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Uma revolução silenciosa acontece no futebol do Sul do Brasil. Ela se chama Coritiba Foot Ball Club. Surpreso com a liderança e a invencibilidade do Coritiba no Brasileirão? Pois não se surpreenda. O Coritiba é um dos grandes clubes brasileiros. Se não é reconhecido assim pelo resto do Brasil, é culpa de um certo complexo de vira-latas (nós, cronistas esportivos, adoramos citar Nelson Rodrigues) e em parte por preconceito do resto do país contra o futebol do Paraná.

O Coritiba sempre foi grande. Suas glórias vão muito além do solitário título brasileiro de 1985, conquistado diante de mais de 90.000 cariocas torcendo para o Bangu no Maracanã, na noite de 31 de julho daquele ano da graça coxa-branca. É o maior do Paraná indiscutivelmente, embora essa afirmação possa fazer meia Curitiba encomendar minha cabeça. Provavelmente, o Coritiba é o único time da capital que tem a simpatia de torcedores do interior paranaense — e isso foi forjado no comecinho dos anos 70, quando o presidente Evangelino Costa Neves formou um esquadrão para encarar o Brasil. O goleiro Jairo, o lateral Hermes, o zagueiro Pescuma, o capitão Hidalgo, o meia Negreiros, o ponta Aladim e principalmente a dupla de atacantes Paquito e Tião Abatiá, comandados pelo técnico Elba de Pádua Lima, o Tim, faziam o Paraná parar nas tardes de domingo para ver na televisão os jogos do Coritiba contra os grandes times brasileiros, direto do estádio Belfort Duarte (nome original do Major Antônio Couto Pereira até 1977).

Houve um jogo, pouco tempo depois que o Atlético Mineiro se tornou o primeiro (na época) campeão brasileiro, no Belfort Duarte, em que Tião Abatiá encarnou o espírito de Garrincha e provocou uma das maiores exibições de técnica da história do futebol. Ele aplicou uma impressionante sucessão de dribles nos zagueiros atleticanos, um vaivém rumo ao gol, todos contra um, tentando roubar a bola que se mantinha em seus pés, até que acabou ficando cercado, mas Abatiá ainda levou a bola à beira da grande área e, numa virada surpreendente, cruzou para Leocádio cabecear na cara do gol… mas a cabeçada saiu por cima. Um pecado. Este seguramente foi o lance mais antológico da história do futebol paranaense, repetido dezenas de vezes nos programas esportivos das TVs Iguaçu (Curitiba), Coroados (Londrina) e Tibagi (Apucarana).

Antes de Internacional e Grêmio tornarem-se os queridinhos do Sul, o Coritiba já elevava o nome do futebol sulista a uma posição de prestígio nacional. Em 1973, foi convidado pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos) para disputar o Torneio do Povo ao lado do Corinthians (campeão de 1971), Flamengo (campeão em 1972), Atlético Mineiro, Internacional e Bahia. Deu Coxa. O título veio no dia 21 de março de 1973, na Fonte Nova, num empate em 2-2- com o Bahia.

Quando o Coritiba ganhou o Brasileirão de 1985, fechou um ciclo vitorioso do futebol do Sul, com os títulos do Inter em 1975/76/79 e do Grêmio em 1981. Foram cinco títulos em 11 campeonatos! Mais até: estava fazendo justiça, pois o Coritiba já poderia ter sido campeão ou pelo menos vice em 1980, quando realizou uma campanha espetacular, liderada pelo artilheiro Freitas, aquele dos golaços no Fantástico, e só parou porque encontrou pela frente o imbatível Flamengo de Zico. Mesmo assim vendeu caro sua derrota na semifinal, que terminou 4-3 para o Mengão.

Se os anos 70 foram a “década de ouro” do Coritiba, com o hexacampeonato paranaense (1971 a 1976) e grandes participações no Brasileiro, a década atual ruma pelo mesmo caminho. O Coxa é o atual tetracampeão paranaense (2010 a 2013). Por duas vezes seguidas, em 2011 e 2012, foi vice-campeão da Copa do Brasil. Perdeu esses dois títulos por detalhes, pois seu time era superior ao Vasco da Gama de 2011 e ao Palmeiras de 2012. Foi o tal complexo de vira-latas dando as caras. Mesmo assim, o Coritiba assegurou um espaço no Guinness Book, devido ao recorde de 24 vitórias consecutivas em 2011. Este ano o Coxa já foi eliminado da Copa do Brasil. Melhor para ele, pois pode se dedicar totalmente ao Brasileirão.

