12/05/1999 - 10:00
Animado por pesquisas que indicam uma popularidade comparável à dos bons tempos do padrinho Leonel Brizola, o governador Anthony Garotinho (PDT), 39 anos, já trabalha de olho nas eleições presidenciais de 2002. É comum ver gente do primeiro aos últimos escalões usando na lapela broches com um "G" inserido numa bandeira nacional. "Foram os amigos", disfarça. Não é só a popularidade que faz o governador do Rio de Janeiro pular da cama às 6h para a ginástica, as aulas de inglês e informática e o expediente, encerrado por volta de meia-noite, quando os assessores já dormem em pé. Com uma desenvoltura que em nada lembra a origem política em Campos – cidade pobre do interior –, Garotinho não se faz de rogado e expõe o mote da campanha, repetindo que a esquerda precisa trocar críticas por ações. Abandona a imagem de bom moço para fuzilar um possível adversário, o barulhento Itamar Franco: "Há pessoas que precisam tomar atitudes radicais para provar à opinião pública que se arrependeram do passado." Garotinho conversou com ISTOÉ na sede do governo, o Palácio Guanabara, e interrompeu a entrevista uma vez para atender o telefone: "Fala mestre!" O mestre era o ministro Pedro Malan, em busca de explicações para a ameaça do governador de anular a venda do Banerj ao Banco Itaú, feita pelo antecessor, o tucano Marcello Alencar. Malan pode ter até gostado dos elogios, mas, durante a entrevista, Garotinho reprovou o "mestre". Sobre o Banerj, disse ao ministro que a venda foi lesiva ao Estado.
Meu grande desafio é fazer um grande governo. A partir daí, posso ser candidato a presidente. Hoje o que afirmo aos companheiros que estão, como eu, insatisfeitos com a situação do País, é que precisamos deixar de ser uma oposição crítica para ser uma oposição construtiva. É preciso dizer que o País não pode caminhar assim, mas mostrar como deve passar a caminhar.
Tenho escrito e discutido estas teses com muitos companheiros, inclusive o próprio Lula, com quem almocei há poucos dias. Disse a ele que devemos fazer um programa dividido em três etapas. Primeiro, o Brasil econômico, o modelo de economia que desejamos. Segundo, o Brasil de políticas públicas que queremos, o que queremos para a educação, a saúde, o modelo de desenvolvimento social. E o Brasil globalizado, que tipo de país queremos ter no mercado internacional. O eleitor se pergunta, em dúvida: "Quando eles falam em ser contra a globalização, será que estão falando em fechar o País?" Não pode haver essa dúvida. Digo que a globalização deve ter mão dupla, de lá para cá e daqui para lá. Temos de abrir espaço para os produtos brasileiros no Exterior, e não só o contrário.
O que eu sou, uma pessoa que não é sectária, um político comprometido com o desenvolvimento, com o programa de recuperação econômica e social do País. Eu não tenho de esconder nada. Sou um social-democrata.
As pesquisas mostram que o Rio aprova meu comportamento. A população entende que há pessoas que precisam tomar atitudes radicais para provar à opinião pública que se arrependeram do passado. Eu não preciso disso. Não tenho nenhuma contradição entre o que fui e o que sou.
(risos).
Resgatamos títulos da Nuclebrás e da Siderbrás de R$ 83 milhões, importantes para pagar o 13º salário. Não quero fazer julgamento de governador nenhum, mas em quatro meses pagamos o 13º, começamos a construir casas, lançamos uma campanha de desarmamento que virou referência nacional, inauguramos a delegacia mais moderna da América Latina e em 90 dias teremos mais 16 iguais, implantamos o programa Nossa Merenda, que reverte todo o dinheiro da merenda para os agricultores, reabrimos a geral do Maracanã. O futebol do Rio deixou de ser deficitário, com jogos em Juiz de Fora para ter uma média de público maior do que a do campeonato europeu.
Isso é outra coisa (risos)…
Iniciamos esse processo ao isentarmos a cesta básica do ICMS. A reforma mais ampla só poderá ser feita no ano que vem, pois a questão tributária é regida pelo princípio da anualidade. O único Estado brasileiro que conseguiu aumento expressivo de arrecadação foi o Rio. Em abril, arrecadamos R$ 615 milhões brutos de ICMS. O recorde era de outubro passado, com R$ 585 milhões. As ações principais foram a introdução de barreiras interestaduais e a fiscalização seletiva de grandes empresas.
Continua e estamos ganhando a guerra. Conseguimos para o Rio, por exemplo, o consórcio americano-italiano, que será a empresa-espelho da Embratel. A empresa paga 100% do ICMS e 70% é devolvido a ela como empréstimo a taxas de juros de 4% ao ano.
Seria bom que isso acabasse, se acabasse para todos. O que eu não posso é ficar fazendo papel de bobo, vendo as empresas indo para outros Estados que oferecem vantagens que nós não oferecemos.
Cada governador sabe o caminho que lhe convém.
Vamos conversar com a diretoria da Ford para saber quais são as suas pretensões e se podemos atender.
