Há três anos, a publicitária paulista Giuliana Carneiro da Fonte, 28 anos, começou a namorar João Luiz, 36 anos, seu colega de profissão. A paixão atiçou o desejo que os dois sempre haviam acalentado de ter filhos e eles decidiram não esperar muito. Giuliana parou de tomar pílula e, já no primeiro mês, engravidou. "Foi uma alegria enorme", ela diz enquanto amamenta o filho, Felipe, de seis meses. "A cada dia parece que fica melhor", desmancha-se. O sonho realizado de Giuliana povoa as fantasias da maioria das mulheres, ainda hoje, apesar das imensas transformações que afetaram o comportamento feminino neste século – e, ironicamente, a maior delas foi a possibilidade de não engravidar trazida pela pílula. Se para as nossas avós e bisavós não havia outro destino além de casar e ter filhos, e se até os anos 60 os projetos profissionais e pessoais ainda ficavam limitados pelas exigências da família, as mulheres das classes mais privilegiadas, hoje, têm todos os caminhos à sua disposição. Muitas delas, por isso mesmo, adiam longamente o momento de ter filhos para se dedicar com mais independência a seus estudos e carreiras. Mas, ao menor sinal de que o projeto maternidade corre risco, elas são capazes de esquecer tudo o que conquistaram e se dedicar em tempo integral à tarefa de engravidar. Um dos sinais de alerta mais comuns é disparado pelo relógio biológico. Embora ampliado por novas tecnologias, o período fértil da mulher tem data para acabar. Por isso, à medida que o tempo passa, a urgência aumenta. Este medo desperta por volta dos 40 anos, mas muitas vezes pode começar antes – ou depois. E como o sonho da maternidade hoje aparece também desvinculado do casamento ou de uma relação duradoura, a mulher pode ir atrás de seu projeto sozinha, como faz a cantora Roberta Miranda, 47 anos.

Depois da carreira – Roberta perdeu dois bebês quando tinha menos de 20 anos, no início das gestações, e agora resolveu se empenhar em seu projeto. "A falta de tempo e a dedicação integral ao trabalho adiaram meu desejo de ser mãe", diz a cantora. Solteira e sem namorado, Roberta pretende recorrer a uma clínica de reprodução humana. Começou a se submeter a uma série de exames para um tratamento que terá como objetivo a fertilização in vitro (fecundação do óvulo em laboratório para posterior implantação). Ela descartou a possibilidade de usar o sêmen de um doador desconhecido para que a criança saiba quem é seu pai. "Um amigo meu topou participar desse projeto", diz Roberta.

A idéia de Roberta pode soar esquisito, mas é bem contemporânea. "Há mulheres que assumiram precocemente o perfil moderno, empresariam sua própria vida e fogem da organização tradicional da família", diz o psicanalista Joel Birman. "Mas nesse projeto, em certo momento, resolvem ter um filho e retomam assim um traço fundamental, que é a exigência da maternidade", afirma. Elas podem partir para a maternidade solitária, que ficou conhecida como produção independente, engravidando numa relação com namorado ou com parceiro mais breve. A empresária M.S., 39 anos, chegou a pensar na hipótese de recorrer a um banco de sêmen para engravidar, mas voltou atrás: "Vi que seria algo frio e impessoal. Quero ter um filho, mesmo sozinha, mas acho que ele deve vir de uma relação amorosa, por mais tênue que ela seja." Para muitas mulheres, essa relação pode ser efêmera a ponto de o homem nem saber da existência do possível filho. O advogado de família Paulo Lins e Silva, presidente da Federação Interamericana de Advogados, gosta de contar um caso em que o seu cliente foi literalmente usado para procriar: "Alto, loiro e de olhos azuis, ele estava em uma festa quando foi abordado por uma mulher de seus 40 anos, que lhe disse em tom de brincadeira: "Você é o tipo do garanhão que eu queria para minha produção independente. Sou solteira e não quero morrer sem ter passado pela sensação de ter um filho." Segundo Lins e Silva, o empresário tinha bebido bastante, deu carona à mulher e os dois acabaram entrando no primeiro motel que apareceu no caminho. Seis meses depois, ela telefonou para ele e informou que estava grávida. Anos mais tarde ela lhe pediu que registrasse a criança para que ele tivesse o nome do pai na certidão de nascimento. "Ela não fez questão de nada, só queria mesmo ter sua produção independente. Até o exame de DNA foi ela quem pagou", lembra Lins e Silva.

