No final da manhã da quinta-feira 13, a cúpula do PMDB foi ao Palácio da Alvorada para ouvir juras de amor do presidente Fernando Henrique Cardoso. Além da gratidão presidencial pelo papel decisivo do partido na manobra que tirou o ministro da Fazenda, Pedro Malan, dos holofotes da CPI dos Bancos, os peemedebistas receberam aval para que dezenas de pedidos de nomeação de apadrinhados políticos sejam finalmente atendidos. Só que ouviram muito mais do que isso. FHC aproveitou o encontro para revelar seu novo xodó na equipe econômica. Os olhos presidenciais que já brilharam por Gustavo Franco e Pedro Malan agora se encantam pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que em dois meses baixou os juros e segurou o dólar. "Esse rapaz é humilde, muito competente e tem capacidade de decisão", disse Fernando Henrique. O aplauso a Fraga é também uma crítica ao ministro da Fazenda. Faz sucesso na Esplanada dos Ministérios a piada de que Malan é tão avesso a resolver conflitos que seria incapaz de arbitrar uma briga entre o porteiro e a empregada doméstica de sua própria casa. O entusiasmo presidencial cresceu em sua viagem aos Estados Unidos no começo da última semana. Com o otimismo habitual, FHC relatou aos peemedebistas seu sucesso em terras americanas, quando foi ovacionado por platéias de investidores e se encontrou com o presidente Bill Clinton. Contou também que o novo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, puxou o coro de elogios de autoridades e investidores americanos ao trabalho de Fraga. O sinal verde que faltava para a troca de guarda no Ministério da Fazenda sem reações da comunidade financeira internacional. Dois ministros muito ligados a FHC disseram a ISTOÉ que os dias de Malan no governo estão contados. "O presidente só está esperando baixar a poeira da CPI para fazer a mudança", confidenciou um deles. "O sucesso do Armínio viabiliza a substituição de Malan", endossa um líder tucano no Congresso.

Enquanto Armínio e sua equipe tocam a economia, o ministro da Fazenda gasta o tempo com outras coisas. Dedica-se, cada dia mais nervoso, a uma tarefa impossível: convencer o País de que nada sabia sobre a operação de socorro aos bancos Marka e FonteCindam, que causou um prejuízo de R$ 1,4 bilhão aos cofres públicos. Uma tentativa de preservar sua reputação, que acaba causando mais constrangimentos ao governo. Afinal, se o socorro aos dois bancos foi correto, como ainda insiste o Banco Central, por que motivo o ministro da Fazenda foge da responsabilidade de defender a operação? Nessa cruzada, Malan cria embaraços de cima a baixo na hierarquia federal. Para evitar que ele compareça sob juramento à CPI, FHC teve que aceitar imposições dos partidos aliados, como a de fazer a contragosto nomeações políticas para diversos escalões do governo. Num acordo avalizado pelo presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, e o líder do PMDB, Jader Barbalho, a CPI praticamente arquivou o requerimento de convocação de Malan, na terça-feira 11. Como os depoimentos dos banqueiros Salvatore Cacciola, do Marka, e Luiz Antônio Gonçalves, do FonteCindam, na CPI presidida pelo senador José Roberto Arruda (PSDB-DF), pouco acrescentaram às investigações, o roteiro imaginado pelo governo começa a virar realidade. No mesmo dia 11, os líderes do PMDB e do PFL, Geddel Vieira Lima (BA) e Inocêncio Oliveira (PE), foram ao Palácio do Planalto cobrar a fatura. Levaram listinhas com pedidos. "Finalmente passaremos a ser tratados como aliados de primeira linha", comemorou o deputado Henrique Eduardo Alves (RN), vice-líder do PMDB.

Cai a farsa Se o chefe de Malan teve de ceder à gula por cargos dos partidos aliados, os subordinados do ministro da Fazenda enfrentaram um constrangimento ainda maior. Numa tentativa de sustentar a versão de Malan, foram pegos mentindo em seus depoimentos à comissão de sindicância do Banco Central, à Polícia Federal e à CPI do Senado. Foi o caso do procurador-geral em exercício do BC, Francisco Siqueira, que jurou não ter visto o ministro na manhã do dia 15 de janeiro, quando foi concretizada a operação de socorro aos dois bancos quebrados. De nada adiantou. Na quinta-feira 6, o depoimento da procuradora do BC Fátima Regina Máximo Martins à PF desmontou a farsa. Ela contou que, em companhia de Francisco Siqueira, foi a uma reunião no gabinete de Francisco Lopes na Diretoria de Política Monetária (Dipom). Lá, num ambiente tenso, viu Malan na sala em que se discutia a solução para os casos Marka e FonteCindam. "O ministro estava observando telas de alguns terminais de microcomputadores instalados no recinto", revelou Fátima à Divisão de Crime Organizado e Inquéritos Especiais da Polícia Federal. Enquanto a procuradora era colocada a par das providências a serem tomadas para salvar os dois bancos, Malan permaneceu na sala por dois ou três minutos.

