Em comum, elas tinham o desejo de ficar mais bonitas. Denise Martins Catarino, 31 anos, e Lizette Madeira da Silveira, 60 anos, tornaram-se, no entanto, vítimas da cirurgia plástica que deveria realizar seus sonhos. A analista de sistemas Denise teve uma parada cardíaca ainda na sala de cirurgia e morreu horas depois enquanto a dona de casa Lizette morreu de infecção generalizada decorrente da operação dois dias após receber alta médica. Chocantes, essas histórias chamam a atenção pelo fato de terem terminado de uma forma que ninguém imaginaria.

Denise esteve duas vezes na Clínica Dom Pedro II, de Porto Alegre, antes de marcar a data definitiva de sua lipoaspiração, procedimento que consiste na aspiração de gordura por meio de uma fina cânula introduzida no corpo. Em fevereiro, na consulta inicial, agendou a cirurgia para 1º de abril. Motivos pessoais a fizeram adiar o procedimento para 13 de maio. Por volta das 10h15 deste dia começou a ser feita a lipoaspiração dos culotes e do interior das coxas. Uma hora depois, quando já haviam sido retirados 250 mililitros de gordura, a paciente começou a manifestar reações estranhas. Revirava os olhos e se contorcia dando sinais de iminente parada cardíaca. Apesar de a equipe médica, liderada pelo cirurgião plástico Wilson Jacques, dono da clínica, ter acionado imediatamente o serviço de salvamento de um pronto-socorro próximo, que chegou oito minutos depois, à uma da tarde Denise faleceu.

Com 60 quilos e 1,68m de altura, a moça queria apenas melhorar as formas de seu corpo. "Ela era vaidosa e achava que tinha um problema no culote", diz o irmão Luís Carlos Martins Catarino, 38 anos. "Foi uma morte estúpida para um procedimento que, segundo os próprios médicos, é rotineiro", revolta-se. Catarino e a outra irmã, Beatriz, aguardam os resultados do inquérito policial instaurado e a divulgação do laudo do Instituto Médico Legal, que deverá sair dentro de 15 dias. "Vou tomar as providências cabíveis depois que tudo for apurado. Estive com a diretora médica da Vigilância Sanitária de Porto Alegre e sei que eles levantaram irregularidades na clínica", diz Catarino. Segundo o cirurgião plástico Wilson Jacques, no entanto, a clínica tem alvará de funcionamento e possui todos os equipamentos necessários para uma emergência. "Não havia um cardiologista durante a operação, mas quando a equipe deles chegou, usou os nossos equipamentos", explica.

A repercussão do caso mexeu inclusive com o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. "Consideramos o fato relevante e iniciamos sindicância para apurá-lo", explica o presidente do CRM-RS, Marco Antonio Becker. Outra consequência direta é a convocação, pelo conselho, da Sociedade de Cirurgia Plástica local para que a entidade reveja a segurança das clínicas especializadas na área. "É de se pressupor que algumas não têm condições de salvamento por causa dos acionamentos de prontos-socorros externos", justifica Becker. A suspeita do médico tem fundamento. No sábado 15, dois dias após a morte de Denise, outro pronto-socorro foi acionado em Porto Alegre para atender um caso de edema agudo de pulmão – um problema que pode ser fatal – sofrido por uma paciente que estava sendo submetida à plástica de nariz em outra clínica da capital gaúcha. Socorrida a tempo, a paciente sobreviveu.

 

Homicídio No Rio de Janeiro, a dona de casa Lizette da Silveira não teve a mesma sorte. Em 25 de janeiro do ano passado, após receber alta médica da plástica de abdômen a que havia sido submetida quatro dias antes, Lizette morreu por infecção generalizada, como revela laudo da necropsia. A cirurgiã plástica que a operou, Jorama Zvaig, uma das pupilas do famoso Ivo Pitanguy, acredita, no entanto, que a paciente infartou. Mas por ter se negado a prestar socorro quando a família de Lizette a procurou, está sendo acusada de homicídio culposo, negligência e descaso. Procurada por ISTOÉ na semana passada, Jorama não foi localizada. Sua irmã, Jumara, informou que Jorama tinha acabado de viajar para o Exterior e qualquer contato deveria ser feito pelo advogado Jair Leite Pereira, que também não respondeu.

