Abaixo o imperialismo norte-americano! Viva o marxismo-leninismo/ Mao vive! Ousar lutar, ousar vencer! Com o povo e a força das armas vamos chegar até a vitória final! Não se trata de um relato das guerrilhas dos anos 60. Nem de um discurso adotado em algum recanto longínquo do Peru, onde ainda persistem resquícios do temível Sendero Luminoso. Estes chavões vêm sendo repetidos no apagar das luzes do século XX por um grupo que já está organizado em vários Estados. No momento em que a desconfiança na política econômica é gigantesca e a corrupção emperra a máquina pública nas mais diversas instâncias, surge um movimento que prega ações terroristas e a formação de focos de guerrilha para desestabilizar o governo e chegar ao poder. É o combustível que pode estar faltando para detonar uma crise sem precedentes na história recente do País. Quem se presta a esse papel é a Liga Operária e Camponesa (LOC), uma organização de extrema esquerda que se notabilizou pelo recente confronto entre a Polícia Militar e um grupo de sem-teto da cidade mineira de Betim. Criada em agosto de 1997, a Liga já tem em suas fileiras 600 homens, metade deles armada e preparada em campos clandestinos de treinamento militar. Os guerrilheiros têm até soldos, que variam de R$ 400 a R$ 3 mil, dependendo da posição na hierarquia.

Comandado pelo ex-metalúrgico Albênzio Dias Carvalho, mais conhecido como Boné, o grupo considera FHC, Itamar Franco, Lula e Brizola como farinhas do mesmo saco. Para atingir seus "ideais revolucionários", a Liga, segundo ex-seguidores ouvidos por ISTOÉ, não acredita no processo democrático e usa entidades sindicais e organizações não-governamentais como fontes de recursos e fachada para suas atuações. Por trás dessa cortina de fumaça, é dona de um farto armamento, que inclui escopetas e fuzis AR-15, FAL e AK-47, tudo comprado de narcotraficantes do Rio de Janeiro e de Rondônia. Eles já promoveram invasões em Rondônia e no Norte de Minas e já ocuparam duas extensas áreas na região metropolitana de Belo Horizonte. Estão se preparando para radicalizar as ações, pois seguem a cartilha de Abimael Guzmán, o fundador e líder do grupo peruano Sendero Luminoso, considerado por seus cada vez mais exíguos seguidores como "a quarta espada do marxismo", depois de Karl Marx, Lenin e Mao Tsé-tung. Guzmán, que está preso desde setembro de 1992, é autor de uma sangrenta adaptação do maoísmo para a América Latina, na qual a guerrilha e o terrorismo são apontados como estratégias fundamentais na primeira fase da "revolução".

Sequestro de autoridades "Saí fora desse povo quando, nas reuniões sindicais, eles começaram a falar em luta armada, assalto a banco e sequestro de autoridades", conta Paulo Azezani, vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários de Juiz de Fora. Em 1995, Azezani era tesoureiro da entidade, cuja diretoria tinha sete integrantes vinculados à Liga. O rompimento definitivo de Azezani com o grupo e seu desligamento do sindicato se deu em setembro daquele ano, devido à sua dificuldade em barrar as tentativas de desvios de verbas para a organização liderada por Albênzio, um homem que deixou de fazer aparições públicas nos últimos anos. Pelos cálculos de Azezani, durante o período que esteve fora do sindicato, uma média de R$ 4 mil mensais saía dos cofres da categoria para a Liga Operária e Camponesa e uma das ONGs criadas por suas lideranças, o Instituto de Educação do Trabalhador (IET). "A roubalheira foi tanta que eles acabaram expulsos em uma assembléia, em dezembro de 1997, mas depois, ainda organizaram duas invasões ao sindicato", diz Azezani. "Na última, em junho do ano passado, levaram R$ 26 mil que estavam no cofre e vários documentos que comprovavam as remessas de dinheiro para a Liga e o IET, mas ainda ficaram recibos."

A última invasão sindical promovida pela Liga em Juiz de Fora só terminou com a entrada da PM na sede, cujas portas haviam sido soldadas e tinham como anteparo uma barricada de bujões de gás. No bunker improvisado, 40 militantes da organização guerrilheira resistiram à ação policial durante seis horas. Ex-integrante da diretoria expulsa do sindicato, o cobrador de ônibus Antônio Carlos de Mello chegou a participar de treinamentos militares organizados pela Liga, mas afastou-se do grupo depois da invasão do sindicato. "Eu comecei a ficar com muito medo, pois era obrigado a fazer tudo o que os líderes mandavam e estava sendo treinado para enfrentamentos", reconhece Antônio Carlos. "Mas cheguei a prestar juramento, ajoelhado diante do comando e da bandeira do movimento, prometendo lealdade e disposição de entregar a própria vida à causa."

