No previsível mundinho de uma família classe média americana do Mississippi, a mãe toca piano na sala, o pai se entretém com as contas domésticas, enquanto a filha se enrosca com o namorado no quarto. É chegado o ansiado momento do beijo, o primeiro dela. Mas, depois de colar seus lábios nos dele, fica aterrorizada ao ver o rosto do garoto se transformar, as veias incharem na proporção das tripas de um porco até desmaiar e em seguida permanecer em coma por três semanas. Ela ainda não sabe, mas foi sua estréia atordoante como mutante. Filhos do átomo, eles são considerados o próximo elo na cadeia da evolução, pois nasceram de uma mutação genética singular, manifestada só a partir da puberdade em forma de poderes extraordinários como os da adolescente, capaz de absorver toda a energia de quem a tocar. Já na estrada em busca de uma razão da sua existência, Vampira – esse mesmo o nome – vai aos poucos encontrar seus pares e embarcar na aventura alucinante de X-men o filme (X-men, Estados Unidos, 2000) – estréia nacional na sexta-feira 11, em 300 salas –, baseado na cultuada história em quadrinhos de Stan Lee, criada em 1963.

X-men o filme estreou nos Estados Unidos no dia 14 de julho arrebanhando US$ 55 milhões no primeiro final de semana. Em meio mês faturou US$ 125 milhões. De imediato suplantou os US$ 75 milhões gastos na produção de uma saga que reúne todos os elementos para agradar não só os fãs radicais dos quadrinhos originais como os amantes de uma ficção científica bem elaborada, consistente, na qual os esperados efeitos especiais não brilham mais que os atores. Raríssimas vezes, aliás, uma fita do gênero conseguiu traduzir tão bem o caráter dos personagens com um elenco cujos talentos se colocam muito acima do poder de seus nomes de atrair grandes platéias. A começar pelos ingleses shakespearianos Patrick Stewart, que encarna o mutante do bem, o supertelepata professor Charles Xavier, e Ian MacKellen, que veste a pele do vilão Erik Lehnsherr, ou Magneto, um mutante sombrio, descrente da sociedade, habitante de uma ilha cheia de cavernas e túneis.

Ao lado de Xavier estão os super-heróis em conflito com seus defeitos, qualidades e poderes. Eles são Tempestade (Halle Berry), dominadora do clima; Ciclope (James Marsden), detentor de olhos com potência de laser; Jean Grey (Famke Janssen), telepata; e os recém-enturmados Vampira (Anna Paquin) – ou Rogue, como preferem os quadrinófolos – e o irascível Wolverine, o mais emblemático dos X-men, admirado pela maioria dos leitores dos quadrinhos. Interpretado pelo australiano Hugh Jackman, bastante conhecido na sua terra natal, mas na Europa lembrado apenas por quem o assistiu no papel de Curly, do musical londrino Oklahoma!, o ator carrega todo o perfil para ser a próxima grande aposta de Hollywood, depois do estouro de Russell Crowe em Gladiador. Assim como Crowe, o novo rude exibe músculos e boa interpretação na medida certa. Seu Wolverine, dono da força da cura, percepção e faro de felino, e com um esqueleto de metal que lhe possibilita soltar afiadas garras retráteis, é praticamente o fio condutor deste filme inventivo, de história compreensível mesmo pelos não iniciados e cheio de mensagens alegóricas contra o preconceito, a intolerância. Em recente entrevista, o jovem diretor Bryan Singer também considerou X-men uma metáfora das minorias, já que os quadrinhos surgiram em plena ebulição dos costumes, nos decantados anos 60.

Silicone azul – É na composição de um dosado maniqueísmo na luta do bem contra o mal, que Magneto comanda sua trupe de mutantes perversos. Magneto quer o controle da raça humana. Por ambição e temor, principalmente depois que o senador Robert Kekky (Bruce Davison) propõe uma rígida lei de segregação aos seres diferentes, a maior parte deles confinada numa escola para superdotados, dirigida por Xavier. À espreita de todos eles estão o monstrengo Dentes de Sabre (Tyler Mane); Groxo (Ray Park), que esconde uma língua assassina de mais de quatro metros; e a quase indescritível Mística (Rebecca Romijn-Stamos), que pode se transformar em qualquer pessoa. O visual de Mística é um show à parte. Diariamente, Rebecca enfrentou a média de dez horas na sala de maquiagem para aplicações de 70 próteses adesivas de silicone ao longo de todo o corpo, depois pintado de azul anil. A composição final ganhou ainda mais impacto com uma reluzente peruca vermelha e lentes de contato amarelas. Tanto empenho só podia gerar fervor e um divertimento nota dez.