Parecia um berçário de prêmios Nobel. Mais de mil garotas e garotos de 12 a 20 anos de 47 países exibiam mirabolantes projetos científicos e tecnológicos. Rostos quase infantis destoavam de experiências sofisticadíssimas, como bases para vacinas, sensores para terremotos ou pesquisas sobre câncer e Alzheimer. Foi a 50ª International Science and Engineering Fair (Isef), considerada a olimpíada das feiras de ciências de estudantes de high school no mundo. Realizada há duas semanas na Filadélfia, nos Estados Unidos, a Isef é patrocinada pela Intel Corporation, a maior fabricante de chips para PCs do mundo.

Num momento em que adolescentes matam seus colegas de escola ou são tachados de inúteis e perdidos, é um alívio saber que, num cenário tão desesperançoso, há mentes brilhando, inventando e pensando questões muito além de sua tenra idade. "São quase crianças e seus trabalhos são teses de doutorado", atesta Dudley Herschbach, prêmio Nobel de Química em 1986, um dos juízes do evento. "Menos compromissados com métodos científicos, eles experimentam e descobrem coisas incríveis." Dez estudantes brasileiros participaram dessa formidável aventura intelectual. Foram nove garotas e um garoto, gente produtiva e esforçada, saída não só de colégios ricos – como a Escola Americana de Campinas –, mas também de escolas técnicas modestas como o Senai de São Bernardo e escolas de Novo Hamburgo (RS) e Ponta Grossa (PR). Três meninas foram premiadas.

A maioria dos jovens na Intel-Isef era americana. Em diversas categorias, alguns ganharam prêmios de US$ 5 mil, US$ 10 mil ou bolsas de estudo de US$ 70 mil em universidades americanas. Ali, olheiros de grandes empresas também caçam talentos precoces. Havia é claro as caricaturas de gênios e verdadeiras maquetes de Bill Gates. Mas também era possível avistar gente modesta como Sri Sholichatun e Nailil Hinmah, duas meninas de 17 e 18 anos, muçulmanas, da Indonésia. Foram premiadas por descobrir a utilidade de uma planta nativa capaz de substituir uma fibra importada para confecção de sacos de arroz, importante atividade agrícola daquele país. "Com essa planta, baratearíamos em 100% os custos de importação", explica Sri, que ajuda o pai na fazenda de arroz e gasta 40 minutos para chegar de bicicleta em sua escola.

Bem diferente da realidade do americano Lev Horodyskyj, 16 anos, estudante em Ohio, filho de um engenheiro e de uma física. Tirou segundo lugar pela Society of Exploration Geophysisists por inventar uma máquina capaz de diminuir a vibração de prédios durante terremotos. Testou seu experimento numa escala pequena e obteve 46,3% de eficiência. "Enfrentei um terremoto na Califórnia e vi um prédio à prova de abalos desabar. Há cinco anos me interesso pelo assunto, mas é apenas um hobby", diz Lev, que estudará Astrofísica e Relações Exteriores na Universidade Johns Hopkins em 2000. Para Lev, a violência que detona tragédias nas escolas americanas tem um motivo: "São jovens sem mentores. Só sugiro que se apaixonem por alguma coisa e lutem."

Havia 53% de garotos e 47% de meninas. Mas a delegação brasileira, com nove meninas, apontava uma desproporção. "As mulheres brasileiras estão avançando nas ciências", vibrava a estudante Carolina Galvão, 15 anos, aluna da Escola Americana de Campinas. Ela e sua colega Carolina Pavan, 16, tiraram segundo lugar na categoria team projets (projetos em equipe) e embolsaram US$ 1.500. Também ganharam um prêmio do Albert Sabin Vaccine Institute, em Washington. Elas desenvolveram base para uma vacina contra as bactérias Salmonella tiphymurium e Escherichia coli, que provocam diarréia. Na Intel-Isef do ano passado, as duas ganharam primeiro lugar com um estudo sobre rotavírus da United States Patent Office, órgão do Ministério do Comércio Americano. A aluna Gabriela Ruegger, 16 anos, também foi premiada com US$ 500 pela American Veterinary Medical Association por propor um suplemento alimentar à base de farinha de minhoca, rica em proteínas. A estudante Marieta Solé, 15 anos, da mesma escola, pesquisou o desenvolvimento do vírus da dengue dentro do mosquito Aedes aegypti. "O melhor prêmio que nós, professores, podemos receber é dar asas para nossos alunos voarem muito além do que eles imaginam", diz a professora de Biologia Vivian Schlesinger.

