Gary é um raro gato persa chinchila, peludão, daqueles que se pego na distração da sua preguiça pode ser confundido com um tapete. Depois de morar um ano e três meses em apartamento, só recentemente Gary descobriu que era gato, soltando seus instintos num dos condomínios exclusivos de Alphaville, nos arredores de São Paulo, onde seu dono mora com a família. Interessado agora nas borboletas e nos mosquitinhos que na sua vida urbana jamais teve contato, o felino nem de leve se importa com a movimentação da bela casa pintada de um amarelo vibrante. Talvez nem os vizinhos, todos concentrados no seu jeito americano de ser, saibam que há três meses lá mora um tal de Aroldo Alves Sobrinho. Ou que fora da residência, no seu círculo só o chamem pelo apelido de Peninha, conhecido nos anos 70 como autor e cantor de Sonhos e hoje um anônimo de sucesso graças à canção Sozinho, peça da trilha da novela global das oito, Suave veneno, e carro-chefe do álbum Prenda minha, maior êxito comercial da carreira de Caetano Veloso, batendo a marca das 800 mil cópias vendidas. Tudo por causa da música que as rádios todas tocam e o Brasil inteiro entoa. Afinal, quem ainda não cantarolou o refrão "quando a gente gosta/é claro que a gente cuida/fala que me ama/só que da boca pra fora/ou você me engana/ou não está madura/onde está você agora?"

Com a calma de um filho de cearense, o paulistano Peninha, 46 anos – atualmente muito mais interessado em compor do que mostrar como cantor seus olhos esverdeados na televisão –, em apenas seis meses viu que a brincadeira foi crescendo e lhe absorvendo. "Os shows aumentaram. É o poder de fogo do Caetano, que está fazendo tanto sucesso e me emprestando um pouquinho", diz. Sozinho já foi antes gravada por Sandra de Sá, Tim Maia e por ele próprio, mas nenhuma gravação, embora todas tenham suas qualidades, atingiu a empatia da interpretação de Caetano em voz e violão, alavancada pela audição diária em Suave veneno. "Para mim todo mundo é Frank Sinatra", afirma Peninha, esquivando-se de fazer qualquer comparação. De tão conhecida, a música já ganhou história. Conta seu autor que, entreouvindo uma conversa telefônica da filha Clariana, 18 anos, na época com 15, notou que ela brigava com o namorado. Foi mote para destravar frases do gênero "por que você não cola em mim?" ou "eu tenho meus desejos e planos secretos/só abro pra você mais ninguém". Ao terminar, Peninha ficou com a sensação de ter feito uma música juvenil. "Mas não é, ou então todo mundo é adolescente o tempo inteiro."

Clariana, que adora o grupo Só Pra Contrariar, achou bom o resultado. Os gostos da família, aliás, se mesclam na proporção idêntica em que Peninha compõe ao mesmo tempo para Fábio Jr., José Augusto, Alcione ou Raça Negra. Thiago, 17 anos, tem no rap a determinação de seus discos e de seu vestuário. Ele e Clariana são filhos do primeiro casamento – com a segunda mulher Valquíria, teve Willy, dez, e Stéphanie, oito. Todos só o chamam de Aroldo, assim mesmo, sem "h", como brinca o próprio dizendo que foi "coisa de seu Raimundo", o pai cearense. O apelido Peninha, que ele detesta, vem da adolescência. Quem deu foi o amigo Totó Mugabi, como se vê, talvez num ato vingativo. "Eu era muito magro e desastrado, do tipo que tropeça em garçom, como o personagem de Walt Disney", conta. "Não gosto mesmo, é diminutivo. Pense, por exemplo, em Ataulfo Alves. Agora, Braguinha, não é esquisito?" Houve um produtor que já pensou em mudar seu nome artístico. "Ele queria Carlos Saens Peña. Cada vez que eu citava, todo mundo dava risada e acabou ficando Peninha porque Penão também não dava, né?"

Músico autodidata, apenas com o ginásio terminado, Peninha é bem-humorado. O passado de pesadelos já terminou. Ficou dez anos sem gravar e só em 1997 conseguiu lançar o primeiro trabalho em CD – sua carreira contabiliza oito compactos simples e seis LPs. Há 12 anos segreda ter renascido das cinzas, deixando escapar que largou o copo para pegar no violão. Hoje, o Peninha boa-praça, que muita gente no meio artístico gosta, tem um miniestúdio caseiro com uma mesa de som de 16 canais "e outras coisinhas", onde cultua um trabalho sistemático, compondo olhando para o verde. "Quando a fita fica pronta, mando para a gravadora via sedex." O gato Gary concordaria que é uma vida de sonhos.