Que a educação é o melhor remédio para combater o subdesenvolvimento, todo mundo sabia. O que não se tinha idéia é o tamanho do prejuízo que os governantes brasileiros impuseram à população ao descumprirem um princípio de cidadania garantido em lei desde os tempos do Império: o ensino básico para todos. Uma simulação matemática feita pelo economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério do Planejamento, demonstrou que a importância da universalização do ensino é maior do que se imagina. O trabalho de Soares, com base em dados do IBGE, revela como o baixo índice de escolaridade da população gera e alimenta as desigualdades sociais e a concentração de renda no Brasil. No país ideal projetado pelas equações do pesquisador, se todos os brasileiros tivessem no mínimo oito anos de ensino básico, nada menos que 13,1 milhões de brasileiros, hoje abaixo da linha de pobreza, seriam resgatados. E mais: a educação básica mostrou ser a única variável indispensável para uma mudança na qualidade de vida do País. “Estudos anteriores já confirmavam a importância da educação. A surpresa foi o impacto obtido com a hipótese de que toda a população já tivesse os oito anos do ensino básico”, comenta Soares. Proporcionar esse nível de escolaridade aos 13,1 milhões de brasileiros mais pobres (com renda familiar igual ou menor que R$ 63, equivalente a meio salário mínimo de 1998) seria o mesmo que dar a todos um aumento salarial de 40%.

Desigualdade – No seu modelo matemático, Soares alterou quatro aspectos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1998, um estudo periódico do IBGE que faz a radiografia das condições de vida da população. O objetivo era descobrir os efeitos sociais e econômicos dessas mudanças. No país idealizado por Soares todos os brasileiros com mais de 14 anos têm carteira assinada e desfrutam as oportunidades e serviços oferecidos pelos Estados do Sudeste, mais desenvolvidos. Também ganham salários equivalentes aos pagos pela indústria, setor da economia que melhor remunera. Para completar, todos têm, no mínimo, os oito anos do ensino básico estabelecidos na Constituição. Ao analisar o efeito de cada uma dessas quatro mudanças, Soares teve algumas surpresas. A primeira foi a pouca melhora obtida quando todos os brasileiros são equiparados aos trabalhadores da indústria. “Pelos resultados, embora pague salários melhores, a indústria reproduz as desigualdades regionais”, afirma. Se todos os brasileiros tivessem as mesmas condições de vida de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, haveria uma melhoria geral no nível dos salários. Como na hipótese da educação universalizada, os principais beneficiados seriam os mais pobres, com um aumento de quase 36% na renda familiar. Os efeitos da carteira assinada – ou seja, emprego de melhor qualidade para todos – quase empatam com os proporcionados pela educação sobre o quadro de desigualdade social do País, com um aumento de renda na casa dos 39% para os mais pobres. Mas nada disso seria possível sem a universalização do ensino básico. “Sem os oito anos de ensino básico, o trabalhador jamais teria condições de atender às exigências dos empregos com carteira assinada”, explica Soares.

O impacto da educação, segundo o economista do Ipea, tem dois motivos. Em primeiro lugar, as condições educacionais são muito desiguais, reproduzindo os mesmos abismos sociais e econômicos que separam as regiões mais pobres do País, como Norte e Nordeste, das mais desenvolvidas. Há muito mais gente sem estudo ou com péssimo ensino. Mas o aspecto mais marcante é que a baixa instrução tem um efeito devastador sobre o nível de renda e o quadro social. Não se trata apenas de repetir a conhecida tese de que o estudo dá acesso a melhores salários. Quem não tem um mínimo de escolaridade fica condenado a permanecer confinado na faixa de pobreza.

Herança – Para o ministro da Educação, Paulo Renato, os resultados da simulação de Soares mostram o peso de uma triste herança. “Estamos pagando o preço da falta de investimentos em educação ao longo de décadas”, afirmou. Em 1960, 40% dos brasileiros adultos eram analfabetos. Para piorar, as taxas de analfabetismo eram permanentemente alimentadas pela quantidade de crianças fora da escola: quatro em cada dez nem sequer chegavam a aprender a ler. Uma medida da gravidade do problema no Brasil é o caso da Argentina, que erradicou o analfabetismo antes de 1910. A pesquisa revela que o Brasil está no caminho certo ao dar prioridade ao ensino básico, avalia o ministro da Educação. “Em 1994, 11% das crianças estavam fora da escola. Hoje o porcentual nacional é de 3%”, comemora. Mas isso não basta. Para chegar ao mundo de Soares, é preciso impedir que as crianças abandonem a escola. Hoje, somente 68% das crianças matriculadas no ensino básico conseguirão concluir o curso. Até 1994, apenas a metade das crianças conseguia terminar os oito anos de estudo.