Milú Villela, presidente do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, se diverte ao lembrar seus primeiros passos à frente da instituição que em cinco anos ela elevou ao posto de uma das mais bem-sucedidas do País. No encalço de patrocinadores para a reforma da sede, localizada no parque do Ibirapuera, certo dia foi visitar um famoso escritório paulistano de advocacia. Da janela do prédio era possível ver o luminoso do Banco Itaú, do qual Milú é uma das maiores acionistas. Constrangido com o pedido, o advogado tentou uma saída estratégica. “Por que você não está lá?”, perguntou, apontando para a logomarca do banco. “As pessoas não entendiam muito bem. Nunca tinham visto uma mulher ir pedir dinheiro, meter a cara”, conta Milú. Especialmente se a mulher em questão é uma elegante quatrocentona, habitué das colunas sociais, que assina seus cheques como Maria de Lourdes Egydio Villela. Situações como esta não intimidaram a novata na área cultural. De lá para cá, a neta de Alfredo Egydio de Souza Aranha, fundador do Itaú, trouxe 46 patrocinadores para o museu, que até 1995 não contava com nenhum investidor. Em breve quer chegar nos 50. “Quando vejo num jornal ou revista de negócios que uma empresa vai bem, falo para o meu superintendente: olha uma companhia boa para a gente pegar, vamos marcar uma reunião”, diz a presidente do MAM.

Numa época em que a regra geral é reclamar da falta de recursos, Milú Villela, 52 anos, faz milagres. É uma locomotiva das artes. Iguais a ela, existem outras duas no Brasil. São pessoas apaixonadas por seu trabalho, que não suportam lamúrias e choradeiras. Vão à luta. Em São Paulo mesmo, a garra administrativa se repete na figura do baiano Emanoel Araujo, 59 anos, há oito na direção da Pinacoteca do Estado. Outro exemplo raro é Heloisa Aleixo Lustosa que, aos 73 anos, ainda se encontra cheia de energia para dirigir o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro. Quando chegou ao MNBA, em 1991, esta mineira formada em Filosofia, Ciências e Letras encontrou uma área de dois mil metros quadrados aberta para mostras. Em menos de um ano, dobrou o espaço com as galerias dedicadas à arte dos séculos XVII, XVIII e XIX. “Hoje são nove mil metros quadrados para exposições”, festeja Heloisa, que tem uma agenda apertada até o ano que vem, quando o MNBA vai abrigar uma grande mostra da vanguarda russa. “No início tínhamos de ir atrás de expositores, agora há fila”, comemora.

Depois de ter conquistado o recorde de público da América Latina com a Exposição Monet, que atraiu 432 mil pessoas em 1997, Heloisa registra um outro tento. Em Esplendores de Espanha – de El Greco a Velázquez, aberta em julho, ela conseguiu reunir preciosidades que raramente saem do Museu do Prado, em Madri. Este tipo de confiança por parte das grandes instituições do mundo deve-se a esforços individuais. Em menos de dez anos, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu de Arte Moderna paulista e a Pinacoteca do Estado se prepararam para receber o melhor do acervo internacional. Emanoel Araujo, que em 1995 levou 150 mil pessoas à exposição de esculturas de Auguste Rodin, provocando filas intermináveis até debaixo de chuva, e em seguida esteve à frente de uma grande reforma do espaço, hoje visto como uma obra de arte arquitetônica, pretende repetir o sucesso com mais uma mostra do escultor francês, marcada para janeiro de 2001. “Ganhei um infarto, estou mais velho e pobre, mas todas as metas foram alcançadas nestes oito anos”, afirma o diretor. Na segunda-feira 14, começam cinco novas exposições, entre elas uma de escultura brasileira, com 30 artistas, ampliando a área do museu para o vizinho parque da Luz. Na oportunidade serão também inaugurados a cafeteria e o ateliê de restauro.

Hoje, para Araujo, não existe nada que um telefonema não resolva. “Ligo para o Joseph Safra (dono do Banco Safra) ou o Jens Olesen (presidente da agência McCann-Erickson) e pergunto: tem algum dinheiro sobrando aí? A gente vai catando assim.” Acostumado às adversidades, Emanoel Araujo atribui muito de seu sucesso à teimosia arraigada. Aprendeu desde cedo que ela é fundamental e que é preciso ter disciplina. A cobrança diária de sua equipe de 100 pessoas já lhe valeu o apelido de Tirano da Luz, referência ao bairro onde o museu está localizado. Ele gosta do codinome e agradece o temperamento de “diretor atípico, que pega na enxada”, herdado de uma professora do primário, d.Carminha, com quem estudou em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Afeita a todo o tipo de terror, como palmatória, golpes de régua e puxões de orelha, a professora exagerava nas aulas de caligrafia, quando chegava a furar o dedo dos alunos que não seguiam seus métodos medievais. “Eu me rebelo até hoje e já tive muito cheque devolvido porque não consigo fazer minha assinatura da mesma forma.”

Carícia de operário – Para alimentar o que Araujo chama de “obstinada vontade” de fazer as coisas, costumava fumar dois maços de cigarro por dia. Depois do infarto, parou. Prefere andar muito, inclusive pelo museu. Em sua jornada de trabalho, das 9h às 23h, está sempre checando assuntos. Preocupa-se até com o estado da tampa do vaso dos toaletes. Um dia observou o gesseiro acariciar a escultura Sapho, feita em mármore branco por Francisco Leopoldo e Silva. Teve ímpetos de ralhar com o operário. Mas deixou para lá. Talvez porque o gesto era uma prova de que o “povo” gosta de arte. Muita gente entra lá de graça. No MAM de São Paulo, que em outubro abre a mostra Expressionismo alemão, com 100 obras, a entrada só é liberada nas terças-feiras, mas a presidente faz de tudo para atrair o visitante. “Aqui pode vir de short, suado, de camiseta, de qualquer jeito”, avisa Milú, que antes de ser convidada para dirigir o museu achava o lugar elitista.

Devido ao êxito da sua gestão, recentemente Milú foi cotada para substituir o arquiteto Carlos Bratke na presidência da Fundação Bienal de São Paulo, o qual havia aberto mão do cargo na reunião de 10 de julho. De acordo com a presidente do MAM, como a ata não registrou o fato – “numa clara manobra política” – ela saiu do conselho da Bienal deixando a confusão no ar. Milú é assim, uma pessoa de decisões rápidas, cuja personalidade se reflete no guarda-roupa formado sempre por peças de cores vibrantes. No comando de 60 pessoas, ela arquiteta planos impensáveis. Depois de criar filiais do museu em cinco shopping centers e de ter inaugurado duas salas de exposição dentro da Nestlé, pretende partir para o interior de São Paulo, abrindo em 2001 uma galeria num shopping de Campinas. “Sou muito elétrica, se tomo um café, não durmo,” conta. Ela sabe que precisa puxar muitos vagões.

Colaborou Celina Côrtes (RJ)