Eles estão fazendo fama. Um no campo do profano. Outro, no sagrado. O primeiro adora uma cervejinha. O segundo gosta de missa. Hábitos normalíssimos, não fossem o bebum e o carola fiéis representantes dos ruminantes. O bode cachaceiro, como é conhecido, é a sensação em Boquim, a 82 quilômetros de Aracaju. Não pode ver ninguém abrindo uma garrafa que vai logo se achegando. O berro do bicho é inevitável. Quer cerveja e, de preferência, geladinha. A 20 quilômetros dali, em Riachão do Dantas, é só tocar o sino da matriz que o bode religioso sobe as escadarias e é o primeiro a entrar na igreja. "Vai para a primeira fileira e fica até o final da missa, quietinho. Acabou, ele vai embora acompanhando o povo", diz a secretária da paróquia, Marinês Dantas. A história dos dois está ganhando contornos de galhofa. Afinal, um pode ser candidato a prefeito e o outro, a santo.

O bode da cerveja fixou residência na praça da cidade. Não tem quem o tire de lá. Sem muita cerimônia, o animal abre a boca e espera que lhe dêem bebida. Sempre é atendido. Sua fama cresce tanto que pode desbancar o grande chamariz do município: o de ser um dos maiores produtores de laranja do País. O primeiro passo já foi dado. A praça onde o bicho enche a cara, que tem o nome do ex-governador Paulo Barreto de Menezes, vem recebendo o apelido de "Praça do Bode". Quando chega um carteiro novo na cidade, é um deus-nos-acuda. Algumas correspondências já têm o endereço popular.

 

"Bodemia" Mas é a resistência do bode que chama a atenção. Três, quatro, cinco cervejas num único dia e nada de tropeçar nas próprias patas. Muitos dos que bebem com o bode passam a régua enquanto o animal continua firme. Dos 18 anos de vida, são mais de dez de "bodemia". "Os veterinários garantiram que ele não passaria dos 13", assegura Ailton Souza Santos, que o adquiriu quando o animal tinha apenas um ano de vida. Não bastasse o inusitado da situação, assíduos frequentadores da praça resolveram lançar a candidatura do bode a prefeito de Boquim. Já tem até slogan: "É melhor votar no bode do que em cabra ruim." Carlos Gato, presidente do sindicato dos trabalhadores na citricultura, é um dos defensores da candidatura. Ele providencia a documentação do bicho. "Fiz ofícios para entregar ao promotor, ao juiz e à Câmara. Temos que preservar sua integridade física", defende Gato.

Mesmo antes de esquentar a disputa pela sucessão municipal, a candidatura do bode provoca reação. Um político, que vai lançar sua filha como candidata, já implicou com o slogan. Ele achou que a expressão "cabra" estaria fazendo referência a sua filha. "Todo mundo sabe que chamamos de ‘cabra ruim’ o homem perverso. Nesse caso, é melhor votar no bode do que nos políticos daqui", explica-se Gato. Na cidade algumas pessoas acham malvadeza obrigar o bode a ingressar na vida política. "Isso é depreciativo para o bode. Um animal tão inocente", revela um veterinário que presta serviço na cidade. O responsável pelo bode teme pela vida do animal. "Meu pai fez a promessa de deixar o bode morrer de velhice. É para ser enterrado como gente", revela Ailton. O juiz da Comarca de Boquim, Diógenes Barreto, mostra-se simpático à candidatura do bode. "É um animal querido e adotado pela população. Um patrimônio público", informa o juiz.

De protestante a católico Enquanto um pode subir em palanques, seu irmão de raça vive entre igrejas, procissões e funerais. Em Riachão do Dantas, esse animal é um dos personagens mais conhecidos. "Para mim é como se ele fosse gente", diz Marinês Dantas. O que a deixa intrigada é que o bode foi criado por uma família de protestantes e acabou se revelando um fervoroso católico. Devoto de Nossa Senhora do Amparo, padroeira da cidade. O padre se diz indiferente à questão, no entanto não permite que se expulse o bode da igreja. "Ele não atrapalha em nada", defende ele. Nas procissões faz questão de ir ao lado da santa. E não é só isso. Quando o sino anuncia que alguém morreu, o bode sai de rua em rua a procura da casa onde o defunto está sendo velado. "Quando encontra a residência, fica na porta. Passa a noite na sentinela. No outro dia, acompanha o cortejo. Vai na frente, ao lado do caixão até o cemitério", conta Albertino Franco Souza, secretário de Administração. Até seu dono já se acostumou com os hábitos e a popularidade que o bicho ganhou. "O negócio dele é só viver no meio do povo", afirma Joélio Araújo, que comprou o animal quando era filhote.

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Mas como todo santo tem um passado, o bode não é diferente. Depois de furtar comida, uma juíza mandou prendê-lo. O bicho ficou trancado num curral. "O bode ia morrer de fome. Todos os dias as pessoas vinham visitá-lo. Até o padre assinou o abaixo-assinado pedindo a libertação dele. Oito dias depois, a juíza mandou soltá-lo", lembra o dono do animal. A juíza já foi transferida de comarca e o bode continua lá. Cresce na cidade uma versão nada católica para tamanha personalidade desse animal. "Ia nascer gente e acabou vindo bode. Se o dono tivesse morrido era uma encarnação. Quem sabe tudo isso explique a origem do universo. No lugar de sermos descendentes do macaco, somos dos bodes. Quem sabe", brinca um dos moradores de Riachão.


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