Aids é uma doença que surpreende. Pelos seus números gigantescos e pela sua evolução. Uma doença que apareceu como sinônimo de morte praticamente se tornou um mal crônico com a ajuda do coquetel de remédios contra o HIV, o vírus da doença. É justamente por causa dessa trajetória que a Aids agora surpreende pelas histórias de vida que está produzindo entre mulheres infectadas. Amparadas pela eficácia do coquetel, cada vez mais mulheres contaminadas estão se tornando mãe. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o total de gestantes HIV positivas no Brasil dobrou nos últimos anos. Em 1997, elas somavam 0,6% das brasileiras infectadas. Em 1994, esse número era de 0,3%.

O aumento, sutil nas estatísticas, é constatado nos consultórios. "É notório o aumento de casais em que um dos parceiros é soropositivo que desejam ter filhos. Em 1997 cerca de 20 casais me procuraram com esse desejo e em 1998 foram mais de 30", calcula o infectologista Caio Rosenthal. Numa pesquisa realizada em setembro do ano passado pelo Centro de Referência e Tratamento de DST/Aids (CRT) de São Paulo em parceria com a Universidade de São Paulo com 150 mulheres portadoras de HIV, 30% revelaram o desejo de ser mãe. A pesquisa mostrou ainda que, entre as mulheres com filhos, 31% os tiveram após o diagnóstico positivo de HIV.

Essa realidade é uma consequência direta do aumento do número de mulheres contaminadas e da sobrevida assegurada pelos coquetéis. À primeira vista, no entanto, é impossível não questionar os riscos – para mãe e filho – de uma gestação como essa. A questão é delicada inclusive para os médicos. Boa parte desses profissionais é contra a gravidez de pacientes com Aids. "Respeito o desejo que as mulheres têm de ser mãe, mas acho que as soropositivas não devem ficar grávidas", pontua o infectologista David Uip. "Também sou contra a gravidez em soropositivas, mas sou a favor de que essas mulheres tenham filhos nas melhores condições possíveis", endossa Caio Rosenthal.

A posição dos médicos é compreensível. A transmissão vertical (de mãe para filho) do vírus HIV, gira em torno de 30% dos casos. Mas, se durante a gravidez forem tomados os devidos cuidados, a probabilidade de a mãe infectar o bebê pode desabar para 8%. O primeiro deles deve ser tomado antes mesmo da gestação. Se dois parceiros são soropositivos, eles não devem manter relações sexuais sem preservativos pois haverá troca de carga viral (quantidade de vírus por milímetro de sangue). "Para que a mulher engravide sem grandes riscos, a carga viral dela deve estar quase indetectável e o CD 4 ou linfócito T (célula de defesa do organismo) bem alto. Se o casal estiver nessas condições, deve transar sem camisinha durante o período fértil da mulher", explica Naila Santos, um dos diretores do CRT e uma das autoras da pesquisa que revelou o desejo de ser mãe entre mulheres contaminadas.

 

Controvérsia Mas até mesmo esse tipo de recomendação é polêmica. A infectologista Grace Suleiman, médica do ambulatório para gestantes do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, por exemplo, também é contra o fato de mulheres infectadas engravidarem e discorda, inclusive, de orientações como essa. "É loucura pedir para a mulher com Aids tirar a camisinha no período fértil. Nessa relação sem preservativo haverá troca de carga viral e se a mulher não engravidar eles voltarão a tentar. A cada tentativa um parceiro infectará mais o outro e ambos estarão aumentando a probabilidade de o bebê nascer HIV positivo", acredita.

Há outras medidas, porém, que ajudam a diminuir o risco de transmissão de mãe para filho. A utilização do AZT, um dos remédios que integram o coquetel anti-HIV, aparece em três momentos. A partir da 14ª semana de gestação, até a hora do parto, a mãe deve ser medicada com ele. Durante o parto é fundamental que ela receba AZT intravenoso. E, após o nascimento, a droga deve ser dada à criança até que ela complete seis semanas. Além disso, a mulher deve ir ao hospital antes que a placenta rompa, para evitar as contrações (a cada contração o coração bombeia mais sangue e também mais vírus para o bebê). O aleitamento também é uma poderosa fonte de transmissão e, por isso, não recomendado.

Esses cuidados, no entanto, não eliminam a terrível ansiedade que castiga mães, pais e médicos nos primeiros meses de vida do bebê. As crianças nascem com os anticorpos da mãe, tanto para o HIV quanto para outras doenças. Esses anticorpos só serão eliminados do organismo do bebê em até 18 meses. Se depois desse tempo o resultado do teste para HIV for positivo, significa que o bebê é portador do vírus.

Como se vê, a complexidade da questão assusta até mesmo as gestantes contaminadas. O que se percebe ao conversar com algumas é que as gestações são carregadas de indagações e, muitas vezes, sofrimento (leia depoimentos). Nessa questão polêmica, porém, essas mulheres já contam com o apoio de gente como o padre Júlio Lancelloti, ironicamente um dos responsáveis por uma casa destinada a abrigar crianças com HIV abandonadas. "Elas têm o direito de engravidar como qualquer outra mulher", defende.

* Os nomes são fictícios