Leandro tem oito anos. Felipe, cinco. Na quinta-feira 27, em vez de irem à aula, passaram boa parte da manhã fazendo inalação para amenizar uma crise de asma no Pronto-Socorro do Hospital Infantil Menino Jesus, na região central de São Paulo. Leandro e Felipe fazem parte dos 35% da população brasileira que sofrem de alergia. O número, que assusta, vem de uma compilação de pesquisas feitas por sociedades internacionais de alergia. Ele surpreende não só porque é muita gente que tem de ficar de olho no que come, toma, veste e respira, mas também porque esse índice continua crescendo. Só na cidade de São Paulo, de acordo com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), nos últimos dez anos a incidência de alergia subiu 10%. "Além da maior precisão nos diagnósticos, acredita-se que esse aumento se deva a razões ambientais, como o excesso de poluição, o uso de aditivos nos alimentos e as mudanças bruscas de temperatura", diz Fábio Castro, diretor da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia.

Há uma razão para que esses fatores sejam apontados como culpados. Eles podem aumentar a sensibilidade do organismo e induzi-lo a uma resposta defeituosa – a alergia. Essa resposta pode produzir sintomas que vão da dor de cabeça e inchaço a coceira e paralisia dos membros. Mas para que a reação alérgica aconteça é necessário haver uma predisposição genética. Praticamente tudo pode causar alergia: remédios, xampu, leite, trigo, camarão, papel, picada de inseto, etc. Há até duas dezenas de casos relatados de alergia a sêmen. Pode-se dizer, no entanto, que ácaros (aracnídeos microscópicos que vivem em carpetes, cortinas, colchões e travesseiros), fungos e pêlos de animais são os vilões desse mal (o pólen das flores também detona crise, mas com menos frequência). Isso porque são eles os responsáveis pelas alergias respiratórias (rinite e asma), justamente as mais comuns e caprichosas.

Inverno A rinite e a asma, juntas, respondem por mais de 60% dos casos de alergia. Só no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia, a asma ataca, em média, 15 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, 6% dos habitantes sofrem com o desconforto. Quanto à rinite o número é ainda maior e pode chegar a 20% dos brasileiros. Nos EUA são mais de 40 milhões que sofrem de rinite alérgica. A maior parte desses casos fica visível com a proximidade do inverno. Nessa época do ano, as condições são mais propícias para que se desencadeiem os episódios de rinite e asma. As mucosas do nariz, boca e pulmão ficam ressecadas e menos capazes de defender o organismo; e as gripes e viroses, que podem detonar uma crise ao irritar essas mucosas, aumentam. "As pessoas ficam mais em casa e em lugares fechados, hábitat preferido de fungos e ácaros", explica a alergista Rusie Leão, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Em abril deste ano, quando a temperatura começou a baixar, o Hospital Menino Jesus, para onde Leandro e Felipe foram levados, atendeu cerca de mil crianças com crise de asma. Em janeiro, o atendimento foi cinco vezes menor. Para Rosana Zafra, mãe dos dois garotos, a ida ao hospital marcou o início de uma rotina que ela conhece bem. "Quando chega essa época as crises atacam e o jeito é correr para o pronto-socorro para fazer inalação", conta. É a única forma que ela encontrou de aliviar o sofrimento causado pela falta de ar, a coceira na garganta, a tosse constante e o chiado do peito. Leandro é quem mais se ressente com os efeitos do frio, mas ele aprendeu a não reclamar. "Respiro melhor", diz. Um levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em cinco prontos-socorros de grandes hospitais de São Paulo revelou que a asma é responsável por 12% das causas do atendimento infantil. "É a doença crônica mais comum da infância e a maior causa de falta escolar", diz Charles Naspitz, chefe do serviço de alergia da pediatria da Unifesp. Não é para menos. Estima-se que 80% dos casos de asma surjam na infância. O restante pode aparecer a qualquer momento da vida adulta.

