Avesso a celulares e adepto de conversas olhos-nos-olhos curtas e produtivas, o empresário paulista Antônio Ermírio de Moraes, um dos proprietários do conglomerado de 96 empresas que integram o Grupo Votorantim, “foi pra rua” diversas vezes como um solitário idealista a enxergar bem demais e longe demais. Pisou asfalto e amassou barro acalentado sobretudo por três inabaláveis crenças – as duas primeiras são as de que é imprescindível melhorar a educação e o sistema de saúde para melhorar o País. A terceira fé desse católico fervoroso é a soma das duas anteriores: Antônio acredita no Brasil. Ele não se cansava de repetir “(…) o brasileiro é tolerante. Se o Brasil tivesse sido colonizado por espanhóis, eles já tinham posto fogo na nação.” Antônio sabe que a Revolução Francesa começou com o aumento do preço do pão e foi dar no Terceiro Estado. Se o estamento estatal-burocrático e patrimonialista, que por aqui ganhou o elegante rótulo de “classe política”, ouvisse esse empresário econômico nas frases, mas esbanjador de dados e estatísticas corretos a cimentar suas teses, o País estaria de fato mais educado e saudável.

Uma das incontáveis ocasiões em que Antônio pisou asfalto era sábado de manhã. Abriu o jornal e uma notícia lhe gritou “vem pra rua”: o Colégio São Bento, um dos mais tradicionais do Brasil, localizado no centro de São Paulo, ia fechar as portas porque seu prédio apodrecera e os recursos financeiros haviam minguado. Antônio se dirigiu imediatamente a pé para o colégio e foi barrado pelo frade que o atendeu porque o religioso pensou que ele estava ali para vender mercadorias, mas se viu salvo pelo diretor que o reconheceu e lhe perguntou: “Em que posso ajudá-lo, dr. Antônio?” Era o inverso: o empresário salvou o São Bento. Antônio amassou barro na gigantesca favela de Heliópolis, uma das maiores da América do Sul, vinte e quatro horas depois que um incêndio a flagelara ainda mais. Olhou escombro e cinza pessoalmente. Conversou com o maestro Silvio Baccarelli. Entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe pelo outro a fala do bloco dos políticos acomodados de que a favela queria escola de samba. E, juntamente com o maestro, formou uma orquestra sinfônica na qual ingressou o garotinho que “pintava” como futuro líder do tráfico – o menino cresceu e tornou-se músico profissional. A orquestra foi premiada em Berlim. O São Bento e a favela são só dois exemplos de como Antônio acreditava no poder transformador social da educação. E acreditava no Brasil.

Durante quatro décadas, incansavelmente, o empresário ia “pra rua” e pessoalmente administrava o Hospital Beneficência Portuguesa, referência na área da saúde, do qual era mantenedor. Certa vez notou desperdício de esparadrapo e provou que haviam gasto em três meses sete mil metros quadrados do produto. Ele punha ordem na casa. Esse é o Antônio que acredita no Brasil acreditando na melhoria dos hospitais. Para finalizar, o Antônio católico foi “pra rua” e salvou a Catedral da Sé, juntamente com os banqueiros Lázaro de Mello Brandão, Olavo Setubal e José Safra. Um dos traços do caráter do empresário era manter-se no maior anonimato possível em relação às suas obras sociais – mas tanto fez que alguns de seus atos não tinham como não se tornarem públicos. Essas e outras caminhadas estão na excelente biografia “Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um Diário Confidencial”, escrita pelo amigo de 35 anos e Ph.D. em sociologia pela University of Wisconsin, José Pastore. Leitura obrigatória em Brasília e para os manifestantes de todo o País. Dá sim para acreditar no Brasil.

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