E qual é o segredo do Coritiba? Trabalho. Trabalho da maneira correta. 

Depois do vexame de 2009, quando foi rebaixado no ano de seu centenário e viu sua torcida quebrar o Couto Pereira num espetáculo assombroso, o clube se reergueu, a torcida se uniu, a diretoria formou bons times e para 2013 conseguiu trazer o craque Alex (foto), ex-Palmeiras e Fenerbahce, ainda em ótima forma. Com Alex ao lado de jogadores como Escudero, Bottinelli, Deivid, Keirrison e outros menos conhecidos, só que bons de bola, o novato técnico Marcos Vinícius Santos Gonçalves (campeão mundial Sub-15 em 2011 e campeão paranaense em 2013), tem comandado o Coxa para se manter com firmeza na liderança. Em sete rodadas, é o líder, único invicto, tem 71% de aproveitamento e já bateu campeão e vice do Brasileirão 2012 (Fluminense e Atlético Mineiro), além do maior rival (Atlético Paranaense). Este, aliás, merece uma crônica à parte, pois teve uma atitude arrogante, abandonou o estadual, foi brincar de amistosos pelo mundo e agora está na zona de rebaixamento.

O estádio Couto Pereira já recebeu 65.493 pessoas em 1983, no jogo Atlético Paranaense 2-0 Flamengo (tempos  em que o rival tinha Washington e Assis). Sempre inacabado, o estádio, cuja capacidade atual é de 37.182 pessoas, finalmente terá o terceiro anel completado em 2014, abrigando modernos camarotes e cadeiras com a melhor visão do gramado. Ficará pronto em 2014 e aumentará a capacidade do Couto Pereira para 42.005 pessoas. 

Hoje o Coritiba é um clube de verdade, com 33.000 sócios-torcedores que garantem aos seus cofres uma renda superior ao da TV Globo, da Nike e da Caixa Econômica Federal, três marcas de peso que colocam dinheiro no time devido ao poder aquisitivo da fanática torcida coxa-branca. 

Mas nem sempre foi assim.

No final de 1982, quando recém-formado jornalista fiz minha primeira reportagem no Alto da Glória (bairro onde fica o estádio coxa), encontrei um time desclassificado das finais do Campeonato Paranaense, com salários atrasados, e tentando retomar a vida para o ano seguinte. Escalado para cobrir a apresentação do técnico Chiquinho, acabei sendo o único repórter a participar da preleção do novo treinador aos jogadores coxas dentro do vestiário! Como ninguém me conhecida, os jogadores devem ter achado que eu era filho do técnico. E o técnico deve ter achado que eu era filho de algum diretor. Enfim, naquele ambiente de derrota, Chiquinho disse: “Vocês estão desclassificados das finais do Estadual, mas não devem desanimar. Hoje iniciamos uma jornada que vai nos levar ao título brasileiro”.

Essas palavras estão registradas nos arquivos da Tribuna do Paraná. Três anos depois, já mais conhecido e sem poder entrar no vestiário, fui contratado pela revista Placar para fazer a reportagem de apresentação do Coritiba para o Guia do Brasileirão 1985. Entrevistei o técnico Ênio Andrade, que fora campeão em 1979 com o Inter e em 1981 com o Grêmio, e ele vaticinou: “Queremos o título brasileiro”. Placar publicou e o título veio no Maracanã, diante de 91.257 pessoas que conheceram a força coxa-branca. Jogadores como Rafael, Jairo, Gomes, Heraldo, Vavá, Dida, Hélcio, Marco Aurélio, Tobi, Lela, Índio, Gil, Paulinho e Aragonés, entre outros, até hoje são reconhecidos como heróis.

Está na hora de essa história se repetir. Futebol o time tem. Mas vai precisar derrotar seu próprio medo de ser feliz, coisa que não conseguiu em 2011 e 2012.