As consequências da asma não são apenas físicas. A falta de ar, a tosse e o chiado podem fazer com que o asmático se sinta diferente ou menos capaz do que os outros. Em 1995, um concurso promovido na Europa e nos EUA pelo laboratório farmacêutico Zeneca possibilitou que os pacientes ilustrassem essas consequências psicológicas da asma. Os participantes, mais de 600 asmáticos, foram convidados a produzir um desenho que expressasse como eles se sentiam em relação à doença.

A rinite é mais frequente e menos grave, mas também traz complicações como sinusite e inflamações nos ouvidos. Nas crianças, muitas vezes, esta alergia tem efeitos negativos sobre o desempenho escolar. "Como a dificuldade respiratória piora à noite, a criança dorme mal. No dia seguinte está cansada e não presta atenção na aula", diz o alergista Castro. Felizmente, com Talita Bento, 12 anos, isso não aconteceu. Sua rinite alérgica não prejudicou os estudos porque foi descoberta no início. No dia em que falou a ISTOÉ, Talita recebeu o resultado de seu teste de alergia, que revelava a causa da rinite. Ela tem alergia a pó e a umidade. Ou seja, a ácaros e fungos. "Estava com medo de ser alérgica a pêlo de cachorro. Não ia querer me separar da Jolie (sua poodle de estimação)", afirma.

A primeira medida do tratamento de um alérgico é, sempre, procurar mantê-lo afastado das causas da alergia (os chamados alérgenos). No caso das alergias alimentares ou de contato com um determinado produto, a solução é mais simples: elimina-se a substância que desencadeia a alergia. O difícil é identificar a substância. Graças à investigação minuciosa de um alergista, a assistente social Rosemeire Fernandes, 38 anos, descobriu que seu filho Caio, de seis anos, não pode chegar perto do leite e de seus derivados. E nem de pessoas que tenham consumido esses produtos e não tenham lavado as mãos. "O Caio quase teve um choque anafilático (violenta reação alérgica que pode levar à morte) porque eu toquei nele depois de comer fondue de queijo", conta.

Casa arejada Para cercar os ácaros e fungos, a batalha é mais difícil: é fundamental o controle do ambiente. Manter a casa arejada e sempre limpa, usar panos úmidos para não espalhar a poeira e encapar colchões e travesseiros com tecidos antialérgicos são providências básicas. "Nos casos de asma leve, esses cuidados já podem ser suficientes", diz Naspitz. Felizmente, são muitas as opções que ajudam a limpar casas de alérgicos. No mercado da alergia há, inclusive, empresas que oferecem serviços de desacarização e até hotéis, como o Villa Rossa, em São Roque (SP), que oferecem quartos especiais para receber hóspedes alérgicos (esses ambientes são esterilizados a cada 60 dias). Mas quando a rinite e a asma não são tão leves é preciso lançar mão de medicamentos. Os mais indicados são os anti-histamínicos (bloqueiam a ação da histamina, substância que provoca coceira, espirros e coriza), os broncodilatadores (restauram a capacidade dos brônquios pulmonares e, portanto, facilitam a respiração) e os antiinflamatórios. Estes últimos são uma arma importante para evitar crises, pois a alergia é, na verdade, um processo inflamatório contínuo na mucosa do nariz e dos brônquios. A novidade entre os antiinflamatórios são os antileucotrienos (bloqueiam a ação do leucotrieno, substância que, assim como a histamina, causa reações desagradáveis no asmático). Essa nova classe de medicamentos é uma opção para quem não pode usar a cortisona, substância mais utilizada contra o problema. O estudante Alberto Loebb, 18 anos, só encontrou alívio para sua rinite com os remédios. "Parei de ter tanta coriza e lacrimejar. Já posso assistir a um filme no cinema sem ter que ir ao banheiro toda hora", diz. As vacinas são outro recurso disponível quando a causa da alergia está bem definida e o paciente não pode ser afastado dela. Por exemplo, pessoas que têm alergia a ácaro. "A vacina vai aumentando a tolerância do paciente ao alérgeno até que ele não incomoda mais", explica Castro.