A primeira reação do ministro foi voltar toda sua fúria para a jovem funcionária do banco. Acuada, Fátima Regina passou a semana inteira fugindo da imprensa. Mas, como não colou a história de que o ministro estava o tempo todo em outra sala, o próprio ex-presidente interino do Banco Central Demosthenes Madureira de Pinho Neto acabou confirmando que Malan, de fato, estava na Dipom no dia em que fecharam a operação dos dois bancos, exatamente na mesma sala e nas mesmas condições em que Fátima Regina declarou na PF. O Ministério da Fazenda tratou então de providenciar uma nova explicação. Preparou uma planta do gabinete de Chico Lopes com o propósito de comprovar que, de onde estava, nada tinha condições de ouvir. Outro tiro pela culatra. A cerca de cinco metros da discussão sobre a operação com os dois bancos, Malan, que não tem problemas auditivos, poderia perfeitamente ouvir a conversa e tomar conhecimento das operações. Caso já não soubesse delas. De acordo com a versão de Demosthenes na CPI, o ministro ainda teria outra oportunidade de se informar sobre o socorro aos dois bancos. Enquanto jantava com Malan em um restaurante de Brasília, Chico Lopes recebeu duas ligações do então diretor de Fiscalização do BC, Cláudio Mauch, que atualizava o chefe sobre a discussão para salvar o banco Marka.

Essas são evidências públicas de que Malan sabia, confirmando reportagem publicada na última edição de ISTOÉ com base em informações de funcionários do BC e da PF. Apesar de a CPI ter decidido encerrar a apuração sobre a ajuda do BC aos dois bancos sem ouvir Malan nem a procuradora Fátima Martins, a PF continua a investigar sua participação no caso. Cada vez mais angustiado, o ministro passou a disparar cartas para todos os lados. O ministro da Justiça, Renan Calheiros, que comanda a PF, é o destinatário preferido. Depois de pedir ao colega da Justiça que lhe desse um atestado de que nada sabia sobre as "atípicas" operações com o Marka e o FonteCidam, Malan cobrou de Renan na última sexta-feira uma intervenção direta no trabalho policial. Quer agora que Renan descubra as fontes das matérias. Irritado, o ministro da Justiça simplesmente fingiu ignorar a carta.

Apesar de Malan estar atravessando o seu pior momento pessoal ao longo de mais de quatro anos no ministério, a economia passa longe dos problemas do ministro. As reservas em dólares voltaram a crescer, o desempenho fiscal está melhorando, os preços das ações de empresas brasileiras estão em recuperação e as projeções inflacionárias caem. E melhor do que tudo isso: o dólar parece estar sob controle e o governo encontrou espaço para reduzir os juros. Mas essa sucessão de boas notícias, em vez de amparar o ministro, está fazendo decolar o prestígio de Armínio Fraga. O destino de Malan deve ser um cargo na direção do Fundo Monetário Internacional (FMI). A vaga está sendo guardada desde o final do ano passado pelo ex-secretário do Tesouro Murilo Portugal.

 

O xerife tucano

O governador de São Paulo, Mário Covas, desembarcou na sexta-feira 14 em Brasília com a corda toda. Apontado pelo partido como o mais tucano dos tucanos, Covas volta ao cenário político nacional depois de tratar de um câncer na bexiga, no melhor de seu velho estilo sangue quente. Ele não esconde de ninguém que daqui para frente se posicionará nacionalmente como uma espécie de xerife do PSDB. "Todo e qualquer ataque ao governo Fernando Henrique será rebatido com vigor", disse o governador, num claro recado aos aliados do PMDB e PFL que têm colocado o governo federal na berlinda com as CPIs do Senado. A volta de Covas foi comemorada pelos tucanos que passaram a última semana preparando o lançamento da candidatura de Covas à sucessão de FHC. Oficialmente, o governador paulista não quer pensar nisso: "Seria uma loucura o próprio PSDB, partido do presidente, lançar um candidato tanto tempo antes da eleição. Se os aliados têm seus próprios candidatos, isso é com eles. O que não podemos é entrar nesse jogo", diz. Discurso à parte, a possibilidade de disputar a Presidência lhe encanta. E, exatamente por isso, nas próximas semanas deverá fazer uma revolução no secretariado. Para ser o cartão de visitas de uma futura campanha, o governo paulista ganhará uma plumagem mais voltada para o social e o PSB terá lugar garantido no primeiro escalão.

Mário Simas Filho