O juiz Edmundo Franca de Oliveira, um sergipano de 53 anos, guardou por 18 anos segredos de Estado sobre um dos maiores atentados políticos praticados no Brasil: o do Riocentro, feito por militares na madrugada de 30 de abril de 1981. Em julho daquele ano, aos 35 anos e com dois anos de Ministério Público, ele sucumbiu às pressões que culminaram com a sua decisão de aceitar o relatório assinado pelo coronel Job Lorena de Sant’Anna, que hoje ele reconhece ter sido uma farsa. Na condição de juiz-auditor da Terceira Auditoria do Exército, no Rio, ele foi escolhido para a missão de definir o desfecho do caso. Agora na presidência da Associação dos Magistrados da Justiça Militar, e ainda na ativa, faz uma autocrítica. "Decidi como simples cidadão, politicamente, e não como juiz." Edmundo revela histórias inéditas do atentado em depoimento a ISTOÉ: "A bomba do Riocentro não foi um ato isolado do sargento Guilherme Rosário e do capitão Wilson Machado, e teve respaldo da alta hierarquia do regime". Assegura que "o abafamento do caso teve dois responsáveis: o ministro do Exército Walter Pires, e o ministro do Serviço Nacional de Informações Octávio de Medeiros. O procurador-geral da Justiça Militar, Kleber de Carvalho Coelho, deverá decidir até o início de junho se o caso será reaberto.

ISTOÉ – Quem foram os responsáveis pelo atentado no Riocentro?
Edmundo Franca de Oliveira – Só sei dizer que não foi um ato isolado do sargento Rosário e do capitão Wilson Machado. Claro que teve a participação e o respaldo do alto escalão. A comunidade de informações era muito atuante, forte, politizada e procurava influir nos destinos do País.

ISTOÉ – E quanto aos atentados contra a OAB, a Câmara de Vereadores e as bancas de jornais?
Edmundo Havia uma ligação entre aquelas bombas. A do Riocentro não foi um caso isolado.

ISTOÉ – Que pretendiam os autores do atentado?
Edmundo Abortar o processo de redemocratização. O objetivo era esse. Os radicais estavam insatisfeitos com a volta de exilados como Prestes, Arraes e Brizola, que chegava na condição de candidato ao governo do Rio de Janeiro.

ISTOÉ – Por que o governo não garantiu uma investigação séria?
Edmundo Algumas pessoas que defendiam a apuração do atentado chegaram à conclusão de que o governo não tinha condições de assegurá-la. Logo se aperceberam que havia uma resistência por parte do ministro do Exército e do ministro do SNI, general Octávio de Aguiar Medeiros. Eles bloquearam o caminho que levava a uma apuração mais profunda.

ISTOÉ – Por que o sr. não aprofundou as investigações?
Edmundo Homens influentes do regime consideravam que o momento não era conveniente para a redemocratização. Poderia haver uma queda-de-braços entre os radicais que pretendiam abortar a abertura política e o presidente Figueiredo. E os radicais provavelmente venceriam a batalha. Não tenho dúvida de que haveria um retrocesso se houvesse este confronto. O pessoal que era contra a apuração do atentado e contra a abertura dispunha de meios suficientes para virar a mesa.

ISTOÉ – O que poderia acontecer com o presidente João Figueiredo se houvesse uma apuração séria do caso?
Edmundo Ele não tinha como se contrapor àquelas forças que eram contra a investigação do atentado. Se ele forçasse a apuração, correria riscos.

ISTOÉ – O sr. foi pressionado a aceitar o relatório do coronel Job?
Edmundo – Houve pressões fortíssimas da comunidade de informações e do ministro do Exército, general Walter Pires.

ISTOÉ – Que tipo de pressões?
Edmundo – Recebi certos conselhos no sentido de preservar minha carreira, coisas desse tipo. Recebi também convite para conversar com o general Gentil Marcondes Filho, então comandante do I Exército, e com o coronel Job.

ISTOÉ – O que exatamente o fez decidir pelo arquivamento do processo?
Edmundo Foi a consciência do dever que eu tinha de preservar as instituições e o processo de abertura. Achava que as instituições não estavam fortemente estruturadas para enfrentar um possível impasse que iria ocorrer, já que o general Walter Pires não admitia que as conclusões do relatório fossem revistas. Ele dizia que a sociedade, aceitando ou não aceitando o desfecho do caso, não teria outra versão senão aquela apresentada pelo coronel Job.

ISTOÉ – O sr. chegou a sofrer ameaças?
Edmundo O processo do Riocentro me prejudicou muito. Naquele momento, exigia-se lealdade absoluta ao que o sistema decidia. O ministro Walter Pires impediu minha transferência para Brasília, depois de minha mulher ser aprovada em concurso na capital da República.

ISTOÉ – O que deveria acontecer com o capitão Wilson Machado?
Edmundo O capitão, que era do DOI-Codi e tinha ligações com a área de informações, deveria ter sido indiciado, processado criminalmente.