Não conheço detalhes do processo lá. Cumprimos nosso acordo com a Peugeot-Citröen, que foi assumido por outro governo. São US$ 105 milhões no total. Paguei no dia 30 de abril US$ 12 milhões para honrar os compromissos. Não é que eu concorde com o acordo que foi feito por Marcello Alencar, mas, neste momento, se eu o descumprisse, deixaria o Estado muito mal com os investidores internacionais. Quebraria o pacto da confiabilidade. Neste momento, não seria o governador Garotinho que estaria dizendo não, mas o governo do Estado. Temos de separar a posição pessoal do governador da instituição que é o governo. Havia um acordo assinado e tinha de ser cumprido. Eu consegui negociar o direito de vender todas as minhas ações no dia em que a Peugeot-Citröen vender seu primeiro automóvel, previsto para janeiro de 2000. São 32% de participação do Estado. Pelo acordo anterior, ficaríamos dez anos como parceiros. Isso seria uma contradição. O Estado que vendeu metrô, banco, trens, barcas e hospitais não pode virar sócio de montadoras.
A venda da Cedae não chegou a ocorrer. E a privatização dos hospitais nós entendemos que não deu certo e estava condenada pelo TCE.
Acho que Fernando Henrique, se não tomar medidas muito rapidamente, vai se surpreender com um verdadeiro vulcão em erupção em sua base. Pelo que tenho ouvido de Roseana Sarney (Maranhão) e de outros governadores, a insatisfação é muito grande com a falta de resultados concretos. Entre a palavra do presidente e a ação da equipe econômica há muita distância.
Não gosto de personalizar. Acho que o modelo que o País escolheu, através da equipe econômica mas com o consentimento do presidente, não serve ao desenvolvimento nacional.
Acho que é um sentimento geral. O presidente precisa sair dessa agenda crítica em que se meteu desde o início do segundo mandato e ter uma agenda propositiva.
Dá para fazer coisas sem dinheiro. São ações, iniciativas. A ação que me deu maior popularidade até agora não custou dinheiro nenhum. Foi a redução das tarifas de ônibus. Estamos tirando R$ 30 milhões por mês das empresas para a população. São R$ 360 milhões por ano. São 36 mil casas populares de R$ 10 mil cada uma.
Lamento que não tenha saído. Não foi porque o PDT votou contra. Houve uma manobra da mesa da Assembléia. Com medo que se investigasse o foco principal, a denúncia da caixinha, a CPI foi amarrada de uma forma para não apurar. Deposito minhas esperanças no Ministério Público. O importante foi esse fato ter vindo à tona.
Tenho uma posição à esquerda de tudo isso que está aí, mas acho que a esquerda brasileira precisa mudar, ser mais propositiva, convincente. Não basta criticar, é preciso propor.
A conjuntura política para as próximas eleições não se estabeleceu. Quais serão as forças predominantes em 2000 e 2002? Cesar Maia saiu muito arranhado da eleição, acho que ele terá dificuldade até para vencer a eleição para prefeito.
Quero que a Assembléia tenha comigo uma relação de respeito e não de submissão. Espero que os deputados aprovem minhas mensagens não por ter qualquer tipo de vantagem no governo, mas por serem de interesse público.
Há uma CPI dos gastos com publicidade na Assembléia. São números escandalosos. Há outras irregularidades graves no processo de privatização. Vamos revelar tudo isso no momento adequado. Havia superfaturamento gritante nas obras. No meio ambiente, chegava a 40%.
A Bíblia, que é meu livro preferido, diz que a cada dia basta o seu fardo. Por enquanto, estou cuidando do dia de hoje. Isso não é um problema para agora. Não pretendo sair do PDT, isso não passa pela minha cabeça. No Brasil, os partidos crescem em função das candidaturas. Pode ser que o PDT cresça em torno da minha candidatura. Não pretendo ser candidato só do PDT. Se acontecer mesmo, pretendo ser candidato pela frente de oposição, com PT, PCdoB, PSB…
O PT tem mais de 30% dos cargos de confiança do meu governo, apesar de ter só sete deputados e de eles raramente votarem comigo. Entendo que eles têm bons quadros para o governo e eu gosto da qualidade. Por isso é que o PT recebe do meu governo muito mais do que dá.
O trabalhismo é uma corrente histórica. Desde seu surgimento, nos anos 30, tem momentos de dificuldades e depois de crescimento. Assim também é com o brizolismo, tem momentos de dificuldades e momentos em que é muito forte. Agora não deve estar vivendo uma dificuldade tão grande. Afinal de contas, sou governador…
Porque não tem sentido vender uma empresa altamente lucrativa para o País. Ainda mais no modelo de dividir a empresa em três, que põe em risco o fornecimento. Sou contra também a venda da Petrobras. Sou a favor da abertura às empresas estrangeiras, mas vender a nossa mais eficiente empresa seria um crime.
Eu adoto muito antes de pensar em política. A primeira adotiva está comigo há 16 anos, quando eu nem tinha mandato. Faço isso por amor.