Usado ou descuidado? – Histórias como essa alimentaram nas últimas décadas o fantasma do "homem usado", obrigado a ser pai contra a vontade ou, no mínimo, a carregar na consciência, para sempre, a idéia de que pôs um filho no mundo. A questão é alvo de muita polêmica. A psicanalista Magdalena Ramos assusta-se com a gravidez conseguida à revelia do parceiro. "É um lamentável abuso de poder. Há outros modos de exercer o direito de ser mãe, como a adoção e a inseminação artificial", diz Magdalena. Mas, como lembra a advogada Lais Amaral Rezende de Andrade, o encargo da contracepção não é só da mulher. "O homem também precisa ser responsável pelo sexo seguro. Especialmente hoje, quando a camisinha é imprescindível." Os homens muito ricos e os muito famosos deveriam tomar cuidados redobrados, já que, para eles, um filho indesejado pode se tornar também um instrumento de publicidade. A história da modelo Luciana Gimenez, prestes a dar à luz um filho atribuído ao Rolling Stone Mick Jagger, é um exemplo pedagógico para os homens descuidados.

Gravidez espetáculo – Luciana mantém em segredo o nome do pai de seu bebê, o que só faz alimentar por mais tempo a fantasia de que seja, afinal, mais um herdeiro de Jagger. Se a gravidez foi planejada ou acidental é difícil saber. Mas o parceiro, seja ele quem for, estaria hoje tranquilo se tivesse usado um preservativo. Como Xuxa, há meses, Luciana Gimenez exibiu fartamente sua barriga às câmeras. Para o psicanalista Joel Birman, na maternidade espetáculo não basta ter o filho na privacidade da relação amorosa. "O bebê entra no espaço público, é transformado no mesmo objeto em que tudo na vida se transforma. Deixa de ser um signo da família para assumir uma forma de a mãe aumentar o poder de sua imagem. Vira mais um fetiche. Apesar de ela ter percorrido um caminho independente e de ter ficado famosa, agora pode dizer: sou mãe, também. A maternidade parece um ponto de chegada, em uma faixa etária maior", analisa Birman. Talvez o ator e modelo Luciano Szafir preferisse viver a paternidade de outra maneira e não como coadjuvante de um grande show. Hoje ele nem gosta de comentar o assunto e chega a se irritar com a simples menção do nome Xuxa. Mas recusa o papel de usado: "Hoje só faz filho quem tiver vontade. Se eu não tivesse planos, não namoraria a Xuxa", diz ele. Afinal, Xuxa alardeou para o mundo todo seu desejo de ser mãe. "A decisão de procriar surgiu quando achei que a relação era duradoura", afirma Luciano.

Maratona – Adiar a gravidez em benefício do trabalho, como fez a apresentadora Xuxa, é um traço característico de uma certa faixa social. "São as mulheres mais instruídas, das regiões mais favorecidas, que engravidam mais tarde", diz a demógrafa Lúcia Yazaki, analista da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), de São Paulo. A faixa mais fecunda, nesse Estado, ainda é a dos 20 aos 29 anos, embora a gravidez na adolescência tenha crescido de uma forma alarmante nos últimos anos. Mulheres que tentam engravidar pela primeira vez depois dos 30 enfrentam, às vezes, problemas de infertilidade e passam anos em uma desgastante maratona, percorrendo clínicas e laboratórios. A jornalista Denise Rodrigues tinha 34 anos quando decidiu engravidar. Só aos 39 deu à luz Chiara Theodora, hoje com um ano de idade. "Engravidar foi tão penoso, e se transformou em uma tamanha obsessão, que eu resolvi escrever um livro para exorcizar este drama", diz Denise, autora do recém-lançado Socorro, quero ser mãe (Editora Fundação Peirópolis). "Ter um filho tornou-se para mim um ponto de honra, uma necessidade tão premente como respirar." Com um tom bem-humorado, Denise, casada há oito anos, relata sua história e a de outros casais inférteis. "É uma situação que pode desestruturar a pessoa, o casal, pois afeta diretamente a auto-estima. E, como tudo passa a ser feito com o objetivo de engravidar, até o sexo pode perder a graça", conta a autora. Ela engravidou depois da segunda tentativa de fertilização in vitro e hoje acha que todo o desgaste valeu a pena. "O problema é que demorei para procurar um especialista. Aconselho quem quer ter um filho a não desistir e a buscar profissionais sérios e respeitados", diz Denise.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Acostumada a tratar de casais com problemas, a médica Silvana Chedid, 36 anos, diretora do Centro de Reprodução Humana do Hospital Beneficência Portuguesa, reforça o coro. "Quem tem mais de 35 anos e vem tentando engravidar sem sucesso não deve perder tempo para buscar um tratamento." Nem por isso Silvana estimula obsessões. "É difícil dizer para se ficar calmo quando o sentimento é de urgência, mas é o que eu procuro aconselhar", diz a médica. Ela mesma é serena em relação a este assunto. Silvana que já ajudou tantas crianças a nascer também anseia pela maternidade. "Meu desejo é tranquilo e só tem lugar com um companheiro. Como não estou namorando agora, deixo isso para o futuro", pondera.

