Por que Angola? Não sei muito bem. Sempre gostei da África. Desde que li, com dez anos, Tintin au Congo nunca mais parei de sonhar. Quando descobri o capitão Burton, aí foi um choque. Li tudo o que podia e vi todos os filmes imagináveis. Já estive na África do Sul, Quênia, Egito, Marrocos, Tanzânia, Zâmbia, Namíbia. No ano passado estive em um safári no deserto de Namíbia e cheguei até o rio Cunene que faz fronteira com Angola. Ouvi histórias. Decidi que seria um bom lugar para voltar e realizar uma série de fotos. Essas fotos não são fotojornalismo. Elas estão mais perto da ficção do que da realidade. Elas retratam o que eu acho de Angola, mas não são denúncia. Essas fotos não têm compromisso (se for, apenas com meu mundo, meus sonhos). Decidi fotografar tudo o que visse da mesma maneira que fotografaria para uma página de Vogue. Levei o mesmo equipamento: uma Asahi Pentax 6×7, com uma lente normal. Uma câmera considerada pesada. Nessas ocasiões, usualmente os fotógrafos levam um equipamento mais leve. Decidi encarar o peso e o tamanho da minha câmera, porque não queria mudar meu olhar.”

O relato, escrito por J.R. Duran, um dos mais festejados fotógrafos de moda e publicidade do País, tenta justificar o seu fascínio por Angola, ex-colônia portuguesa, há 30 anos mergulhada numa guerra civil que parece não ter fim. Durante dez dias, o fotógrafo visitou a costa e o interior do país, pilotou um helicóptero das Forças Aéreas angolanas e realizou o sonho antigo de ver – e fotografar – uma guerra de perto. As fotos, em preto-e-branco, serão publicadas no próximo número da Freeze, revista trimestral editada por Duran (leia quadro). Nelas estão retratadas o fascínio do fotógrafo não só pela África, como também pela guerra. “Todos os meus ídolos estiveram na guerra: Robert Kapa, na Segunda Guerra Mundial e na Indochina, Richard Avedon, no Vietnã, e Annie Leibowitz, em Saravejo”, diz Duran, referindo-se a seus fotógrafos preferidos. “Só consegui realizar este trabalho porque contei com a ajuda de um publicitário brasileiro, o Sérgio Guerra, que faz um programa de tevê para o exército”, conta.

Desde que se tornou independente de Portugal, em 1975, Angola mergulhou numa guerra civil em que se opõe o partido do governo, o Movimento de Libertação de Angola (MPLA), marxista, e a União Nacional para a Independência Total de Angola, anticomunista. Em 25 anos, o conflito já matou um milhão de pessoas. Angola tem 12,5 milhões de habitantes e um território equivalente ao Estado do Pará. É também conhecida por causa das minas terrestres (há mais de 12 milhões) que mutila um incontável número de pessoas. A expectativa de vida em Angola é de 46 anos e apenas 16% da população tem acesso a água encanada.

Lente – Só mesmo um sonho levaria alguém como J.R. Duran a Angola, um país rico, com diamante e petróleo, mas totalmente empobrecido pela guerra. Conhecido como o fotógrafo das mulheres, esse catalão radicado no Brasil é um dos profissionais mais requisitados para fotografar capas de Vogue, Playboy, Elle, entre outras revistas. Durante os cinco anos que viveu em Nova York (de 1989 a 1994), entrou para o time dos fotógrafos da Harper’s Bazaar e Glamour. Por sua lente já passaram Naomi Campbell, Cindy Crawford, Gisele Bündchen. Alguns de seus ensaios são históricos, como o nu de Maitê Proença na Playboy. Seu trabalho mais recente são as fotos da Feiticeira sem máscara, também na Playboy, que está nas bancas esta semana.

Feliz com o resultado de seu trabalho em Angola, Duran afirma que desejava provar para ele mesmo ser capaz de fazer uma foto, independentemente de um par de peitos. “Corri o risco de levar um tiro. Mas não sei se isso é mais perigoso do que a flechada de uma loura”, brinca.

Imagens de papel

 

 

Uma revista sem anunciantes, sem texto. Apenas com imagens. É assim que J.R. Duran define a Freeze, publicação quadrimensal, com tiragem de três mil exemplares. É concebida no estilo japonês em que a capa vai para a última página. Por isso, pode ser folhada de trás para a frente e vice-versa. Só tem um probleminha. Por enquanto a revista não vai para a banca. Ela é distribuída para um público dirigido, como publicitários e jornalistas. “Na Freeze faço coisas que ninguém me pede. É um desafio onde eu trato de quebrar meus limites”, diz Duran. Neste segundo número, com Débora Secco na capa, a revista terá 40 páginas, com um caderno de 20 páginas dedicado a Angola. “A idéia é sempre ter uma reportagem fotográfica em cada número. O próximo deverá ser sobre sexo e dinheiro em Las Vegas”, conta Duran.