A privatização mostrou ser boa para o Brasil. Mas melhor ainda para uns poucos brasileiros. Aos 44 anos, o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, é a grande estrela deste grupo. Com a formação de engenheiro e a especialidade em economia, Dantas construiu sua fama como um astuto arquiteto das finanças, capaz de projetar intrincados consórcios que arrematam estatais com enormes somas de dinheiro alheio. Feito o negócio, vende a operação e sai com um polpudo lucro. É tido como um daqueles gênios das finanças que montam suas engenhocas nas brechas fornecidas pela lei. Coincidência ou não, conta com a colaboração de alguns dos formuladores das regras de privatização, que passaram para o outro lado do balcão e emprestam seu talento ao próprio Opportunity, caso da economista Elena Landau. A contragosto, o banqueiro está novamente em evidência por suas relações com a cúpula do poder graças às novas gravações do grampo do BNDES, nas quais até o presidente Fernando Henrique Cardoso admite usar sua autoridade em favor da entrada da Previ – o poderoso fundo de pensão do Banco do Brasil – no consórcio liderado por Dantas na venda dos filhotes da Telebrás. A desenvoltura de Dantas no círculo de poder é tão surpreendente como a maneira com que empilha estatais no Opportunity, uma companhia de investimentos criada no final de 1993, que tem sob seu guarda-chuva uma dezena de empresas privatizadas.

Amigo do senador Antônio Carlos Magalhães, o cacique do PFL, Daniel Dantas já era rico quando fundou o Opportunity. Administrava cerca de US$ 70 milhões, mas rapidamente tornou-se um bilionário gestor de investimentos. Hoje tem poder sobre mais de US$ 3 bilhões, dos quais US$ 1,4 bilhão provêm das empresas privatizadas. Seu apetite, no entanto, não foi saciado. Mesmo com o empenho presidencial no megaleilão de julho do ano passado, o banqueiro não levou o que queria. Acabou com o controle da Tele Centro-Sul, enquanto o consórcio Telemar arrematava a Tele Norte-Leste, porção de telefonia que engloba 16 operadoras do Rio ao Amazonas. Dantas não desistiu de concretizar sua empreitada. Numa prova cabal do pragmatismo do mundo dos negócios, ele planeja se associar aos antigos rivais, qualificados nas conversas grampeadas de "corporativistas e aventureiros". Sua estratégia agora é atacar os sócios mais fracos e tirar o controle da Telemar das mãos do empresário Carlos Jereissati. O problema é que Jereissati não quer ver o Opportunity de Daniel Dantas por perto. E tem força para isso: é presidente do Conselho de Administração e maior acionista individual da empresa, depois do BNDESPar.

Ainda que temporariamente fora da Tele Norte-Leste, Dantas se contentou em colocar em prática na Tele Centro-Sul uma de suas clássicas obras de arquitetura financeira, onde o banqueiro entra com muito tutano e pouco dinheiro. De acordo com reportagem publicada por ISTOÉ, em agosto, o Opportunity pagou um valor irrisório para deter o controle da companhia, enquanto os fundos de pensão, novamente liderados pela Previ, injetaram a maior parte do R$ 1,950 bilhão oferecido no leilão. A artimanha consiste em comprar a preço baixo as ações ordinárias (com direito a voto e que garantem o controle da empresa), enquanto os sócios capitalistas pagam alto por ações preferenciais, as primeiras a receber dividendos. Segundo cálculos de um especialista em direito societário que prefere se manter no anonimato, a megaoperação deverá render a Dantas até R$ 400 milhões dentro de cinco anos, quando ele estará liberado por lei para revender o controle da empresa. Não por acaso, o banqueiro ainda luta para entrar de alguma maneira na Telemar. Afinal, ao arrematar a Tele Centro-Sul, o consórcio liderado pelo próprio Opportunity ficou impedido de oferecer R$ 5,1 bilhões pela Tele Norte-Leste, uma fatia mais valiosa da telefonia e, portanto, mais lucrativa. Se a mesma artimanha jurídico-financeira fosse aplicada, o ganho futuro de Dantas poderia atingir a casa do R$ 1 bilhão.

 

Atrás da Inepar Passados dez meses do leilão, quem está agora em dificuldades é Jereissati – e Dantas tenta tirar vantagem disso. Ele sabe que os sócios privados da Telemar começaram uma romaria em busca de ajuda oficial para quitar, no início de agosto, a segunda parcela do pagamento do leilão: R$ 1,029 bilhão. "Os controladores vão ter recursos suficientes", garante o presidente da empresa, Manoel Horácio da Silva. Mas, pelas beiradas, Dantas ataca os flancos mais fracos. Um deles é o empresário Atilano de Oms Sobrinho, da Inepar, que possui 12% do capital votante. Oms está endividado até o pescoço e luta para reunir os R$ 120 milhões de sua parte no pagamento. Depois de se aventurar investindo mais do que podia em uma rede mundial de telefonia por satélite, a Inepar tem de saldar neste ano dívidas que totalizam R$ 500 milhões.