Surpresa! – O casal Edivânia e Edson Lança conseguiu escapar da angústia da gravidez. Em outubro do ano passado, eles procuraram uma clínica para realizar uma fertilização in vitro. "Como a gravidez não pintava, a gente ficou preocupado com a minha idade. Fizemos exames e descobrimos que realmente havia um problema de baixa fertilidade", lembra Edivânia, professora de 35 anos. No tratamento, ela começou a tomar medicamentos para ativar a ovulação e compensar a baixa produção de espermatozóides do marido. O resultado foi melhor que o esperado e, na primeira tentativa, Edivânia engravidou. Não de um nem de dois, mas de três bebês. "Esperávamos gêmeos, mas foi uma surpresa enorme. Meu marido teve um ataque e eu chorava como uma criança", diz a futura mamãe, que espera para o início de julho a chegada de Bárbara, Laís e Fernanda. Em repouso total, Edivânia está feliz.

Banco de esperma – As novas tecnologias tornaram não apenas a relação amorosa, mas a própria relação sexual um dos métodos de concepção. E talvez até o mais trabalhoso. A economista M.L., 40 anos, não esperou arrumar um namorado para pensar em um bebê. "Fui a uma clínica que trabalha com doadores de sêmen de outros países e estou tentando realizar o meu objetivo", diz ela. No Brasil, a maioria das clínicas usa sêmen importado, especialmente dos Estados Unidos. O único hospital que tem um banco de sêmen nacional, com doadores voluntários, é o Hospital Israelita Albert Einstein. Segundo o médico Eduardo Motta, do Centro Huntington de Medicina Reprodutiva de São Paulo, a importação de sêmen se faz necessária pela variedade. "Nos Estados Unidos, os homens são pagos para doar e isso serve de estímulo. Em consequência a variedade é enorme." Morena e de olhos castanhos, a economista M.L., por exemplo, sonha com um filho de olhos azuis. Seu doador ainda não foi selecionado, mas ela pode até conseguir o seu bebê louro de olhos claros. O sociólogo e terapeuta Luiz Reis alerta para este tom consumista que a maternidade tem adquirido. "Desta forma, ela é vulgar e descartável, e sua resolução é narcisista e egoísta. A mulher independente, que já tem tudo, arranja um bebê como quem compra uma nova casa, um barco ou uma bolsa de griffe. É um equívoco que irá reverter terrivelmente para a criança, que não encontra seu lugar de filho", diz ele.

A obsessão em conseguir um bebê também esbarra em outras questões emocionais e éticas complicadas. Uma dona de casa de 35 anos conseguiu convencer a irmã mais nova a gerar o filho que ela pretende ter. Por causa de um problema congênito no útero, ela não pode gerar e pretende fazer uma fertilização in vitro com o sêmen do marido e seu próprio óvulo, que será colocado dentro do útero da irmã. Todo o envolvimento da mulher com o bebê durante a gravidez e as emoções do parto e da amamentação parecem não ser levados em conta. É como se passar por tudo e depois despedir-se do bebê fosse simples.

Doação e adoção – Quando a maternidade é um projeto maduro e generoso, soluções que possam traumatizar outras pessoas – e, sobretudo, a própria criança – ficam de fora. Para futuras mães desse tipo, o amor ao filho não depende sequer de sua carga genética. Mulheres com grande disponibilidade afetiva, quando confrontadas com impedimentos físicos de engravidar, recorrem frequentemente à adoção com plena realização. O historiador Sizenando Alves Siqueira, 42 anos, e sua mulher, a professora Regina Acquaroni, 44 anos, adotaram Bruno há um ano e sete meses e estão apaixonados. "Às vezes eu me lembro que não veio da minha barriga e até me assusto", conta Regina. Eles tentaram por alguns anos a gravidez, mas não chegaram a recorrer a nenhum tratamento. "Acho que eles são invasivos e caros", ela justifica. Cada fertilização in vitro custa entre R$ 6 mil e R$ 8 mil e dificilmente a gravidez acontece na primeira tentativa. Regina e o marido fazem questão de frisar que, ao contrário do que se alardeia, adotar não é um inferno burocrático, mas um processo simples e relativamente rápido. Como eles não tinham exigências quanto ao sexo ou ao tipo físico, não precisaram esperar mais do que seis meses para ter o recém-nascido Bruno nos braços.

"A maternidade é a melhor coisa da vida", comemora a atriz Cássia Kiss, 40 anos, mãe de dois filhos. "Sou infinitamente melhor depois que me tornei mãe." Ela engravidou naturalmente, mas não descarta a idéia de repetir a dose por meio de uma adoção. A estilista Dorothy Campolongo, 45 anos, casada há cinco, despertou há cerca de dois anos para o desejo de ter um filho. Mas, ao contrário de tantas mulheres de seu meio e de sua idade, não fez disso uma corrida desesperada. "Não quero entrar nessa paranóia nem quero me sentir culpada de não ser mãe. Se puder passar por essa experiência, ótimo. Caso contrário, vou adotar ou, até, deixar o meu lado maternal aflorar mais com as pessoas à minha volta", imagina.

Colaboraram: Bruno Weis (SP) e Celina Côrtes (RJ)


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias