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Qualquer pesquisa que seja feita hoje em torno do nome Henry Sobel trará invariavelmente, nas primeiras linhas, um episódio que ganhou enorme projeção em 2007. Uma das mais visíveis e proeminentes lideranças religiosas do País havia sido flagrada furtando uma gravata em uma loja num shopping center na Flórida. Sua participação na luta contra a ditadura militar, no movimento que exigia a volta das eleições diretas, na aproximação entre religiões e povos eternamente em conflito e até mesmo seu gosto pela vida social e pelo trânsito entre famílias abastadas e poderosas, tudo fica reduzido a algumas linhas na parte de baixo da tal pesquisa.

Pouco depois, Sobel chegou a pedir desculpas através das câmeras do “Jornal Nacional” e tratou do assunto em sua biografia lançada em 2008, mencionando inclusive um incidente semelhante que já teria ocorrido bem antes, em 1985. Na época, Sobel e seus advogados falaram em um problema de saúde e no uso de um medicamento para dormir chamado Rohypnol que o teria levado a cometer atos impensados. Hoje, seis anos depois do episódio, com o distanciamento que o tempo proporciona, Sobel escreveu, a convite da Trip, uma carta aberta pedindo perdão por seus erros. Uma atitude que imediatamente faz refletir e que, em boa medida, devolve ao seu autor a dignidade que o erro pode lhe ter retirado. A íntegra da carta é inédita e segue aqui com exclusividade para os leitores da coluna:

“O que há de tão significativo no perdão? Pensemos em nossa própria vida.
Em primeiro lugar: é bom ser perdoado. Quando eu era menino, ser perdoado era uma necessidade diária. Sempre que eu cometia um erro, eu podia contar com a compreensão, a ternura, o perdão de meus pais. Eu me lembro da sensação… Um grande peso sendo tirado de meu coração; uma gostosa certeza de ser aceito; um laço inquebrável de amor. É bom ser perdoado.

Em segundo lugar: é bom perdoar. Quando cresci, foi a minha vez de conceder perdão aos meus pais pelos seus erros e fraquezas, reais ou imaginários. É um estágio natural no processo de amadurecimento compreender os nossos pais e perdoá-los por serem menos perfeitos do que gostaríamos. Eu me lembro da sensação… A crítica se abrandando, os ressentimentos se dissolvendo, a consciência do afeto libertando a alma. É bom perdoar.

Em terceiro lugar: é bom perdoar a si próprio. Quando me tornei rabino, eu era muito intolerante comigo mesmo. O autojulgamento era severo, e o sentimento de culpa, duradouro… Até que eu me conscientizei de que o rabino também é um ser humano e, portanto, falível. Eu sofri na pele as consequências de um erro cometido, em 2007, nos EUA, que é de conhecimento de todos. Até hoje eu trabalho internamente para compreender e aceitar o meu ato. Eu tento me perdoar; não é fácil.

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Perdoar não é esquecer. Se fosse, não haveria mérito algum no perdão. Não: perdoar é reconhecer plenamente a falta cometida, analisar cuidadosamente a situação, e desculpar conscientemente o culpado. Sem penalidades, sem jogar culpa, sem recriminações, sem reviver o passado, sem ares de superioridade. Perdoar é o ato de reconstruir o relacionamento original, uma tentativa de recuperar a inteireza inicial e a determinação de procurar um começo mais bem-sucedido.

É impossível sobreviver se as raças não perdoarem depois de tanta intolerância e preconceito. É impossível sobreviver se as religiões não perdoarem depois de tanto ódio e perseguição. É impossível sobreviver se as nações não perdoarem depois de tantas guerras e derramamento de sangue. Em toda parte, as pessoas têm que dizer umas às outras: Volte, eu te perdoo; eu te amo; vamos tentar novamente; não é tarde demais!
Abraços, Henry I. Sobel. Rabino Emérito.”

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente


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