Há tempo o Brasil sofre com a epidemia de dengue, que se tornou comum em áreas pobres no verão. Neste ano, no entanto, o mosquito Aedes aegypti, o transmissor do vírus da doença, mostrou que faz estragos não só nos bolsões de miséria. Agora voa também sobre regiões mais nobres. Está derrubando na cama gente que nunca imaginou ser contaminada por doenças típicas do Terceiro Mundo. A elitização da epidemia é mais notada no Rio, onde a enfermidade faz vítimas em bairros como Leblon, Jardim Botânico, Lagoa e Gávea, cartões-postais e áreas de concentração do beautiful people carioca.

O Aedes aegypti invadiu, por exemplo, o condomínio Jardim Pernambuco, no Alto Leblon, com 130 mansões. Lá, foram notificados cinco casos, entre eles o do casal Carlos Arthur Nuzman e Márcia Peltier, e 39 focos do mosquito. Entre os outros moradores que ficaram apreensivos com o ataque, está o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, além de donos de sobrenomes de peso, como os Marcondes Ferraz. São integrantes da minúscula parcela da população que tem condições de morar num lugar cujo preço médio das residências é de R$ 5 milhões. “É preciso acabar com a idéia de que a dengue só ataca a periferia”, disse a jornalista Márcia Peltier. Ela é reincindente na doença. “A primeira vez aconteceu há dez anos, mas agora foi pior. Passei uma semana com febre, dores, mãos e pés inchados”, conta.

Agentes da Secretaria Municipal de Saúde e funcionários de empresas de fumacê – especializadas na dedetização contra o mosquito – estão trabalhando como nunca, já que os moradores abastados e assustados solicitaram seus serviços. A socialite Carmem Mayrink Veiga, por exemplo, contratou uma empresa para limpar a casa da filha, Antonia Frering, com residência em Londres, mas que vai passar a Páscoa na Gávea. Para o secretário de Saúde do Rio, Sérgio Arouca, o fumacê não é a solução. “Só o usamos em áreas muito críticas, pois os danos ambientais são maiores do que a eficácia do produto. A maioria das pessoas fecha a janela quando passa o fumacê”, diz.

Prevenção – Há explicações para a investida do Aedes aegypti sobre os cariocas mais ricos. Arouca critica a gestão anterior da prefeitura. De acordo com ele, a antiga administração deveria ter começado a campanha de prevenção em novembro. Além disso, falta às pessoas, inclusive às mais bem informadas, a conscientização de que, com medidas simples, elas podem evitar focos do mosquito. Essa combinação fez com que a epidemia explodisse e se espalhasse. Existe mais um agravante no surto que atinge o Rio. Foram registrados dois casos de dengue do tipo 3, variedade mais rara da doença: um no Leblon e outro em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. E, como já circulavam no Estado os tipos 1 e 2, aumentaram as chances de a população desenvolver a forma mais grave da enfermidade, a dengue hemorrágica. Ela pode ser deflagrada quando a pessoa é infectada por mais de uma variação de dengue. Se não for tratada, a moléstia é fatal porque provoca hemorragia. O estudante de medicina José Mário de Figueiredo, 21 anos, morador de Ipanema, foi atingido por esse mal. “Dei sorte. Não tive sangramento e me tratei à base de Tylenol”, conta.

Descuido – Em São Paulo, a epidemia também se espalha por áreas mais nobres. Na semana passada, o vírus atingiu bairros de classe média, como Pinheiros e Lapa. No restante do Estado, cidades ricas como Barretos estão entre as mais infectadas. Até a quinta 28, foram confirmados no Estado 4.797 casos de dengue, um deles hemorrágico. Uma das vítimas foi a dona-de-casa Maria Clara da Silva, 34 anos. “Não tinha dúvidas que era dengue. Houve três casos na minha rua”, conta. O quadro em São Paulo também poderia ter sido mais brando. “A situação é consequência da disseminação do mosquito, somada ao descuido na prevenção”, diz o infectologista Marcos Boulos, de São Paulo. Um dos motivos desse descuido foi a falta de pagamento da empresa contratada pela administração do ex-prefeito Celso Pitta para o combate à dengue. “O trabalho só voltou ao normal em janeiro”, confirma o secretário municipal de Saúde, Eduardo Jorge.

Até a semana passada, foram registrados no Brasil cerca de 31 mil casos da doença. Para Mauro Costa, presidente da Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, o cenário seria melhor se as pessoas seguissem as recomendações para erradicar o mosquito. Mas os especialistas sabem que eliminar de vez o inseto é uma tarefa difícil, já que há condições propícias no País para sua reprodução. Os pesquisadores, no entanto, procuram outras formas de afastar o mosquito. A Fundação Oswaldo Cruz, do Rio, desenvolveu velas com óleo de sementes de andiroba. Elas agem como repelente natural contra o inseto. Outra medida é usar repelentes na pele ou recorrer aos tipos elétricos para proteger a casa.

Outra ameaça O mosquito da dengue está dividindo a atenção com outro inseto, o Haemagogus, transmissor do vírus da febre amarela silvestre. Em Minas Gerais, onde o inseto vem atacando, mais de 30 notificações foram feitas. Em 2000, registraram-se apenas duas ocorrências. Para combater a enfermidade, existe a vacina. A Fundação Nacional de Saúde aplicou mais de 30 milhões de doses nos últimos dez anos. Quem mora em outros Estados deve se vacinar se for viajar para áreas próximas das cidades mineiras infectadas e para regiões onde a doença é endêmica (Centro-Oeste e Norte do Brasil). Em São Paulo, por exemplo, começam a funcionar na segunda-feira 2 postos de vacinação em três estações rodoviárias da capital. A previsão é aplicar 450 mil doses mensais da vacina. Quem compra a passagem recebe um tíquete com direito a vacinação.