Olhos vendados Nos campos de treinamento da guerrilha, porém, o discurso é tão contundente que chega a assustar até experimentados militantes, com o lavrador paranaense Claudemir Gilberto Ramos, que vive há 12 anos em Rondônia. Junto com o pai, Claudemir sobreviveu ao chamado Massacre de Corumbiara, em agosto de 1995, no qual morreram 13 pessoas, entre elas dois policiais. Recrutado para as fileiras da Liga no ano seguinte, fez um curso de preparação ideológica numa fazenda do Norte de Minas e ficou impressionado com o poder de fogo da organização. "Vi até metralhadora, mas não sei localizar o campo porque cheguei nele com os olhos vendados", diz Claudemir. "Durante os quatro dias do curso todo mundo teve de ficar encapuzado. Não deu nem para ver o rosto dos professores e fiquei muito curioso, pois alguns eram estrangeiros e falavam espanhol."

A Polícia Militar já sabe que uma propriedade nas proximidades da cidade do Serro, no Vale do Jequitinhonha, foi usada para treinamento guerrilheiro, mas não tinha essa noção quando se deparou com 30 homens mascarados. O grupo estava na fazenda do comerciante Ricardo Carvalho, irmão de Albênzio, quando um sitiante da vizinhança entrou nas terras, atrás de um cavalo fujão, em março de 1997. Expulso pelos mascarados, o sitiante acionou a polícia. "O grupo fugiu quando entramos, mas chegamos a apreender farta munição e uma pistola semi-automática", afirma o tenente Borges, lotado no quartel da PM de Diamantina. "O grosso do armamento estava escondido nas grutas, comuns naquela região. Foi exatamente pela topografia que aquela fazenda havia sido escolhida para treinos", explica um dissidente da organização, que preserva sua identidade por temer represálias dos antigos companheiros.

Há dois meses, a Liga montou outro centro de treinamento, em Rondônia, em uma fazenda que fica a quatros horas da capital Porto Velho e cujo acesso precisa ser feito em carro com tração nas quatro rodas. Nesses campos, a organização impõe uma rotina rigorosa. Nem para se alimentar os militantes podem tirar a máscara. Dormem às 22 horas e precisam estar de pé às 6, para começar uma série de exercícios, entre eles de autodefesa, de tiro e de sobrevivência na mata. As aulas teóricas, em geral, ocorrem à tarde. Mesmo nas invasões e nos assentamentos patrocinados pela Liga, as normas de disciplina são rígidas. O líder local jamais pode andar sozinho. Ninguém pode tomar bebidas alcoólicas e, diante da chegada de estranhos, os homens devem sempre segurar foices e enxadas. Nos momentos de conflito, as mulheres e crianças devem ocupar a linha de frente para funcionar como uma espécie de escudo.

 

ONG generosa Apesar de todas estas medidas de segurança na área militar, a Liga deixou rastros na burocracia, mais especificamente na Secretaria do Trabalho do Estado de Minas, onde pelo menos duas de suas lideranças atuaram durante o governo Newton Cardoso (1987-91). Lá trabalharam Guilherme Tell Quintão e Gerson Lima, sendo que o último chegou a ocupar o posto de diretor de Relações do Trabalho. Em janeiro deste ano, logo após o governo Itamar Franco assumir, o atual secretário, Sérgio Cardoso Motta, convocou uma auditoria para analisar os repasses das verbas do Fundo do Amparo do Trabalho (FAT), recebidas do governo federal. O secretário havia estranhado o fato de uma entidade desconhecida – o IET – ter recebido R$ 9,96 milhões do FAT nos últimos três anos sem ter sequer infra-estrutura para atuar, em larga escala, na qualificação de trabalhadores. No mesmo período, o Senac, cujo trabalho é reconhecido nacionalmente, recebeu R$ 1,6 milhão. "A auditoria está em curso e não serei surpreendido se concluir que o IET desviou recursos federais, pois esta é minha suspeita. Minha surpresa são as ligações que acabam de ser feitas com a guerrilha", afirma o secretário. O IET é a mesma ONG que recebia recursos do Sindicato dos Rodoviários de Juiz de Fora. Todas as principais lideranças da Liga participam do Conselho Diretor do IET, segundo sua própria ata de fundação, registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Físicas de Belo Horizonte.

 

Foices e porretes "A maior parte das atividades da Liga é financiada pelo FAT e por sindicatos. Os custos são elevados, mas hoje já existem 62 associações em diversos pontos do Brasil discutindo a luta armada, embora a maior concentração de potenciais guerrilheiros esteja no Norte e Nordeste", afirma um dirigente da organização, com a condição de não ter sua identidade revelada. Enquanto isso, a situação na fazenda invadida em Betim, uma ação orquestrada pelo grupo, continua tensa. Só os invasores têm acesso ao território, patrulhado por mascarados que ostentam foices e porretes de madeira. "O Jésus Lima pode mandar quem ele quiser, a Polícia Federal e até o Exército, que não vamos sair daqui", afirmou na quinta-feira 6 Antônio Costa Faria, um dos líderes dos acampados, referindo-se ao prefeito de Betim, que é do PT. O prefeito, por sua vez, agora quer adotar uma tática de retomada das terras sem dar munição para novos confrontos. "A salvação da democracia foi essa organização ter se rebelado antes da hora", diz Jésus. Ele tem razão. Pelos mandamentos da Liga Operária e Camponesa, um dos ícones é Regis Debray, o ideólogo francês que acompanhou Che Guevara em suas incursões pela selva boliviana e se tornou conhecido pela obra Revolução dentro da revolução?, na qual prega a luta armada a partir da formação de focos guerrilheiros no campo. Ocorre, porém, que Debray, há muito tempo convertido à social-democracia, já se cansou de renegar suas veleidades esquerdistas da juventude.

