão cedo nem de país nem de atividade. Sinal de que ainda restam muitas fortunas a serem encontradas.

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