Outra saída pode ser encontrada na homeopatia, especialidade médica que trata a alergia a partir do histórico e das características físicas e psicológicas do paciente. Feito isso, são recomendados medicamentos à base de extratos vegetais e minerais para o equilíbrio completo do alérgico. Mas nem todas as pessoas têm paciência para o tratamento. A atriz Betty Gofman, 30 anos, que tem rinite alérgica, desistiu logo. "O que me ajudou foi a natação, que pratico no Clube Federal, no Rio. O exercício aumentou minha resistência", afirma. A saída encontrada pela atriz está, de fato, entre as mais recomendadas. No caso da asma, por exemplo, a natação, a canoagem e a caminhada aumentam a capacidade respiratória e fortalecem a musculatura torácica, dando o suporte necessário para enfrentar, sem tanto esforço, uma crise. A corrida também não é proibida desde que o asmático aprenda a fazer a respiração no ritmo e do jeito certos. Para quem ainda duvida que o esporte não só pode fazer parte da vida de alérgicos como também transformar-se em parte do tratamento basta lembrar de Mark Spitz, um asmático, considerado o maior nadador de todos os tempos. Com sua performance espetacular nas piscinas, Spitz é um dos melhores exemplos de que a alergia pode ser derrotada.

Colaborou Clarisse Meireles (RJ)

 

Ataque alternativo

A medicina alternativa tem muito a oferecer contra as alergias. A antroposofia, que se baseia numa visão global do paciente, considera que o alérgico é uma pessoa com o pólo sensorial muito desenvolvido. "Quem tem alergia capta as coisas mais rápido", explica Ricardo Ghelman, da Sociedade Brasileira de Medicina Antroposófica. De acordo com a antroposofia, o ser humano possui dois pólos antagônicos: o neurossensorial, que se concentra na cabeça e é mais vulnerável aos estímulos do meio ambiente, e o metabólico-locomotor, centrado na digestão e excreção, e influenciável pelos movimentos do corpo. No alérgico, esse pólo funciona mal e a pessoa, em geral, tem digestão mais lenta e os pés são gelados devido à má circulação periférica. Para combater a alergia é preciso estimulá-lo e equilibrá-lo com o pólo neurossensorial. "A orientação vai desde manter o corpo aquecido até o uso de ervas amargas na alimentação", diz Ghelman. Além disso, a antroposofia também usa a fitoterapia e os remédios homeopáticos. O administrador de empresas Celso Fujita, 50 anos, melhorou de sua alergia à carne de porco e aos frutos do mar com a antroposofia. "Até me arrisco a comer uma pizza com presunto", comemora. A cantoterapia é uma outra opção de tratamento que segue os princípios da antroposofia e busca harmonizar os pólos por meio de exercícios vocais. "O objetivo é desbloquear a respiração", explica a psicóloga Adelina Rennó, autora de uma tese de doutorado sobre o assunto defendida no ano passado na USP. No trabalho, cinco entre 15 pacientes com asma foram acompanhados por pelo menos três anos. Dois tiveram melhora significativa nos sintomas, dois apresentaram melhora relativa e um manteve-se estável. Da medicina oriental, a acupuntura e as massagens como o shiatsu aparecem como as maiores contribuições contra a alergia. Segundo essa filosofia de trabalho, nas alergias há um desequilíbrio mais acentuado de energia associada ao fígado. "A acupuntura e as massagens recuperam ao equilíbrio", diz o acupunturista Marcelo Ohira. Os florais também visam o equilíbrio interno do paciente. O terapeuta diagnostica o aspecto emocional em desarmonia, que seria a causa da reação alérgica, e tenta reequilibrá-lo por meio de essências de flores. A yerba santa, por exemplo, ajuda a liberar emoções contidas e é indicada quando o paciente tem asma relacionada ao fato de ser reprimido demais.