Durante a sexta semana de bombardeios em território iugoslavo, finalmente parecia que as bases de um acordo de paz para a região tinham sido lançadas. Ainda que possa estar distante o dia em que irão se juntar os jamegões do líder sérvio Slobodan Milosevic e dos membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) num eventual documento de fim das hostilidades. Mas na quinta-feira 6, a Rússia, principal advogada dos sérvios e peça-chave em negociações entre as partes, finalmente reconheceu a necessidade do estabelecimento de uma força multinacional que mantenha a paz no Kosovo. Até então, esta concordância não existia. Faltava então o mais difícil: conseguir a anuência do escorregadio Milosevic.

Numa reunião em Bonn dos chanceleres do chamado Grupo dos Sete (EUA, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, França, Itália e Alemanha) com o enviado russo Viktor Chernomyrdin, foram delimitados os principais pontos de partida para um acordo. São eles: fim imediato e verificável da violência e repressão aos kosovares, instalação de governo interino e autônomo – mas não independente – no Kosovo, retirada das tropas sérvias da região, retorno dos refugiados e estabelecimento de tropa internacional adequadamente armada – incluindo russos e ucranianos – no monitoramento da paz.

Falta agora amarrar o sino no pescoço do gato", disse a ISTOÉ o senador democrata nova-iorquino Chuck Schumer. "Vamos ver se Milosevic vai aproveitar esta chance", completou. No Departamento de Estado, colocavam-se sérias dúvidas sobre isso. Havia a forte desconfiança de que o líder sérvio manteria posição ambígua e deixaria o tempo passar na esperança de ganhar mais concessões. E, para dar força a esta tese, o próprio Milosevic diria na sexta-feira 7 que estava disposto a discutir, mas que primeiro a Otan deveria interromper os bombardeios. Os líderes militares ocidentais sabem que se pararem com as bombas, dificilmente conseguirão retomar as operações. E ainda na sexta, um dia depois de anunciada a proposta de paz, a Otan bombardeou a cidade de Nis, a terceira do país. O "raide", descrito como um dos mais violentos desde o início da campanha, atingiu um hospital e um mercado, matou pelo menos 15 civis e feriu outros 60. Num outro ataque, a Embaixada da China em Belgrado foi destruída.

 

Percalços De todo modo, já se deram passos tímidos no caminho da paz. A liberação de três americanos prisioneiros de guerra e um esperado gesto de recíproca por parte de Bill Clinton são exemplos de progresso. A Rússia, também pela primeira vez, não condicionou negociações à interrupção imediata dos bombardeios. Mas a estrada para a normalização é cheia de percalços. No documento de intenções forjado em Bonn, ficou propositadamente obscuro o papel de tropas da Otan no monitoramento internacional no Kosovo. A secretária de Estado, Madeleine Albright, saiu correndo da sala de reuniões do G-7 direto para uma entrevista coletiva para dizer que o patrulhamento será feito por uma " forte presença militar, com a Otan em seu núcleo". Já o russo Chernomyrdin, em outra coletiva, dizia que não estava prevista a participação da Otan. E em Belgrado, Milosevic continuava a reiterar que só admitiria a presença de observadores internacionais levemente armados, e não de tropas da Otan.

Existem outros fatores complicantes. Um deles é o Exército de Liberação do Kosovo, que já se recusa antecipadamente a depor armas. Na semana passada, o governo de Belgrado deixou que o líder moderado kosovar Ibrahim Rugova – que estava sob prisão domiciliar – viajasse para Roma. Ele partiu em busca de entendimentos políticos com lideranças patrícias no exílio. Foi recebido com escárnio, depois de ter aparentemente negociado com Milosevic. Esta atitude, não explicada por Rugova, teve o poder de confirmar de fato o comandante guerrilheiro Jakup Krasniqi na liderança kosovar. E ele foi claro ao proclamar o chavão de que a luta continua.

 

Front interno Tanto pior para Bill Clinton, que vê no front interno as maiores ameaças à sua política nos Bálcãs. Crescem as antipatias e oposições do Congresso com a campanha militar. "Existe um sentimento cada vez mais acentuado de que o governo levou o país a um beco sem saída. É preciso se arranjar uma solução negociada para a crise e sair desta situação o quanto antes", disse o deputado republicano Tom Delay, ultraconservador do Texas. O baixo-astral em Washington aumentou ainda mais com as primeiras vítimas americanas neste conflito. Não foram causadas por fogo inimigo, mas sim pela má performance dos helicópteros Apache. Dois homens, piloto e artilheiro, perderam a vida quando seu aparelho despencou durante um treino de rotina na Albânia. Esta seria a segunda nave perdida, sem que ao menos se estivesse em combate. Apontados como uma "supermáquina de guerra", os Apaches mais parecem o "Belo Antônio", o personagem bonitão, mas impotente, criado por Federico Fellini. Vulneráveis, os Apaches exigem a cobertura de tropas guarda-costas liquidando opositores em seu caminho. Sendo assim, pergunta-se: para que o helicóptero? Mas com a intervenção da diplomacia nesta semana, ficaram maiores as chances de os Apaches só entrarem na Iugoslávia como escortes de luxo de tropas internacionais de paz.