A revelação de que um bispo da Igreja Ortodoxa é gay tinha tudo para ser a história da semana na Rússia, não fosse o país governado por quem é. O presidente Boris Yeltsin, mais uma vez, roubou a cena. Já adquiriu uma formidável capacidade de deixar seus conterrâneos de cabelos em pé, seja quando se ausenta do poder, devido à saúde precária ou aos excessos do copo, ou, paradoxalmente, quando retorna ao Kremlin e exerce suas prerrogativas presidenciais. Desta vez, Yeltsin abriu mais uma crise política no país ao demitir, na quarta-feira 12, seu primeiro-ministro, Yevgueni Primakov, colocando em seu lugar o ministro do Interior, Serguei Stepashin.

O problema de Primakov, ex-chanceler com bom trânsito entre liberais, comunistas e nacionalistas, considerado um dos poucos políticos honestos em Moscou, é que ele foi bom demais no cargo. Nome de consenso, ele tinha assumido o posto em setembro do ano passado com a árdua missão de trazer estabilidade ao país, que acabara de passar pela quebra financeira, um mês antes, e estava envolto num verdadeiro "pega-pra-capar" político. Primakov cumpriu a tarefa, acalmou a Rússia. E ganhou popularidade, que veio acompanhada de uma projeção política crescente. O premiê começou a ofuscar Yeltsin, que, por sua vez, via seus índices de aprovação baixarem até a casa de um dígito. Quem conhece o estilo do presidente russo, que promove periodicamente mudanças radicais no gabinete para, bem ou mal, manter o poder em suas mãos, já podia prever a queda de Primakov. Na mensagem que leu em cadeia nacional de tevê, Yeltsin justificou a dispensa dizendo que "a economia não melhorou" e uma mudança não poderia ser adiada.

Não poderia mesmo. Sua estratégia era deflagrar uma guerra aberta à Duma (Câmara Baixa do Parlamento), controlada pela oposição comunista e nacionalista, que no dia seguinte dava início às discussões sobre um possível impeachment do presidente. Sobre Yeltsin pesam cinco acusações, entre elas a de ele ter sido o responsável pelo fim da URSS em 1991 e a de ter desencadeado a guerra contra a Chechênia. O impeachment, porém, sempre apareceu como uma possibilidade distante, uma vez que o processo tem que ser aprovado por juízes de cortes altas indicados por Yeltsin.

Mais uma vez o presidente e os deputados vão entrar num cabo-de-guerra. O nome do novo premiê, Stepashin, precisa ser aprovado pelos parlamentares, coisa que não deve acontecer. Yeltsin pode apresentar mais dois nomes. Se eles também forem recusados, a Duma será automaticamente dissolvida e novas eleições serão marcadas. Se os parlamentares, entretanto, tiverem dado início ao processo de impeachment (a decisão deveria sair no sábado 15), a casa não pode ser dissolvida. Nesse caso, a política russa entra, mais uma vez, numa sinuca de bico.