Diferenças Uma ressalva: havia dois Brasis representados nessa incubadora de gênios. O Brasil elitizado das meninas da escola americana que se comunicavam em inglês fluente e que moraram fora do País várias vezes. Ao lado, o Brasil dos alunos de escolas técnicas, com dificuldades financeiras e dependentes da força solitária e voluntária de professores mal pagos, fora do horário de aula. Ali estavam Ana Paula Roca Volpert e Fernanda Potomati, ambas de 19 anos, alunas do Senai Mário Amato, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Elas inventaram um processo de reciclagem de alumínio que substitui o existente em pequenas e médias indústrias. Foram premiadas na 13ª Mostra de Ciência e Tecnologia da América do Sul, organizada pela Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. "É um processo menos poluente e mais barato", diz. No Brasil, as duas enfrentaram discriminação por ser mulheres e jovens. "Fomos a alguns lugares onde nos diziam: ‘Meninas?! Trabalhando com alumínio?!’ Até nos confundiram com garotas de programa num evento sobre o material. Este ano, vamos expor nosso trabalho", orgulha-se Ana Paula. Orientadora delas, a professora Édina Uzelin diz: "Viramos noites, tiramos dinheiro do bolso para vir."

Para a estudante Taís Vargas, 19 anos, de Ponta Grossa (PR), a batalha foi mais solitária. "Vi um folheto da Mostratec, a feira de Novo Hamburgo, e corri atrás sozinha. A vinda para os Estados Unidos foi fruto desse esforço", diz ela. Seu projeto é enriquecer pães e bolos com fibras de jaracatia, uma planta da mesma família do mamoeiro, comum em sua região. "Falsificam cocada com essa planta, que é muito rica em fibras", conta ela. "Adicionei em pães e bolos para aumentar o teor de fibras. É ideal para quem não come salada", diz. Taís testou em pães de hambúrguer e obteve 5% de fibra no pão sem alterar o sabor. A dupla Graziela de Quadros Cislaghi, 17, e Graziela Lissarana dos Santos, 18 anos, alunas da Fundação Liberato, defendeu a tese de que o controle de qualidade dos corantes artificiais em pó para refrescos e gelatinas é controvertido no País. "No Brasil são legais, mas na legislação americana e canadense algumas substâncias são proibidas", diz Cislaghi. "Os riscos são reações alérgicas, câncer ou má-formação fetal", diz Lissarana.

Todos passaram noites sem dormir, abriram mão de férias e diversão. Mas não deixaram de ser adolescentes. É saudável que, como um bom teenager, o estudante gaúcho Márcio Gomes, 20 anos, de Novo Hamburgo, se esforce tanto para divulgar o e-mail de sua banda de rock – a Trator (https://welcome.to/Trator) – quanto seu invento de informática. Trata-se da automação de um procedimento na área de calibração de medidores – usados em empresas de usinagem –, que hoje é manual e leva duas horas para ser feito. "Com meu software leva dez minutos", diz Márcio. É estranho que grandes escolas brasileiras não se interessem por eventos tão incríveis como esse. Talvez por confundir pesquisa científica com curso profissionalizante. "Pode ser por desconhecimento. Ou falta interesse. Um de nossos garotos pediu apoio ao MEC e não veio por falta de dinheiro", diz Hélio Luiz Brochier, diretor executivo da Fundação Escola Técnica Liberato Vieira da Cunha, que organiza a Mostratec em Novo Hamburgo. Um dos prêmios da Isef é uma viagem ao Brasil para expor nessa feira, a maior da América Latina. "Passamos a incentivar nossos alunos a ser seus próprios empreendedores", diz. Mas o diretor ressalva: "Que isso não os iniba de serem garotos e garotas para viver sua adolescência."