A voracidade de Dantas, no entanto, poderá esbarrar na Justiça. O Ministério Público Federal deve enviar à Justiça do Rio um pedido de abertura de ação civil contra os principais envolvidos na tentativa de favorecimento do Opportunity: o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, o atual presidente do BNDES, José Pio Borges, e seu antecessor, André Lara Resende. Eles serão acusados de improbidade administrativa. A ação também poderá atingir Daniel Dantas. "Mesmo que não exerça cargo público, qualquer pessoa jurídica ou física que tenha participado ou se beneficiado das ilegalidades está sujeita à punição", afirmou o procurador Rogério Nascimento. "Temos certeza de que houve improbidade administrativa, mas vou deixar o advogado Sérgio Bermudes na dúvida se entraremos com ação contra o Banco Opportunity." Caso o banco seja condenado, não poderá mais fechar contratos com o setor público – e estaria alijado da privatização. "Vamos esperar a ação", diz Bermudes, um dos advogados de Dantas. Advogado, aliás, é o que não falta ao banqueiro. Segundo estimativas, ele gasta cerca de R$ 500 mil mensais para manter-se como cliente dos mais renomados escritórios do País. "É a tripla blindagem", costuma resumir o banqueiro.

A estratégia de Daniel Dantas para comprar estatais inclui ainda boa informação e agilidade. Ao adquirir cerca de 40% da participação da Sanepar, a companhia de saneamento básico do Paraná, o Opportunity entrou sozinho num processo que se desenrolou numa velocidade incompatível para os padrões brasileiros. Em menos de dez dias, a lei que permitia a venda de ações passou pela Assembléia Legislativa e o leilão ocorreu cinco meses depois. "Não houve nenhuma fase preliminar, foi rápido demais", espanta-se Christopher Akli, ex-executivo do grupo vencedor. "Acredito que o governo tinha alguma conta para pagar e precisava do dinheiro rapidamente." Mas alguns contratos posteriores são hoje questionados. Assim como já ocorrera na Cemig, a energética de Minas Gerais que também está entre as jóias do Opportunity, criou-se na Sanepar um acordo de acionistas no qual o governo, o maior acionista, abre mão do direito de controlar os principais cargos da diretoria. "Isso é lesivo aos direitos da população", diz César Vieira, presidente do sindicato dos urbanitários. Pelo acordo, os novos acionistas podem eleger por 15 anos os diretores superintendente, de operações e financeiro – os cargos mais importantes da companhia. "Isso reduz a atratividade da empresa, uma vez que ninguém injetaria dinheiro lá para virar uma espécie de rainha da Inglaterra", diz uma fonte que avaliou o acordo de acionistas semelhante, firmado pela Cemig.

 

Apoio do Citi Dantas tem um gordo colchão financeiro a alavancar suas investidas na privatização. Graças à habilidade em montar uma extensa teia de ligações internacionais, ele está ligado a uma fonte quase inesgotável de dinheiro: o Citigroup, a maior instituição financeira do mundo. Os dois grupos constituíram em 1997 um fundo de investimento internacional criado para comprar estatais no Brasil, o CVC/Opportunity, um instrumento conhecido no mundo das finanças como private equity. Ficou estabelecido ainda que qualquer investimento acima de US$ 25 milhões da instituição americana neste segmento passaria obrigatoriamente pelo crivo do Opportunity. Inicialmente, o fundo tinha aproximadamente US$ 1 bilhão, dos quais apenas o Citibank colocava US$ 250 milhões e obrigava-se a levantar outros US$ 350 milhões de investidores internacionais. Por sua vez, o Opportunity de Dantas tinha de passar o chapéu nos velhos conhecidos fundos de pensão, coletando US$ 347 milhões. Sua fatia consistia em injetar no mínimo US$ 30 milhões, podendo chegar até US$ 100 milhões. Tal foi o sucesso do fundo adquirindo várias participações de estatais que o Citibank decidiu renovar o aporte, com mais US$ 1 bilhão. Calçado com a maior instituição financeira de um lado e os maiores investidores domésticos do outro, Dantas se transformou no papão das privatizações brasileiras. Ao banqueiro, só interessa o comando, sempre obtido com pouco dinheiro próprio. Ele sabe que, no futuro, este poder em empresas estratégicas de infra-estrutura valerá ouro. Aí, então, Dantas detonará a segunda fase do leilão, uma espécie de privatização particular. Mas desta vez os lucros não irão para os cofres do Estado.

Colaboraram: László Varga (RJ) e Maria Fernanda Delmas (SP)

 

Todos os negócios de Daniel Dantas nos leilões

Escelsa
Companhia de Energia Elétrica do Espírito Santo.
Investimento total de R$ 322,9 milhões (julho de 1995).
Opportunity e Citibank: R$ 36,6 milhões (52,2% do controle acionário).

Vale do Rio Doce
Maior produtora de minério de ferro do mundo.
Investimento total de R$ 3,351 bilhões (maio de 1997).
Opportunity e Citibank: R$ 100 milhões (5,6% do controle acionário).

