A proporção alcançada pelo tsunami de protestos no País nas últimas semanas surpreendeu o Brasil e o mundo. R$ 0,20 abriram a caixa de Pandora das indignações. Para desespero dos governantes, R$ 0,20 não conseguiram fechá-la. As razões de fundo das manifestações ainda não estão claras, mas parecem passar por insatisfação com a classe política, má qualidade dos serviços públicos, corrupção, preços elevados, inflação crescente e, mais recentemente, queda da capacidade de consumo da população. Ainda é muito cedo para saber a real dimensão histórica que as manifestações tomarão, mas, paradoxalmente, algumas de suas consequências políticas e econômicas já são óbvias.

Os protestos já conseguiram conquistas importantes, incluindo reduções de tarifas de transporte, cancelamento de aumentos de pedágios, o fim da PEC 37, a primeira prisão de um congressista condenado por corrupção desde a redemocratização, a destinação dos recursos do pré-sal para educação e saúde e o presidente da Câmara rapidamente pagando por passeio aéreo à custa da FAB. Mais importante, os administradores públicos sabem que seus atos e decisões estão sob o crivo da opinião pública. Porém, tudo na vida tem dois lados. Refletindo uma forte aversão a políticos e partidos estabelecidos, os movimentos são politicofóbicos e partidofóbicos. O perigo é abrir espaço para falsos salvadores da pátria. Lembra-se da caça aos marajás?

Há ainda custos econômicos significativos. Muita gente tem evitado sair de casa ultimamente, o que reduz a atividade econômica. Questionar a conveniência e o montante dos gastos com a organização de megaeventos esportivos é absolutamente legítimo. Por outro lado, tais eventos deveriam impulsionar o turismo no País antes, durante e depois deles, e proporcionar à “marca” Brasil uma visibilidade positiva que impulsionasse negócios e desenvolvimento. Agora, até o super-homem, o ator Henry Cavill, teve medo de vir ao Brasil promover seu filme. Os ônus da Copa e da Olimpíada já são garantidos, mas boa parte dos bônus tornou-se incerta.

Os protestos coagem administradores públicos a zelar pelo bom uso dos recursos, evitando desperdícios e desvios de verbas. Isso é ótimo. Entretanto, requisições como transporte público gratuito, elevação dos recursos para educação a 10% do PIB e outras sugerem uma crença de que, coibidas a corrupção e a má utilização dos recursos públicos, teríamos dinheiro para tudo. Infelizmente, isso não é verdade. Temos, sim, de expandir e melhorar a eficiência dos investimentos em transporte público, saúde, educação, infraestrutura e segurança, mas respeitando nossas restrições orçamentárias. Aliás, qualquer choque de gestão pública no Brasil digno do nome deveria cortar os gastos públicos totais, permitindo a redução e eliminação de impostos.

O Brasil tem hoje a terceira carga tributária mais alta entre 156 países emergentes. Por fim, investimentos têm sido postergados em função das atuais incertezas econômicas e políticas. A expansão da oferta já não conseguia acompanhar o crescimento da demanda, gerando pressões inflacionárias. Menos investimentos são a última coisa de que o País precisa. Não sei até que ponto os recentes PIBinhos colaboraram para os protestos, mas não tenho dúvidas de que os protestos colaborarão para mais um PIBinho este ano.

Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria