Os frequentadores do bar Bib Bip, minúsculo mas nobre pé-sujo incrustado numa ruela de Copacabana, vão passar um tempo em estado de graça. Reduto da genuína boemia embalada por samba e chorinho, o boteco estendeu tapete vermelho na noite de terça-feira, dia 25, para acolher a herdeira de um sobrenome idolatrado mundo afora. Aleida Guevara, 38 anos, filha do guerrilheiro Che e marketeira da revolução cubana, se juntou aos sambistas espremidos nos 25 metros quadrados do botequim mais famoso da esquerda festiva carioca.

"Estava com medo de ela ser sisuda, mas tem um sorriso…", babava Alfredo Melo, o popular Alfredinho, 55 anos, dono do bar que mistura nas paredes o manjadíssimo quadro de Che com fotos de Aldir Blanc, João Nogueira, Garrincha. O entusiasmo de Alfredinho era tanto que um deslize na despedida arrancou gargalhada da cubana. "Vá com Deus", arriscou-se, para em seguida emendar a mancada: "Falar isso pra você é bom ou ruim?" Pouco antes, Aleida se dissera encantada com a cidade vista do Cristo Redentor. "Fui só como turista. Sou totalmente atéia. Creio só nos homens, aliás, em alguns homens."

A rechonchuda e risonha filha do Che aplaudiu músicos como Paulão Sete Cordas, João de Aquino e Jorge Simas. "Aqui se faz cultura pela cultura, não pelo dinheiro." Mesmo com o samba ao fundo, Aleida endurece diante de perguntas que a perseguem pelos quatro cantos. Recorre a lições de moral para justificar o regime de partido único.

– Vivíamos como vocês, com muitos partidos, fome e miséria, 33% de analfabetismo total e 60% de parcial. Hoje não há analfabetos.

Da cultura brasileira, as referências de Aleida pouco têm a ver com os cavaquinhos do Bip Bip. São as novelas da Rede Globo. Não se esquece de Roque Santeiro, que viu em Angola. A empolgação não amortece a reação de Aleida quando lhe pedem para dizer qual a impressão que tem do Brasil.

– O Brasil me causa muita dor. Como um país tão rico é tão indolente com as crianças de rua? – fuzila.

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Aleida sustenta que o socialismo é o único regime que garante a integridade do cidadão. Ela reconhece que a situação de Cuba se complicou com o fim da URSS e que, para um não-cubano, é difícil entender como uma médica no topo da carreira, como ela, ganha US$ 25 por mês, mesmo com as necessidades básicas sustentadas pelo Estado. "Nossa concepção é outra. Formamos um novo homem e não vamos recuar. Em Cuba, dizemos que não se anda para trás nem para dar impulso", brinca.

Aleida veio para palestras e para inaugurar o Centro Cultural Latino-Americano Ernesto Che Guevara, no Rio. Esforçou-se para negar que Che chegou ao fim da vida rompido com Fidel Castro, que ela chama de "tio Fidel". As lembranças do pai são pequenas. Eles se separaram em 1965, quando Che foi para o Congo. Aleida ouve o chorinho, segura a cervejinha "com baixo teor alcoólico" e ri ao falar do pai:

– Ele tinha os ouvidos quadrados para música. Só sabia dançar tango.

O sorriso dá lugar a uma expressão dura quando perguntam a Aleida se ela se sente como uma nobre em Cuba, por ser a filha do Che.

– Os cubanos me respeitam demais para me fazer uma desfeita dessas. Sou uma mulher do povo e uma militante do PC.


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