Cemig
Companhia Energética de Minas Gerais.
Investimento total de R$ 1,122 bilhão (maio de 1997).
Opportunity: R$ 48 milhões (1,4% do controle).

Americel
Operadora da banda B celular da região Centro-Oeste
Investimento total de R$ 294,5 milhões (junho de 1997).
Opportunity e Citibank: R$ 33 milhões (11,6% do controle).
Sócios: Banco do Brasil, BNDESPar, Bell Canadá, Telesystem e fundos de pensão.

Porto de Santos
Maior terminal de contêineres da América Latina.
Investimento total de R$ 274 milhões (setembro de 1997).
CVC/Opportunity: R$ 32,8 milhões (55% do controle).
Sócios: Fundos de Pensão Previ e Sistel e Multiterminais: R$ 241,2 milhões (45% do controle).

Metrô do Rio
Mais de 350 mil pessoas circulam diariamente.
Investimento total de R$ 291,7 milhões (janeiro de 1998).
CVC/Opportunity: tem 51% do controle. Pagou 30% à vista com moedas podres e o resto pago sem juros pelos 20 anos de concessão.

Telet
Operadora da banda B celular no Rio Grande do Sul.
Investimento total de R$ 354 milhões (abril de 1998).
Opportunity e Citibank: R$ 43 milhões (12,3% do controle)
Sócios: Banco do Brasil, BNDESPar, Bell Canadá, Telesystem e fundos de pensão.

Sanepar
Empresa de águas e esgoto do Paraná.
Investimento total de R$ 249,8 milhões (junho de 1998).
CVC/Opportunity: R$ 56 milhões.
Sócios: Grupo Vivendi, Andrade Gutierrez e Copel: R$ 193,8 milhões.

Tele Centro-Sul
Holding controladora das operadoras de telefonia fixa nas regiões Sul e Centro-Oeste.
Investimento total de R$ 2,070 bilhões (agosto de 1998).
CVC/Opportunity: R$ 401,1 milhões (51% do controle).
Sócios: Fundos de Pensão Previ, Sistel, Funcef, Petros e Telos e Stet: R$ 1,669 bilhão.

Telemig Celular
Operadora de telefonia móvel de Minas Gerais.
Investimento total de R$ 756 milhões (agosto de 1998).
CVC/Opportunity: R$ 99,8 milhões (51% do controle).
Sócios: Telesystem e fundos de Pensão Previ, Sistel, Funcef, Petros e Telos: R$ 656,2 milhões.

Tele Norte Celular
Cinco operadoras de telefonia móvel do Nordeste.
Investimento total de R$ 188 milhões (agosto de 1998).
CVC/Opportunity: R$ 21,4 milhões (51% do controle)
Sócios: Telesystem e fundos de Pensão Previ, Sistel, Funcef, Petros e Telos: R$ 166,6 milhões.

 

Um prodígio das finanças

Baiano de nascimento e carioca de coração, Daniel Valente Dantas chegou ao Rio logo após se formar em Engenharia pela Universidade Federal da Bahia. Especializou-se em Economia na Fundação Getúlio Vargas e, nessa época, acabou apontado como um dos pupilos de Mário Henrique Simonsen, que mais tarde o aproximaria de Antônio Carlos Magalhães. Dos bancos de escola saiu direto para o grupo Bradesco, onde chegou até a vice-presidência de investimentos em 1985. Quando seu mestre no mundo das finanças, Antônio Carlos Almeida Braga, o Braguinha, saiu do Bradesco para montar o próprio negócio, Daniel Dantas o acompanhou. De 1986 a 1993, transformou-se no principal executivo do Banco Icatu. A parceria com os irmãos Kati e Luis Antônio Almeida Braga acabou quando Daniel Dantas partiu para carreira solo. Estava formado o Opportunity Asset Managment.

Os laços com ACM foram estreitados por conta da empatia imediata surgida entre o jovem economista e o filho do senador, Luís Eduardo Magalhães. Bem articulado e já com a fama de gênio das finanças, Dantas acabou sendo escolhido como consultor financeiro número 1 de ACM. A tal ponto que, na época da crise do Banco Econômico, foi encarregado pelo cacique político baiano de negociar uma solução com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o então presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. De ACM para o PFL foi um pulo. Não há seminário do partido no qual ele não compareça. "A diferença que o Daniel Dantas tem é ser muito inteligente. Há gente com inveja disso", define o presidente do Banco Safra, Carlos Alberto Vieira. Se coleciona uma legião de admiradores, Dantas é apontado por alguns como um banqueiro traiçoeiro e perigoso. Engrossando o rol daqueles que já começam a duvidar do brilhantismo do banqueiro estaria o próprio ACM, segundo um importante executivo do mercado financeiro. É que Daniel Dantas teria dado uma dica errada ao senador, causando-lhe um recente prejuízo. Se não bastassem as brigas que comprou no mundo dos negócios, Dantas poderia estar perdendo o padrinho político, que já estaria pensando em abandonar o afilhado às feras.