Na família de Lizette, a dor é agravada pela sensação de que a dona de casa não recebeu o atendimento que merecia. "Lizette teve alta na sexta-feira à noite e foi um sacrifício enorme para falar com a doutora Jorama. Inclusive enviei fax para o número que constava do receituário médico, que não tinha nenhum telefone para emergência, e mandei minha filha Patrícia ficar buzinando na frente da clínica para ver se alguém aparecia", conta o marido, Nelson da Silveira, 59 anos, economista. Aflito, Nelson conseguiu o telefone da casa da médica. Transmitiu todo o quadro da mulher: febre, pressão 6 por 4, dores. Do outro lado da linha, a resposta foi seca. "Ela me disse: ‘Vocês, por serem leigos, se assustam muito com quedas de pressão. A Lizette pode até ter um desmaio que é normal.’ Ouvi aquilo e obedeci a ordem de dar dez gotas de um remédio para elevar a pressão e colocar uma pitada de sal embaixo da língua da minha mulher", conta Nelson. No domingo, sem notar melhora, ele levou a esposa para a Clínica São Vicente, onde Lizette morreu logo em seguida.

Essas duas histórias, divulgadas quase ao mesmo tempo, abalaram a opinião pública, amedrontaram as pessoas que estão pensando em fazer uma plástica e levantaram várias questões: afinal, a cirurgia plástica, em especial a lipoaspiração, é segura? Qual a condição das clínicas que fazem esse procedimento rotineiramente? Para responder a essas perguntas, ISTOÉ ouviu um dos mais respeitados cirurgiões plásticos do Brasil, o professor titular da Universidade de São Paulo, Marcus Castro Ferreira (leia entrevista abaixo).

 

Segura, mas com cautela

Professor titular de cirurgia plástica da Universidade de São Paulo, Marcus Castro Ferreira, 55 anos, tem mais de 30 anos de experiência no manejo do bisturi. Conhecido pelo rigor e bom senso com que trabalha, é um dos mais respeitados da área. Na segunda-feira 17, concedeu entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – A lipoaspiração é segura?
Marcus Castro Ferreira – A experiência demonstrou que a técnica é muito segura se retirados até dois litros de gordura.

ISTOÉ – E acima disso?
Ferreira – O trauma que provoca é de maior grau. Com a penetração da cânula e a manobra da aspiração, destroem-se células, provoca-se sangramento e a reação do corpo será tão maior quanto mais extensa a área operada. Se a agressão é intensa, o organismo pode não conseguir se defender e entrar em choque.

ISTOÉ – A aspiração poderia ser feita em consultório?
Ferreira – Por exemplo, em uma pessoa que operou a mama no hospital, ficou bem, mas sobrou uma bolinha de gordura de dois centímetros embaixo do braço até poderia fazer essa aspiração no consultório.

ISTOÉ – O problema são as clínicas sem estrutura ou os médicos sem qualificação?
Ferreira – Houve uma banalização geral. As pacientes vêem reportagens e acham que a lipoaspiração é coisa simples. Há também o marketing de cirurgiões que tentam dourar a pílula dizendo que não tem problema.

ISTOÉ – Mas as clínicas são seguras?
Ferreira – Não tenho condições de responder isso. Mas sei que cirurgias grandes como reconstrução de mama têm que ser feitas no hospital. Assim como as plásticas combinadas do tipo lipoaspiração mais redução de mama, abdômen etc. O trauma cirúrgico é grande.

ISTOÉ – O que uma clínica precisa para atender o paciente numa emergência?
Ferreira – Tudo. Material de entubação, desfibrilador (para o caso de uma parada cardíaca), medicamentos, banco de sangue numa proximidade razoável e pessoal acostumado a lidar com doente grave.

ISTOÉ – Quem recorre às clínicas está se arriscando?
Ferreira – As pessoas não estão sendo bem informadas. Sabe-se que viajar de avião é caro. Se alguém oferece um teco-teco com uma asa só pela metade do preço, você corre o risco, se quiser. Com a plástica, isso não é muito claro.

ISTOÉ – A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica diz que, desde que a lipoaspiração foi introduzida no Brasil, há 20 anos, foram relatadas cinco mortes. É pouco?
Ferreira – Descontando casos não relatados, o número é baixo. Faz parte do risco cirúrgico morrer. Ninguém vai parar de viajar de avião porque aconteceram desastres aéreos.

ISTOÉ – The New England Journal of Medicine publicou um artigo em que questiona a lipoaspiração, método que causou a morte de cinco americanos saudáveis. Qual a repercussão do estudo?
Ferreira – Eles estão errados com relação à importância da cirurgia. Muitas vezes a plástica é uma psicoterapia com bisturi. Mas se a paciente for confrontada com a possibilidade de que o resultado da operação não fique tão bom, ela poderá decidir não fazê-la. As pessoas não podem ser enganadas. Ninguém deve achar nem que a lipoaspiração é banal nem que mata todo mundo.