 

Contra o "teatro da hipocrisia"

Um dos principais dirigentes da Liga no País, Gerson Lima, comanda os sem-teto de Minas. Para dar essa entrevista a ISTOÉ, ele exigiu que as perguntas fossem encaminhadas a ele por escrito e vetou questionamentos sobre a luta armada

ISTOÉ – Como vocês pretendem chegar ao poder no Brasil?
Gerson Lima – Os trabalhadores só chegarão ao poder após anos de lutas classistas e persistentes. Ninguém pode afirmar como e quando ocorrerá. A nossa convicção é de que isto só se dará a partir da organização de base das massas. Todas as instituições burguesas estão falidas, por isto vive-se de crises políticas. A chamada democracia burguesa só se mantém através da violência cada dia maior sobre os pobres.

ISTOÉ – Qual a relação da Liga com os partidos de esquerda?
Gerson – Não temos relação com estes partidos, eles estão ligados ao Estado burguês, querem ocupar o poder para dar o mesmo tratamento ao povo que as classes dominantes dão. Veja bem, que gente do PT, só de ocupar cargos de governos, toma atitudes iguais ou mesmo piores do que a direita. Estão cheios de mandões, de donos de áreas inteiras, caudilhos, estrelas. Suas administrações são verdadeiros arremedos de "governo popular". Um teatro de hipocrisia.

ISTOÉ – Como vocês avaliam o MST?
Gerson – O MST é hoje a maior organização camponesa no País. Mas existem outras. Nenhuma luta do povo tem dono. Há coisas boas no seu trabalho, mas eles estão muito vinculados ao projeto eleitoral do PT, que jamais fará a mudança necessária no campo. O representante do MST em Minas declarou à imprensa, a respeito do massacre de Betim, que a Liga é um pessoal "meio doido".

ISTOÉ – No Brasil que vocês imaginam, como as áreas rurais seriam divididas?
Gerson – O Brasil tem que acabar com o latifúndio. Foi sobre este sistema que o imperialismo – primeiro inglês e logo o americano – desenvolveu este capitalismo atrasado que tem no País, que impede nossa soberania e independência e submete nosso povo à mais vil exploração. Entre tantos problemas nacionais, o principal é o da terra, ao lado do da subjugação nacional. E ele só pode ser resolvido com a destruição do sistema latifundiário através da entrega das terras aos milhões de camponeses sem terra.

ISTOÉ – Qual o grande revolucionário do século?
Gerson – Na história mais recente há inúmeros revolucionários brasileiros e heróis eternamente gloriosos. Podemos citar alguns como Manuel Lisboa, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, Dinalva, Elenira, Iara Iavelberg, Carlos Marighella, Carlos Lamarca. Há muitos. A nível mundial os líderes dos trabalhadores são Marx, Engels, Lenin, Stálin e Mao.

ISTOÉ – A Liga quer virar um partido revolucionário?
Gerson – A Liga é uma organização de massas classistas. Não temos critérios que tem um partido. O que se vê na história é que todas as revoluções verdadeiras no mundo foram dirigidas por partidos comunistas. Mas estes eram partidos verdadeiros.

ISTOÉ – O que leva vocês a acreditarem que FHC, o governador Itamar Franco e o PT são farinha do mesmo saco?
Gerson – Olha, tudo isto é uma pugna entre diferentes grupos da burguesia. As exigências do FMI, além de levar ao esmagamento do povo, provocam o agravamento da luta entre diferentes frações da burguesia e do latifúndio. A briga do Itamar é um palanque para as próximas eleições. Em cima deste palanque montado por ele há outras disputas, como quem é mais esperto e dará a melhor rasteira para representar a oposição, ele ou Lula, Brizola, Olívio Dutra. Além do que aquela solenidade em Ouro Preto foi uma baita demagogia. É demagogia porque usa o nome de Tiradentes. Tiradentes não fez blablablá não. Ele foi enforcado, teve o corpo esquartejado não por causa de discursos. Ele preparou um levantamento armado que só não triunfou por causa da delação. Pagou com sua vida e fica essa gente aí falando da nova derrama, que o FHC é o Silvério dos Reis de hoje. FHC é o serviçal de plantão, é o governador-mor a serviço do império. O povo está passando fome, desempregado. Quando o povo sai para a luta, todos eles fazem a mesma coisa: mandam a polícia para bater e matar.