25/06/2013 - 15:58
O governo federal cogita recuar da posição de convocar uma assembleia constituinte, conforme defendido nesta segunda-feira pelo Palácio do Planalto. Segundo o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, a possibilidade de Constituinte seria apenas “uma das teses”, mas nada está definido. A mudança de posição ocorreu após audiência com o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado.
“A posição do governo é expressa por aquilo que a presidente falou de ‘processo constituinte específico’. Uma das maneiras muito apontadas para fazer o processo constituinte específico é a assembleia constituinte – e tem muita gente que defende. Há outras alternativas? Há”, desconversou o ministro Cardozo.
Mais cedo, o presidente da OAB havia declarado que ouviu do governo uma promessa de recuo. “A presidente se sensibilizou com a nossa pregação e autorizou que fosse comunicado (…) que o governo sai convencido de que convocar Constituinte, não é adequado, porque atrasa o processo de reforma política, porque fazer um plebiscito para convocar uma Constituinte vai atrasar a aprovação da reforma política”, afirmou.
"Isto é inegavelmente algo interessante que deve ser discutido. O governo não encampou nem deixou de encampar. Apenas estou falando que é uma proposta interessante que apresenta uma solução que não passará, não necessitaria demudança na Constituição”, rebateu Cardozo, mais tarde em entrevista coletiva.
Ontem, ministros de Estado que participaram do encontro com a presidente haviam saído com o entendimento de que seria convocada uma Assembleia, mas sem detalhes de como funcionaria o foro. Hoje, o ministro da Justiça bateu na tecla de que Dilma não havia cravado nenhum formato e havia falado apenas de “processo constituinte”, que pode ser em outro formato.
Na avaliação de Furtado, não é possível tecnicamente convocar uma constituinte parcial. Em contrapartida, a OAB sugere um projeto de lei de iniciativa popular. Entre as propostas estão o fim do financiamento de campanhas eleitorais por empresasprivadas, limite para doação de pessoa física para partidos e eleição para o Legislativo em dois turnos.
Em reunião com todos os governadores e prefeitos de capitais, a presidente apresentou na última segunda-feira cinco pactos, dentre os quais está um plebiscito para convocação de uma constituinte específica para tratar da reforma política. O assunto ainda será tratado com parlamentares pela própria presidente da República.
Dentro deste pacto, Dilma sugeriu a tipificação de corrupção dolosa (intencional) como crime hediondo.
O anúncio
A sugestão da presidente Dilma para a realização de um plebiscito para convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva para realizar uma reforma política foi a mais ousada entre as cinco medidas concretas anuciadas para a resolução dos principais pontos reivindicados pela onda de protestos no Brasil que ocorre há duas semanas. Os plebiscitos são consultas populares realizadas antes de uma lei entrar em vigor. São diferentes dos referendos, quando a população avalia se aceita ou não que determinada medida aprovada entre em vigor.
Pela proposta ainda não detalhada pelo governo federal, o plebiscito questionaria se a população é favorável ou não à convocação de uma Constituinte. Não há limites de perguntas para um plebiscito, podendo ser incluídas na urna questões polêmicas, como financiamento público de campanhas.
Os cinco pactos do governo
O primeiro pacto anunciado por Dilma nesta segunda-feira, antes de reunião com os governadores e prefeitos, foi o da responsabilidade fiscal, com o objetivo de garantir a estabilidade da economia diante da atual crise mundial. O segundo pacto é "em torno da construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular e amplie os horizontes da cidadania", disse a presidente.
Dentro do segundo pacto, a presidente sugeriu a tipificação da corrupção dolosa (quando há intenção) como crime hediondo e reiterou a defesa ao aprofundamento da Lei de Acesso à Informação como instrumento de auxílio ao combate do mau uso do dinheiro público.
O terceiro pacto diz respeito à melhoria do sistema de saúde do País, acelerando "os investimentos já contratados em hospitais, UPAs (unidades de pronto-atendimento) e unidades básicas de saúde", disse Dilma. Segundo a presidente, outra medida que pode ser adotada é a inclusão de hospitais filantrópicos ao programa que rebate dívidas com mais vagas a pacientes do SUS.
Segundo Dilma, haverá um grande esforço de incentivos para levar médicos brasileiros a áreas desabastecidas do País. Porém, na indisponibilidade de médicos formados no País, o governo buscará mão de obra estrangeira.
O quarto pacto anunciado por Dilma diz respeito ao transporte público e mobilidade urbana, gatilhos da série de protestos. A presidente anunciou um investimento de R$ 50 bilhões para obras de mobilidade urbana, como a construção de linhas de metrô e corredores de ônibus. Além disso, Dilma anunciou a criação do Conselho Nacional do Transporte Público, "com participação da sociedade e dos usuários", em busca de "maior transparência e controle social no cálculo das tarifas". A presidente também afirmou que o governo pretende desonerar os impostos PIS e Cofins cobrado do óleo diesel usado em ônibus e da energia elétrica empregada em trens e metrôs.
A educação foi o tema central do quinto pacto anunciado por Dilma. A presidente reiterou a defesa pela aprovação da proposta que destina 100% dos royalties do petróleo à educação do País, e pediu apoio do Congresso para acelerar a tramitação da pauta.
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
O grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.