Parece um túnel do tempo. Belas moças desfilando em maiôs Catalina, longos vestidos de gala, penteados à base de muito laquê. O concurso Miss Brasil, realizado na noite da segunda-feira 26, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, continua exatamente como há 47 anos, quando aconteceu a primeira edição brasileira. Mas as regras do jogo mudaram. A vencedora, a gaúcha Juliana Borges, 22 anos, é a primeira Miss Brasil da era do silicone e da lipoaspiração. Assim como outras modelos-candidatas, a moça recorreu a lipoaspirações e implantes de silicone para levar a coroa e a faixa para casa. Nem hesitou em alardear aos quatro ventos seus “esforços” para ser a representante do Brasil no Miss Universo 2001, que acontece em maio em Porto Rico.

Antes e depois de anunciada a vencedora, o assunto virou polêmica. Pode ou não pode transformar o corpo em concurso de beleza? Candidatas e ex-misses questionam a legitimidade da ajuda de cirurgiões plásticos. Na platéia, um espectador se indignou com o resultado. “Com tanta plástica, até uma alface pode ser miss”, bradou. Mas os jurados parecem não ter se importado. Tanto que ignoraram o fato de Juliana ter sofrido quatro cirurgias plásticas para participar do concurso, num total de 19 intervenções cirúrgicas (cada corte é considerado uma intervenção). “É válido. O Brasil precisa ganhar este Miss Universo”, opina a transformista Rogéria, uma das juradas.

A maratona de cirurgias de Juliana começou em dezembro, quando a moça tomou uma anestesia geral que a deixou dez horas apagada. Durante esse período, consertou a orelha de abano, pôs silicone nos seios e fez lipoescultura nas costas e na cintura. Não satisfeita, em janeiro foi submetida a aplicações de bioplastique – mistura de silicone com colágeno – nas maçãs do rosto, no maxilar e no lábio superior, a fim de ficar com um sorriso mais carnudo. “Ficou supernatural, as cirurgias me deixaram mais bonita e saudável”, acredita. Tudo foi pago por seu empresário, Evandro Hazzi, organizador do concurso do Rio Grande do Sul e auto-intitulado um missólogo. “Apostei. Ela ficou perfeita, mas ganhou por sua personalidade”, elogia.

A moça não entende por que tanta discussão em torno de suas correções. “Não existe mulher perfeita. Queria conhecer uma que recusasse esta oferta.” Juliana não foi a única das candidatas deste ano a se submeter a uma plástica. A colega Joyce Aguiar, 18 anos, representante de São Paulo, também fez um implante de silicone. Pulou de 84 cm de busto para 92 cm. “Não tive como recusar o presente do cirurgião plástico Pérsio Freitas, que colocou uma prótese de silicone em troca de eu ser modelo de sua clínica”, diz.

Entre aquelas que não fizeram plástica, há quem critique o modismo. “Sou natural. Concurso de beleza tem que julgar beleza natural”, diz a bela baiana Anne Ribeiro, 19 anos. A eterna miss Brasil Martha Rocha teria motivos para aprovar a novidade. Em 1955, perdeu o título de Miss Universo por duas polegadas a mais nos quadris. Mas diz que não faria plástica tão nova. “Há outras formas de moldar o corpo. As cirurgias tiram a naturalidade.”

A Miss Brasil 1965, Maria Raquel Carvalho, é outra que vê a tendência como um exagero. “Sou contra. Essas moças acabam ficando todas iguais”, comenta ela, lembrando que em sua época não era permitido pintar o cabelo nem carregar na maquiagem. O excesso é também criticado por especialistas. A psicanalista carioca Clara Pellegrino afirma que a procura sem limites pela perfeição é causada por um sentimento de vazio, que leva as pessoas a colocar tudo no espelho. “Existe uma obsessão por uma forma inalcançável, identificada com a felicidade”, teoriza.

As mudanças no regulamento do concurso de Miss já vinham ocorrendo aos poucos. Atenta ao crescente uso de técnicas da medicina estética nas edições de outros países, a produção brasileira decidiu liberar geral. “Estamos no terceiro milênio e temos que usar todas as armas para ganhar o concurso mundial”, diz o diretor-geral do Miss Brasil, Boanerges Gaeta Jr. O fato é que o concurso tem muito a agradecer ao silicone. Foi ele que tirou o Miss Brasil do esquecimento. Um evento que já foi apresentado ao vivo do Maracanãzinho hoje não chega a lotar um salão com 700 lugares. Mas o diretor está tão animado com a repercussão que promete continuar tirando o mofo e transformar o Miss Brasil num evento fashion.